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Aldeia Jerusalém: estratégia de uma liderança

No documento ILMA MARIA DE OLIVEIRA SILVA (páginas 142-146)

3 CONSTRUÇÃO DE NOVAS ALDEIAS: estratégias e ações de lideranças krikat

3.2 Aldeia Jerusalém: estratégia de uma liderança

A fundação da aldeia Jerusalém131 (Figura 21) por Lourenço Acỳxit em 2011, está vinculada ao plano de gestão e monitoramento do território krikati. Entretanto, diante das entrevistas com ele realizadas, percebi um elemento a mais nesta decisão. Ao perder a função de chefe de posto (2010) e sentir sua liderança desacreditada, estrategicamente, Lourenço Acỳxit buscou meios para recuperarar a confiança de sua comunidade. Sabe-se que o “prestígio” e a legítimidade da liderança política como representante de um povo requer aceitação da comunidade e que a palavra proferida não deve se distanciar das ações a serem realizadas para o bem viver de todos.

Para os Krikati, a perda da função de Lourenço Acỳxit se deu porque ele não estava resolvendo os problemas de sua alçada. Diante da situação, se sentindo ameaçado, ele reagiu

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Devido a família de Lourenço Acỳxit ser evangélica da Igreja Nova Aliança, talvez tenha influenciado na escolha do nome “Jerusalém”. Sendo ele questionado sobre este nome justificou que tirou da Bíblia Sagrada. Ratificou que não teve influência de religiosos nesta decisão, sendo apenas discutida com a comunidade. Mesmo omitindo a influência dos religiosos que estão sempre presentes nas aldeias do povo Krikati, não podemos negar que a igreja influência em algumas decisões desse povo, mesmo que isto seja indiretamente. Como o trabalho não tem objetivo de analisar a questão, não nos interessamos no momento aprofundar a relação igreja, missionário com o povo Krikati, pois acreditamos que seria outra tese.

buscando fazer o que a comunidade considera como atributo para uma forte liderança, como: fundar aldeia em pontos estratégicos para monitorar o território, fazer roça, buscar parcerias com autoridades dos municípios vizinhos, construir espaço para escola, reunir parentes consanguíneos e afins no mesmo lugar, entre outras. A partir destas ações e de outras em prol da comunidade, Lourenço Acỳxit aos poucos foi adquirindo o respaldo da comunidade como seu representante legitimado.

Figura 21: Aldeia Jerusalém

Fonte: Arquivo pessoal

Bittencourt (2007) ressalta que o papel do lider é ouvir a comunidade buscando articular o consenso. Corrêa, ao se reportar às lideranças indígenas que ocupam cargos na FUNAI, esclarece que a indicação para esta função deve ser aprovada pelo povo de pertencimento, principalmente pelas lideranças mais velhas. No caso de Lourenço Acỳxit, ele

seria para o Estado brasileiro “representante” de seu povo. Representaria uma demanda do coletivo Krikati, apesar de ser contratado e remunerado pelo Estado. Apesar de estar a serviço do Estado brasileiro, ele é “subordinado” ao seu povo, e não tem poder de decisão. Esta deve ser tomada, ouvindo e consultando aqueles a quem representa. Deve prestar contas ao povo de seus serviços (CORRÊIA, 2016, p.176).

As práticas das lideranças, sejam elas tradicionais e /ou políticas, são questionadas e observadas constantemente pela comunidade, principalmente pelos anciãos que formam o Conselho Indígena. Neste caso, penso que a destituição de Lourenço Acỳxit da função que exercia teve interferência da comunidade. Para Lave (1967, p.123), isto é perfeitamente aceitável pois “o lugar da atividade política dos Krikati se encontra nas cisões dos grupos domésticos132. Esses grupos funcionam como uma facção dentro da comunidade”. Nesse sentido, compreendemos que a construção da aldeia Jerusalém, suscitada por Lourenço Acỳxit, teve dois motivos além do que ele já mencionou anteriormente: recuperar o prestigio de liderança que estava arranhada pelos seus pares; arregimentear seus parentes consanguineos e afins para fortalecer esta liderança.

Ao narrar sobre o processo de construção da aldeia Jerusalém, Lourenço Acỳxit destaca que buscou um lugar que contemplasse o plano de monitoramento, bem como que tivesse características adequadas para a construção de uma aldeia. Nessa busca ele diz ter passado

trinta dias sozinhos no mato, pensando, analisando, conversando com a natureza buscando um encontro comigo mesmo; refletindo meus erros, meus acertos e planejando como poderia ser melhor para minha família e minha comunidade. Neste período fiz uma pequena roça. A minha ausência deixou minha família preocupada e foram me buscar para eu comunicar minha decisão à comunidade em reunião no pátio [...]. Fui. Fiz a reunião e comuniquei ao Conselho e recebi apoio de todos. [...] eu falei: gente eu decidi fazer uma roça para a gente trabalhar, produzir e também vigiar porque está tendo muito roubo de madeira. [...]. Após a reunião, trinta e seis famílias decidiram que me acompanharia e no mesmo dia escolhemos o cacique Edivaldo Cohhi Krikati.

Atualmente 26 famílias vivem na aldeia contabilizando 123 pessoas133. Desde sua fundação, 10 famílias retornaram para a aldeia São José. A falta de água encanada, escola para atender os últimos anos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio são as causas principais para a volta dessas famílias, segundo Lourenço Acỳxit. A escola nessa aldeia (Figura 22) funciona em uma casa sem parede, construída pelos moradores e serve, também, para reuniões da comunidade.

A aldeia Jerusalém se localiza no município de Sítio Novo, a 10 km desta cidade e a 18 km da aldeia São José. Ao concluir os primeiros anos do Ensino Fundamental os alunos se deslocam para a cidade e não para aldeia São José. Questionado sobre o fato de os pais não

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O grupo doméstico é composto por pais, irmãos com seus respectivos cônjuges e filhos de uma determinada pessoa. É a unidade básica de integração social, pois, a relação é estabelecida entre parentes consanguíneos ou afins. É um grupo não perene, que pode desagregar-se em momentos de crise, morte ou desacordo sem prolongar os conflitos.

optarem pela escola da aldeia, Lourenço Acỳxit destaca vários fatores: ficar próximo a cidade; é uma forma de manter relações amistosas com as autoridades e assim trazer beneficios para aldeia; o prefeito apoia com o transporte escolar; na cidade há aulas todos os dias; não faltam professores. E por último, diz que há fragilidade no ensino da aldeia devido à formação dos professores.

Figura 22: Escola na aldeia Jerusalém

Fonte: Arquivo pessoal

Observo que seu argumento em relação a educação escolar de seus filhos e parentes de sua comunidade, vai contra outras falas quando insiste em repetir que foi estudar na cidade porque não tinha escola na aldeia, bem como sua luta juntamente com Silvia Puxcwyj para que o estado do Maranhão implantasse uma escola que funcionasse com todos os níveis de ensino na aldeia São José. Além do mais, devido a sua decisão, diminui os recursos financeiros para escola localizada na aldeia São José, motivo de constantes conflitos entre eles.

Adecisão em colocar os jovens para estudar na cidade reflete sua trajetória escolar e de vida, ou seja, a sua história sendo o espelho para os jovens krikati. Neste aspecto, compreendo que a “memória é constituída na relação entre passado e presente, mas é a partir da situação atual que adquire sentido, é produzida e recriada”, como pensa Bergamaschi (2010, p.140). Nessa perspectiva, verifico claramente o resgate da memória tanto de Lourenço Acỳxit quanto de seus familiares consanguíneos e afins, por compartilharem da mesma ideia – colocar os

filhos para estudar na cidade – e evocarem sua trajetória de vida e de outras lideranças como exemplo para a formação escolar dos jovens krikati, contrariando o discurso proferido durante todas as entrevistas, ou seja, que sua decisão de estudar na cidade se deu pelo fato de querer aprender de não existir escola na aldeia em sua comunidade.

Um ponto também a destacar em relação a Lourenço Acỳxit são as ideias empreendedoras para sua comunidade. Essas estão sendo alimentadas por ações que estão sendo realizadas com o objetivo de beneficiar a comunidade, valorizar o artesanato e gerar renda. Um exemplo é a parceria com a empresa Suzano Papel e Celulose134, que incentivou as mulheres krikati da aldeia a participar de um projeto que vem sendo consolidado. Este projeto surgiu do fato das mães e esposas sentirem falta dos artefatos e utensílios usados no período de festas e rituais, devido, principalmente, à falta de materiais naturais como sementes, fibras, entre outras para a confecção das peças.

Para o primeiro ano, o projeto visa a doação de equipamentos e materiais como: miçangas, linha de naylon, argolas para o preparo de colares, brincos, braceletes, faixas, entre outras. Assim também, de equipamentos, entre os quais, furadores de sementes, máquinas de costuras, etc. Para o segundo e o terceiro ano está projetado o plantio nos quintais das casas de espécies nativas como tiririca, sabonete, etc.

Como avaliação da primeira etapa do projeto, a Suzano promoveu a elaboração de um catálago onde vão estar expostas as peças produzidas, pois o excesso poderá ser comercializado, contribuindo com a renda familiar. Para isso, reuniram-se todos da comunidade para demonstrações das peças confecionadas, corrida de tora, cantorias e danças.

No documento ILMA MARIA DE OLIVEIRA SILVA (páginas 142-146)