4 AS IMPLICAÇÕES DAS ESCOLAS NÃO INDÍGENAS E SEUS ECOS NA
4.3 O retorno para o lugar de onde nunca estiveram distantes: na bagagem outras
A análise das trajetórias escolares e histórias de vida de Lourenço Acỳxit e Silvia Puxcwyj, nos permite ordenar aquilo que permaneceu, ainda que modulado pela convivência
com outras culturas. A expressão “ajudar meu povo” mencionada na ocasião que lembram a saída da aldeia para a cidade, tem outro sentido após o retorno ao lugar de origem, pois na bagagem trouxeram elementos outros que dão suporte para terem clareza de como podem contribuir com os Krikati e outros povos indígenas. A língua materna continua sendo a primeira língua, porém com acréscimo de uma segunda língua; o sentimento de pertencimento a cultura Krikati parece mais fortalecido, mas não negam a importância dos não indígenas em suas trajetórias e a riqueza de outras culturas; o espaço da aldeia continua o mesmo, mas os horizontes são mais amplos; os conhecimentos tradicionais, dos quais são portadores, são revalorizados a partir do comparativo com os conhecimentos do mundo ocidental.
Assim, o retorno é de fortalecimento, uma vez que cumprem o compromisso feito com a comunidade. A partir daí, Silvia Puxcwyj e Lourenço Acỳxit regressaram com outras atitudes, novos conceitos, olhares diferenciados. Por exemplo, valorizam o seu território, porém, questionam os problemas que afetam o bem viver de todos; percebem a necessidade de reivindicar do Estado uma escola que atenda todos níveis de ensino; o direito à saúde na aldeia se torna bandeira de luta; água potável em todas aldeias como elemento para dignidade dos indígenas. Além disto, reclamam que a desintrusão do território passe ser prioridade nas pautas de reuniões; projetos com empresas e com Estado visando a autonomia dos Krikati passam ser metas; a formação dos professores para atender as especificidades da comunidade passa a ser questionada, etc. Seus modos são outros, e a comunidade reconhece e os recebe como lideranças. Lourenço Acỳxit lembra que foram
nove anos longe de minha família para entender um pouco o mundo não indígena e a forma de conviver com o branco. Fiz o Ensino Fundamental e Médio fora do meu convívio, passando na aldeia apenas como visitante. Durante todo esse tempo ganhei experiência e hoje não sinto dificuldade em relacionar com os brancos e entendo a língua portuguesa. Às vezes tenho dificuldade de falar corretamente, pois entre nós usamos nossa língua. Sou cobrado pela comunidade e nem sempre compreendido, pois a luta de uma liderança política é árdua. Às vezes temos que planejar estratégias que pessoas da comunidade que não participa de movimento e organizações não entendem e chegam a pensar que estamos em oposição ao povo (LOURENÇO ACÝXIT. Entrevista concedida em Imperatriz em 10 de novembro de 2015). .
De fato, após a comunidade esperar o retorno dos que saíram com intuito de ser mediadores entre as lideranças tradicionais (caciques) e a sociedade ocidental, as lentes oculares foram ampliadas: eles se veem e são vistos de forma diferente, principalmente quando são convidados pelas as autoridades maiores (anciãos) para participar de atividades, resolver problemas com a sociedade ocidental ou simplesmente opinar em ocasiões que exigem conhecimentos diferentes dos tradicionais. São aplaudidos e respeitados quando transmitem o
que sabem partindo dos conhecimentos nativos. Porém, quando escapa a humildade e querem invalidar os saberes tradicionais mediante os ocidentais, são punidos.
Quanto a isso Gersem Baniwa (2006, p.167) diz que as lideranças tradicionais e suas comunidades são atentas e vigilantes quanto ao comportamento de seus representantes, pois não “interessa apenas a capacitação de indivíduos, mas as responsabilidades desses indivíduos na vida das comunidades [...] os complexos sistemas de controle das comunidades indígenas por seus membros são muito fortes e costumam ser exercidos de diversas formas”.
Silvia Puxcwyj e Lourenço Acỳxit são reconhecedores de que os valores tradicionais transmitidos oralmente e no cotidiano de suas aldeias são fundamentais. Permitiram suas sobrevivências em meio as turbulências e as dificuldade a que se submeteram na cidade e nas escolas não indígenas quando, nestas buscavam sonhos, esperanças, conhecimentos e desejo para um mundo melhor.
Assim, é pertinente entender a escola como uma instituição distinta de outras instâncias formadoras – família, igrejas, trabalho, etc. Ela obviamente ainda tem como função histórica promover a educação sistemática, formal, validada na modernidade como dispositivo educativo hegemônico, sendo que este último, não inclui tudo. Entretanto, tende passar pelo meio de tudo, de tal forma, que nos induz a pensar que a inclusão da diversidade cultural faça parte do currículo escolar (NOVARO, 2012).
Não se deve excluir a possibilidade de intensos processos de negociações nessas escolas, pois, como diz Libâneo (2001) existe nestas um currículo oculto, ou seja, os alunos trazem para escola e salas de aula seu próprio contexto, significados, valores, crenças, modos de agir diferenciados, os quais, inevitavelmente, são socializados entre seus pares, resultando, assim, em aprendizagens não sistematizadas.
A partir das narrativas de Lourenço Acỳxit e Silvia Puxcwyj e de professores citados neste trabalho, nos permite dizer que os conhecimentos tradicionais do povo Krikati foram veiculados nos espaços onde os primeiros transitaram, muito embora esses conhecimentos não tenham atingido o currículo oficial das escolas.
Para Novaro (2012, p.109), é importante reconhecer que “há aspectos da diversidade intransferíveis ao formato escolar, que deve haver um lugar legítimo para o que não pode ser traduzido nem interpretado de um contexto a outro”. Nessa perspectiva, entendemos quando Lourenço Acỳxit e Silvia Puxcwyj insistem em afirmar que sabiam o queriam das escolas não indígena: se apropriar de conhecimentos ocidentais.
Partindo dessa premissa, cremos que dificilmente os conhecimentos tradicionais específicos dos Krikati farão parte dos currículos dessas escolas. Primeiro, porque estes são