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Restrições semânticas na aquisição da estrutura passiva

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 142-146)

CAPÍTULO II: A AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA PASSIVA

2.3. A aquisição da estrutura passiva: uma abordagem semântica

2.3.2 Restrições semânticas na aquisição da estrutura passiva

Numa perspetiva diferente, Pinker et al. (1987) defendem que a aquisição da passiva em inglês representa um problema para a teoria da aprendizagem. Este trabalho de Pinker et al. surge com base na questão seguinte: se as crianças não recebem evidência negativa para dizer que sequências são agramaticais, o que as impede de sobregeneralizarem uma regra produtiva de passivas com verbos que constituem exceção? Aparentemente, a solução seria as crianças serem conservadoras, ou seja, só passivizavam verbos que já tivessem ouvido na forma passiva. Os autores refutam esta possibilidade visto que as crianças produzem construções passivas que nunca teriam ouvido no input.

Uma alternativa seria as crianças, em dada altura, terem acesso a uma restrição semântica que distinguiria verbos passivizáveis de verbos não passivizáveis. A partir de duas experiências, os autores mostram que as crianças não possuem uma restrição semântica absoluta que as proíba de passivizar certos verbos. Assim, concluem que a tendência para passivizar depende do mapeamento entre papéis temáticos e funções gramaticais especificados pelo verbo.

Quando as crianças começam a falar, generalizam a partir de uma amostra finita do discurso do adulto para uma linguagem imensa. Como não têm acesso sistemático a evidência negativa, torna-se necessário explicar por que motivo as crianças eliminam as sobregeneralizações criadas por uma regra produtiva, ou como evitam fazer essas generalizações.

Para tentar responder à pergunta, Pinker et al. (1987) investigaram três hipóteses: a conservadora, a produtiva e a produtiva limitada. Se as crianças forem conservadoras, produzirão e compreenderão os verbos apenas na diátese em que tiverem sido ensinados. Se estiver disponível uma regra produtiva para passivas que se aplique a todos os verbos transitivos, deverão ser capazes de produzir e compreender todos os verbos na ativa e na passiva, independentemente da diátese em que tiverem sido ensinados. Se tiverem acesso a uma regra produtiva para passivas que se aplique a todos os verbos transitivos que denotem ações ou que tenham argumentos como agentes e

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pacientes, deverão compreender e produzir os verbos agentivos ensinados e não ensinados, mas apenas os verbos de perceção ensinados.

Na experiência levada a cabo, os autores recorreram a dois métodos diferentes que visam avaliar a produtividade da construção passiva. Primeiramente, examinaram transcrições de discurso espontâneo para averiguar se as crianças produziam com regularidade passivas que nunca poderiam ter ouvido no input. Depois, expuseram crianças a novos verbos na ativa e na passiva e testaram a sua habilidade para produzir cada verbo na voz em que o tinha ouvido e, mais importante, na voz em que o verbo nunca tinha sido usado. Nas experiências, os autores alteraram a semântica do verbo (verbos agentivos vs verbos não agentivos) para certificar que a tendência da criança para passivizar, se existe, é sensível às restrições que se impõem nos domínios de passivização dos adultos.

Neste estudo, os autores examinaram as produções de quatro crianças para ver a prevalência de construções passivas e examinaram também relatórios sobre inovação verbal em crianças, nomeadamente com causativas e formação adnominal de verbos.

Nestas circunstâncias, o primeiro tipo de erro ocorre quando as crianças produzem o particípio de forma incorreta (It´s brooked), apesar de na gramática do adulto haver uma forma disponível. Para os autores, este erro constitui evidência a favor da produtividade. Outro erro consiste na passivização de verbos que não são transitivos em inglês.

Na primeira experiência, os autores ensinaram quatro verbos às crianças: dois em construções passivas e dois em ativas. Na passiva e na ativa, testou-se verbos agentivos e verbos de perceção, quer ao nível da compreensão quer da produção. Segundo os autores, a tarefa de compreensão é menos exigente para a criança e, por vezes, basta prestar atenção à morfologia do verbo ou ao auxiliar para se garantir uma prestação acima do acaso.

Os autores constataram que as crianças foram altamente produtivas, demonstrando possuir uma regra produtiva de passivização para aplicar na produção e na compreensão. As crianças não restringiram a passivização produtiva a predicados com verbos agentivos100.

100 Também Brooks & Tomasello (1999) alertaram para a importância do input, mostrando que crianças

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Pinker et al. (1987), depois de analisados os resultados, põem de lado a hipótese conservadora, uma vez que as crianças revelaram criatividade nas suas produções. Concluem que as crianças utilizam a regra de produção de passivas de forma produtiva, mostrando-se, no entanto, sensíveis ao mapeamento entre papéis temáticos e funções gramaticais dentro de subclasses verbais. Estas restrições ligam-se à Restrição sobre a Hierarquia Temática (Jackendoff 1972)101 que prevê que o mapeamento entre papéis

temáticos e funções gramaticais especificadas pelo verbo impede uma sobregeneralização da regra de produção de passivas por parte das crianças. Esta condição, no entanto, não resolve o problema de aprendizagem de que falam Pinker et al. (1987), visto que não explica o motivo por que alguns verbos que marcam o sujeito como agente apresentam uma construção passiva e outros não.

No que à Hierarquia Temática diz respeito, Jackendoff (1972) tenta explicar por que motivo apenas alguns verbos passivizam. Assim, para o autor, é a atribuição do papel temático, e não a interpretação do predicado, que governa a construção passiva. O autor propõe a existência de uma hierarquia de relações temáticas e uma restrição para que, na estrutura passiva, o agente da passiva esteja mais baixo do que o sujeito na hierarquia:

- Tema > Lugar/Fonte/Objetivo > Agente

Esta Restrição sobre a Hierarquia Temática (Thematic Hierarchy Constraint, THC) dá conta do motivo pelo qual verbos ambíguos entre uma leitura agentiva e espacial (ex. cobrir) na ativa são claramente agentivos na passiva. Nesta interpretação, Jackendoff (1972) não refere as passivas curtas, mas é fácil estender a THC a este contexto. Estas passivas, não tendo um sujeito expresso explicitamente, apresentam um sujeito implícito. Pode-se assumir que os particípios em passivas curtas implicam um argumento que corresponde a um sujeito, mas que não está mapeado pelo agente da passiva, mas sim numa função gramatical nula (Bresnam 1982). Esta função nula e a função de agente da passiva teriam a mesma função na delineação gramatical das passivas no campo da THC.

101 Na literatura, existe consenso sobre a utilidade teórica de uma hierarquia de papéis temáticos dado que

ela justificaria a impossibilidade de certos alinhamentos quando coocorrem argumentos com determinados papéis temáticos. No entanto, não existe unanimidade quer relativamente aos papéis temáticos a considerar quer relativamente à hierarquização.

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A THC é corroborada pelo facto de a construção passiva ser sensível ao mapeamento entre papéis temáticos e funções gramaticais; e as crianças estão sujeitas a esta restrição. Porém, Pinker et al. (1987) criticam esta hipótese, porque prevê que qualquer verbo não agentivo apenas é passivizável em função de o respetivo tema ser mapeado através das funções do sujeito passivo e do oblíquo. Pinker et al. descobriram que apesar de as crianças preferirem vagamente passivas com verbos de lugar que tenham sujeitos como tema, tal como previsto pela THC, também verificaram que as crianças preferiam verbos agentivos a verbos não agentivos, o que é consistente com a teoria do núcleo temático, mas não com a THC.

Um ponto que talvez deva ser questionado em Pinker et al. (1987) assenta na afirmação de que a criança não recebe evidência negativa do input. Segundo Pinker et al. (1987: 196):

When children learn to speak, they generalize from a finite sample of adult speech to an infinitely large language. How they succeed is the most important problem in language acquisition research. It is a particularly difficult problem because children have no systematic access to negative evidence: information about which strings of words are not grammatical sentences in the language. Children are neither corrected nor miscomprehended more often when they speak ungrammatically (Brown & Hanlon, 1970; Hirsh-Pasek, Treiman, & Schneiderman, 1984), and anecdotal evidence suggests that they pay no attention when they are corrected (Braine, 1971; McNeill, 1966). The absence of negative evidence makes acquisition difficult for the following reason: if the child hypothesizes a rule system generating a language that is a superset of the target language, the input, strictly speaking, can never tell the child he or she is wrong (Gold 1967; Osherson, Stob e Weinstein 1985; Pinker 1979).

Na verdade, parece-nos que o facto de os próprios adultos não passivizarem determinados tipos de verbos pode constituir uma espécie de evidência negativa que tem de ser tida em consideração.102 É certo que à criança não são ensinados os verbos que

são passivizáveis. No entanto, ela poderá talvez deduzir que certos verbos não surgem em estruturas passivas pelo simples facto de não receber input nesse sentido.

Como referimos, a regra de passivização das crianças é sensível ao mapeamento entre papéis temáticos e funções gramaticais. No entanto, parece-nos que a THC falha

102 Para Gabriel (2001: 189), “(…) a ausência de evidências negativas explícitas, tais como um adulto

dizendo à criança que determinada construção não é gramatical em uma língua, não implica em ausência de evidências negativas implícitas ou indiretas, tais como a não ocorrência de uma forma possível (mas não usada) na linguagem do adulto (por exemplo O leão foi carinhado pelo domador, mas sim O leão foi

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na tentativa de explicar o motivo por que alguns verbos que apresentam o sujeito como agente podem surgir em estruturas passivas e outros não.

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 142-146)