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O retorno para o lugar de onde nunca estiveram distantes: na bagagem outras

No documento ILMA MARIA DE OLIVEIRA SILVA (páginas 198-200)

4 AS IMPLICAÇÕES DAS ESCOLAS NÃO INDÍGENAS E SEUS ECOS NA

4.3 O retorno para o lugar de onde nunca estiveram distantes: na bagagem outras

A análise das trajetórias escolares e histórias de vida de Lourenço Acỳxit e Silvia Puxcwyj, nos permite ordenar aquilo que permaneceu, ainda que modulado pela convivência

com outras culturas. A expressão “ajudar meu povo” mencionada na ocasião que lembram a saída da aldeia para a cidade, tem outro sentido após o retorno ao lugar de origem, pois na bagagem trouxeram elementos outros que dão suporte para terem clareza de como podem contribuir com os Krikati e outros povos indígenas. A língua materna continua sendo a primeira língua, porém com acréscimo de uma segunda língua; o sentimento de pertencimento a cultura Krikati parece mais fortalecido, mas não negam a importância dos não indígenas em suas trajetórias e a riqueza de outras culturas; o espaço da aldeia continua o mesmo, mas os horizontes são mais amplos; os conhecimentos tradicionais, dos quais são portadores, são revalorizados a partir do comparativo com os conhecimentos do mundo ocidental.

Assim, o retorno é de fortalecimento, uma vez que cumprem o compromisso feito com a comunidade. A partir daí, Silvia Puxcwyj e Lourenço Acỳxit regressaram com outras atitudes, novos conceitos, olhares diferenciados. Por exemplo, valorizam o seu território, porém, questionam os problemas que afetam o bem viver de todos; percebem a necessidade de reivindicar do Estado uma escola que atenda todos níveis de ensino; o direito à saúde na aldeia se torna bandeira de luta; água potável em todas aldeias como elemento para dignidade dos indígenas. Além disto, reclamam que a desintrusão do território passe ser prioridade nas pautas de reuniões; projetos com empresas e com Estado visando a autonomia dos Krikati passam ser metas; a formação dos professores para atender as especificidades da comunidade passa a ser questionada, etc. Seus modos são outros, e a comunidade reconhece e os recebe como lideranças. Lourenço Acỳxit lembra que foram

nove anos longe de minha família para entender um pouco o mundo não indígena e a forma de conviver com o branco. Fiz o Ensino Fundamental e Médio fora do meu convívio, passando na aldeia apenas como visitante. Durante todo esse tempo ganhei experiência e hoje não sinto dificuldade em relacionar com os brancos e entendo a língua portuguesa. Às vezes tenho dificuldade de falar corretamente, pois entre nós usamos nossa língua. Sou cobrado pela comunidade e nem sempre compreendido, pois a luta de uma liderança política é árdua. Às vezes temos que planejar estratégias que pessoas da comunidade que não participa de movimento e organizações não entendem e chegam a pensar que estamos em oposição ao povo (LOURENÇO ACÝXIT. Entrevista concedida em Imperatriz em 10 de novembro de 2015). .

De fato, após a comunidade esperar o retorno dos que saíram com intuito de ser mediadores entre as lideranças tradicionais (caciques) e a sociedade ocidental, as lentes oculares foram ampliadas: eles se veem e são vistos de forma diferente, principalmente quando são convidados pelas as autoridades maiores (anciãos) para participar de atividades, resolver problemas com a sociedade ocidental ou simplesmente opinar em ocasiões que exigem conhecimentos diferentes dos tradicionais. São aplaudidos e respeitados quando transmitem o

que sabem partindo dos conhecimentos nativos. Porém, quando escapa a humildade e querem invalidar os saberes tradicionais mediante os ocidentais, são punidos.

Quanto a isso Gersem Baniwa (2006, p.167) diz que as lideranças tradicionais e suas comunidades são atentas e vigilantes quanto ao comportamento de seus representantes, pois não “interessa apenas a capacitação de indivíduos, mas as responsabilidades desses indivíduos na vida das comunidades [...] os complexos sistemas de controle das comunidades indígenas por seus membros são muito fortes e costumam ser exercidos de diversas formas”.

Silvia Puxcwyj e Lourenço Acỳxit são reconhecedores de que os valores tradicionais transmitidos oralmente e no cotidiano de suas aldeias são fundamentais. Permitiram suas sobrevivências em meio as turbulências e as dificuldade a que se submeteram na cidade e nas escolas não indígenas quando, nestas buscavam sonhos, esperanças, conhecimentos e desejo para um mundo melhor.

Assim, é pertinente entender a escola como uma instituição distinta de outras instâncias formadoras – família, igrejas, trabalho, etc. Ela obviamente ainda tem como função histórica promover a educação sistemática, formal, validada na modernidade como dispositivo educativo hegemônico, sendo que este último, não inclui tudo. Entretanto, tende passar pelo meio de tudo, de tal forma, que nos induz a pensar que a inclusão da diversidade cultural faça parte do currículo escolar (NOVARO, 2012).

Não se deve excluir a possibilidade de intensos processos de negociações nessas escolas, pois, como diz Libâneo (2001) existe nestas um currículo oculto, ou seja, os alunos trazem para escola e salas de aula seu próprio contexto, significados, valores, crenças, modos de agir diferenciados, os quais, inevitavelmente, são socializados entre seus pares, resultando, assim, em aprendizagens não sistematizadas.

A partir das narrativas de Lourenço Acỳxit e Silvia Puxcwyj e de professores citados neste trabalho, nos permite dizer que os conhecimentos tradicionais do povo Krikati foram veiculados nos espaços onde os primeiros transitaram, muito embora esses conhecimentos não tenham atingido o currículo oficial das escolas.

Para Novaro (2012, p.109), é importante reconhecer que “há aspectos da diversidade intransferíveis ao formato escolar, que deve haver um lugar legítimo para o que não pode ser traduzido nem interpretado de um contexto a outro”. Nessa perspectiva, entendemos quando Lourenço Acỳxit e Silvia Puxcwyj insistem em afirmar que sabiam o queriam das escolas não indígena: se apropriar de conhecimentos ocidentais.

Partindo dessa premissa, cremos que dificilmente os conhecimentos tradicionais específicos dos Krikati farão parte dos currículos dessas escolas. Primeiro, porque estes são

No documento ILMA MARIA DE OLIVEIRA SILVA (páginas 198-200)