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Algumas correntes dominantes no âmbito da aquisição

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 115-118)

CAPÍTULO II: A AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA PASSIVA

2.1. Algumas correntes dominantes no âmbito da aquisição

A corrente dominante na investigação na área da aquisição da linguagem, até meados dos anos 50, é o behaviorismo. Esta teoria baseia-se na ideia de que a criança adquire a sua língua materna imitando os adultos à sua volta. Assume-se que a aprendizagem de uma língua se dá pela exposição ao meio e a partir da imitação e do reforço. O ponto de vista teórico behaviorista defende que o ser humano aprende por condicionamento, assim como qualquer outro animal.

Em 1959, Chomsky vem defender que qualquer criança nasce biologicamente equipada para adquirir uma língua, bastando, para isso, estar inserida num contexto linguístico adequado. No seguimento de Chomsky (1959), numerosos estudos (Wexler 1996; Crain & Thornton 1998) defendem a ideia de que existem princípios gramaticais inatos na mente da criança. Estes princípios formam a Gramática Universal (GU) e coexistem com um conjunto de parâmetros que são ajustados, de acordo com a própria língua. Assim, os princípios explicam os aspetos comuns a todas as línguas e os parâmetros, por sua vez, justificam a variação que podemos encontrar entre elas. A evidência empírica pertinente para este modelo assenta na ideia de que qualquer criança adquire um conhecimento completo da sua língua materna estando exposta a um input que está, no entanto, longe de ser o ideal, ou seja, é fragmentário e pouco estruturado.

Outro facto que advém do inatismo linguístico é a modularidade cognitiva da aquisição da linguagem, ou seja, o mecanismo de aquisição da linguagem é específico dela, não havendo uma interface óbvia com outros elementos cognitivos ou comportamentais. Assim, a relação que se estabelece entre a língua e outros sistemas

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cognitivos, como a perceção, a memória, é indireta. Deste modo, a aquisição da linguagem não depende, inevitavelmente, de outros módulos cognitivos nem de qualquer interação social (Scarpa 2001).

O Modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1986) avança consideravelmente na tentativa de explicar o caráter universal das diversas línguas humanas. As regras sintáticas e a existência de filtros deram lugar à definição de princípios universais verificáveis em todas as línguas. Segundo o modelo, a distinção das gramáticas das diferentes línguas far-se-ia através dos distintos parâmetros que caracterizariam cada uma.

Seguiu-se o Programa Minimalista (Chomsky 1999), que não se constitui como mudança no quadro teórico da teoria generativa, uma vez que não substitui o Modelo de Princípios e Parâmetros. É antes “um conjunto de ‘orientações’ guiadas pela ideia intuitiva de evitar a postulação de entidades teóricas que não sejam conceptualmente necessárias dentro da lógica da teoria”77. Este programa ambiciona a satisfação de

condições de economia que visam eliminar tudo aquilo que não é essencial.

Aitchison (1998) defende uma posição próxima, mas não equivalente, à de Chomsky, na medida em que assume a importância do par nature/nurture enquanto princípio de toda a psicologia. Nas palavras da própria autora:

Nature triggers off the behavior, and lays down the framework, but careful nurture is needed for it to reach its full potential. The dividing line between “natural” and “nurtured” behavior is by no means as clear cut as was once thought. In other words, language is “natural” behavior – but it still has to be carefully ‘nurtured’ in order to reach its full potential. In modern terminology, the behavior is innately guided. (Aitchison 1998: 90)

Para a autora, a linguagem não pode ter apenas uma base genética. Os seres humanos falam uma grande variedade de línguas diferentes, e as crianças podem aprender a falar se expostas a modelos adequados durante o seu desenvolvimento.

Os trabalhos desenvolvidos na área inatista têm sido criticados essencialmente por outras duas correntes teóricas que também têm norteado os estudos nesta área: o cognitivismo construtivista e o interacionismo social.

A corrente cognitivista-construtivista caracteriza a aquisição da linguagem como dependente do desenvolvimento da inteligência da criança. Deste modo, a linguagem

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surge quando a criança desenvolve a função simbólica, sendo, nesse sentido, um sistema simbólico de representações. É, então, necessário que o adulto faça a mediação entre a criança e o mundo (Scarpa 2003). A criança vai construindo o seu conhecimento do mundo a partir das relações estabelecidas através dessa mediação.

Opondo-se ao modelo inatista, a aquisição é vislumbrada como sendo o resultado da interação entre o ambiente e o organismo, através de assimilações e acomodações, que são responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência, e não como consequência do desencadear de um módulo — ou um órgão — específico para a linguagem.

Não obstante, tem-se verificado recentemente que o desenvolvimento linguístico é independente do desenvolvimento de outras capacidades cognitivas, sendo tal comprovado pela existência de patologias que afetam capacidades linguísticas, mas não outras capacidades cognitivas.

Tendo como ponto de partida a obra piagetiana, desenvolveram-se muitas pesquisas que também foram criticadas por subestimarem o papel da sociedade no desenvolvimento da criança. É nessa altura que se insiste na importância de um modelo interativo social que pudesse explicar o desenvolvimento da criança. As propostas de Vygotsky começam a fazer-se ouvir e têm grande impacto nos estudos de aquisição da linguagem por volta dos anos 70, surgindo como alternativa ao inatismo de Chomsky e ao cognitivismo-construtivismo de Piaget.

A visão interacionista-social de Vygotsky tem em consideração os fatores sociais, comunicativos e culturais para a aquisição da linguagem, estudando as características da fala dos adultos. De acordo com esta perspetiva, a interação social e a troca comunicativa constituem pré-requisitos básicos para a aquisição da linguagem. A linguagem é, assim, uma atividade constitutiva do conhecimento de mundo em que a criança se constrói como sujeito. O input que a criança recebe do meio circundante é considerado um importante fator de aprendizagem da linguagem.

Num campo oposto ao da gramática generativa, constitui-se a linguística funcional, representada por autores como Bates & MacWhinney (1982). Estes linguistas construíram as suas teorias não com base em linguagens formais, mas com base em construções psicologicamente significativas, como símbolos, categorias, esquemas, imagens e perspetivas discursivas. Criticando estas teorias, Tomasello (1995: 153)

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afirma que “The theories are thus not driven by considerations of mathematical elegance, but rather by considerations of psychological plausibility”.

Mais recentemente, muitas investigações pretendem averiguar como a aquisição da linguagem se processa na mente. O conexionismo propõe que a aquisição da linguagem tem como base a formação de unidades neuronais de pensamento. Essas unidades neuronais formam redes de associação. Deste modo, a aquisição de uma língua tem subjacente o estabelecimento de novas conexões neuronais.

O conexionismo estuda a mente a partir de uma perspetiva computacional, tentando descrever o processamento cognitivo à semelhança de um computador – os dados que alimentam a mente (input ou dados de entrada), o seu processamento e o produto ou output (Plunkett 1995).

Depois da descrição das várias correntes que, ao longo das últimas décadas, se destacaram na tentativa de explicar o processo de aquisição da linguagem, o nosso trabalho incidirá sobre os autores que trabalham na perspetiva inatista78. Esta perspetiva

parece-nos ser aquela que melhor dá conta do processo de aquisição de uma língua. Sendo este um processo por que passam, em princípio, todos os seres humanos, a hipótese inatista tem na universalidade e na sequencialidade do processo de aquisição os seus pontos fortes. A universalidade diz respeito ao facto de todos os bebés nascerem com capacidade para falar uma língua (salvo algumas exceções), enquanto a sequencialidade se refere às várias fases de desenvolvimento observadas. Nesta perspetiva, está previsto que haja diferenças individuais entre crianças79, que são

explicadas pelo ritmos de desenvolvimento psicomotor (Costa & Santos 2003).

Na próxima secção, apresentamos o trabalho de Borer & Wexler (1987), desenvolvido numa perspetiva maturacional, e de outros assentes na mesma linha de investigação.

2.2. A aquisição da estrutura passiva: uma abordagem sintática

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 115-118)