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A passiva infinitiva

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 71-75)

CAPÍTULO I: A TIPOLOGIA DA ESTRUTURA PASSIVA EM PORTUGUÊS

1.4. A passiva infinitiva

Para além dos diferentes tipos de passivas anteriormente descritos, Peres & Móia (1995) consideram que certas construções com formas verbais infinitivas têm uma estrutura de tipo passivo, uma vez que o segundo argumento do verbo está associado à posição de sujeito. Será, portanto, uma construção passiva aquela que é destacada a seguir:

(210) Esta situação é difícil de prever.

É uma infinitiva dependente de um predicado adjetival, em que o sujeito da frase matriz está associado à função sintática de sujeito da frase encaixada (infinitiva). Os autores apresentam alguns argumentos a favor de análise passiva deste tipo de construção. Em primeiro lugar, a oração em questão apenas é possível com verbos verdadeiramente transitivos. Note-se a agramaticalidade de (211):

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Para além disso, a oração não é possível com um agente realizado na posição de sujeito: (212) *Esta situação é difícil de o João prever.

Esta posição, na estrutura infinitiva, está preenchida por um vestígio do SN elevado, de acordo com a análise de Peres & Móia (1995: 218), pelo que não pode ser reocupada por outro SN. Em alguns contextos, pode dar-se a ocorrência de um agente da passiva, mas este terá preferencialmente um valor indeterminado. Veja-se o contraste entre (213) e (214):

(213) Esta situação é difícil de prever por quem quer que seja. (214) *Esta situação é difícil de prever pelo João.

A estrutura encaixada está em variação livre com outras estruturas passivas, como a passiva eventiva (216) ou a passiva pronominal (217):

(215) Esta situação é difícil de prever. (216) Esta situação é difícil de ser prevista. (217) Esta situação é difícil de se prever.

Duarte (2003: 635) aborda esta construção, referindo-se no entanto a ela como Adjetival Complexa41 ou de Elevação de Objeto. No exemplo (218), a completiva ocorre como

complemento do adjetivo, sendo introduzida por uma preposição; o sujeito da completiva tem uma interpretação arbitrária; o constituinte interpretado como argumento interno do verbo da completiva ocorre como sujeito da frase superior, originando a concordância do verbo copulativo e do predicativo do sujeito (Duarte 2003: 635):

(218) Este livro é fácil de ler.

Para Duarte, a análise adequada da construção acima não será aquela que envolve o movimento do objeto direto da completiva para a posição de sujeito da frase superior (dado que a cabeça da cadeia e o vestígio teriam papéis temáticos atribuídos pelo adjetivo que seleciona a completiva e pelo verbo da completiva, respetivamente). Antes, a análise defendida considera que o constituinte que ocorre na posição de sujeito é o argumento externo do adjetivo e assume que o objeto direto do verbo encaixado é foneticamente nulo.

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Já para Peres & Móia (1995: 217), uma frase como (218) implicaria dois movimentos do SN que é, em superfície, o sujeito da matriz: um movimento passivo e, posteriormente, uma elevação. Este tipo de elevação seria, sim, uma elevação de sujeito (neste caso, uma elevação de sujeito passivo). A ser esta a opção, os autores levantam a hipótese de, em português, não haver instâncias de elevação de complemento direto. A representação de superfície proposta é a seguinte:

(219) [este livro]i é fácil [de [v]i ler [v]i]

Relativamente às restrições impostas, só os constituintes interpretados como argumentos internos diretos do verbo encaixado podem ocorrer como sujeitos da frase superior neste tipo de construção. Note-se a agramaticalidade de (220):

(220) *Este livro é fácil de gostar. (É fácil gostar do livro)

Outras construções que Peres & Móia (1995: 216) consideram ser do tipo passivo são as que se ilustram nos exemplos seguintes:

(221) As salas a pintar são várias.

(222) Esta sala encontra-se ainda por pintar. (223) Mandei-o vigiar por dois detectives.

Estas estruturas são diferentes entre si, mas como característica comum têm o facto de o argumento interno dos predicadores não ocorrer como seu complemento direto e o argumento externo não ocorrer como seu sujeito. Os autores não discutem mais pormenorizadamente as características específicas destas construções.

Um dos problemas em relação à passiva infinitiva consiste no facto de um verbo transitivo surgir sem objeto direto dentro do complemento de um adjetivo e ter como argumento precisamente o elemento sobre o qual predica o adjetivo que incide sobre esse complemento preposicional. Apesar de apenas verbos transitivos poderem ocorrer nesta construção, o certo é que surgem sem o respetivo objeto direto.

Mendikoetxea (1999: 251) e outros autores aí citados parecem concordar relativamente ao facto de haver muita variação dialetal e de registos quando se fala nos verbos que admitem esta construção com infinitivo. De qualquer modo, Mendikoetxea apresenta vários argumentos a favor de uma análise desta construção como passiva. Destacamos apenas alguns.

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O primeiro relaciona-se com a existência de um verbo transitivo sem objeto direto e de um argumento analisado como seu paciente. O segundo diz respeito à possibilidade de ocorrência de um complemento agente da passiva (difícil de construir por arquitetos especializados). O último, e o mais consistente, aponta para a aceitação de passivas pronominais (224) e (225) nesta construção:

(224) digno de se notar/ difícil de se ver (225) digno de ser notado/ difícil de ser visto

Bosque (1999: 249)42, para o espanhol, descreve algumas classes semânticas

homogéneas a que pertencem os predicados que aceitam esta construção, apesar da variação existente:

i. Classes que denotam possibilidade, facilidade e dificuldade:

(226) Impossível de resolver/ fácil de ler/ rápido de preparar/ difícil de transportar

ii. Classes que denotam sensações causadas por aquilo de que se fala:

(227) Música aborrecida de ouvir/ um texto interessante de ler/ carros divertidos de conduzir.

iii. Classes de adjetivos que denotam merecimento, estima, relevância e frequência: (228) Um exemplo digno de imitar/ questões difíceis de recordar.

As construções que apresentamos nesta secção mostram que as marcas morfológicas que caracterizam as passivas eventivas (ser V-do) e as passivas pronominais (-se) não estão presentes na passiva infinitiva. Não obstante as semelhanças sintáticas e semânticas, alguns autores preferem designar estas construções como pseudo-passivas.

1.4.1. Resumo da secção

Nesta secção, abordou-se um tipo de passiva que raramente é descrito nas gramáticas: a passiva infinitiva. São consideradas passivas as construções com formas verbais infinitivas que apresentam o segundo argumento do verbo associado à posição de sujeito. Apenas os verbos verdadeiramente transitivos são aceites nesta construção; a oração não aceita um agente realizado na posição de sujeito; e o agente da passiva, a

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ocorrer, terá preferencialmente um valor indeterminado. A construção passiva infinitiva está em variação livre com passivas eventivas e pronominais.

Apresentados os diferentes tipos de construções passivas descritas na literatura, analisaremos, na secção seguinte, o estatuto que o particípio passado assume em construções passivas.

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