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O caso do sesotho

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 167-170)

CAPÍTULO II: A AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA PASSIVA

2.6. A aquisição não tardia da estrutura passiva

2.6.2 O caso do sesotho

A língua sesotho é mencionada sempre que se alude ao facto de o atraso na aquisição de estruturas passivas não ser universal. Segundo Demuth (1989), as passivas verbais em sesotho são adquiridas muito cedo (cerca dos 2;8 anos), o que levanta um problema para a Hipótese da Maturação que apresenta como um dos principais argumentos a ideia de que a ativação de um dado princípio gramatical ocorreria transversalmente em todas as línguas ao mesmo tempo.

Em sesotho (Demuth 1989), por exemplo, a aquisição de passivas verbais numa fase bastante inicial manifesta-se ao mesmo tempo que existe uma grande predominância da passiva quer na língua adulta113, quer no input do adulto para a

criança. Isto deve-se a uma elevada quantidade de objetos passivizáveis em sesotho (acusativos e dativos) e à orientação do sujeito para tópico.

Relembremos que Borer & Wexler (1987) argumentam que as passivas adjetivais do inglês derivam de verbos agentivos e, como tal, a preferência pela passivização precoce de verbos agentivos mostra que as passivas mais precocemente produzidas são as adjetivais. Demuth recusa este argumento, relembrando que muitas passivas adjetivais são formadas por verbos não agentivos. A autora suspeita que o uso de passiva com verbos não agentivos, em inglês e em sesotho, é mais frequente em tipos específicos de géneros escritos e orais.

Outra evidência que mostra que as crianças falantes de sesotho dominam a formação de cadeias argumentais é o facto de passarem de frases ativas para passivas sem dificuldades. Perante estes dados, parece não haver evidências que corroborem a Hipótese da Maturação. Os dados recolhidos mostram que a formação de cadeias-A está presente a partir dos 2;8 anos, mas poderá eventualmente estar presente antes: poucas passivas são encontradas mais cedo, mas a compreensão no discurso espontâneo é muito satisfatória e algumas das construções mais precoces constituem formas criativas, isto é, são aplicadas a verbos que não surgem geralmente em construções passivas.

No estudo levado a cabo por Demuth (1990), quatro crianças foram gravadas, na sua interação com os adultos, durante 84 horas. Contam-se seis grupos que se dividem

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do seguinte modo: 1 (2;1-2;3), 2 (2;4-2;6), 3 (2;7-2;9), 4 (2;10-3;2), 5 (3;9-3;10) e 6 (4;0-4;1).

Relativamente aos dados observados, verificou-se que enquanto o uso das passivas curtas é consistente em todos os intervalos, o uso das passivas longas é mais elevado nos intervalos iniciais (2;1-2;6), descendo nos restantes intervalos. A passiva impessoal surge apenas associada às crianças que integram os grupos 3, 4, 5 e 6.

Nota-se uma tendência para um decréscimo no uso das passivas longas no decorrer do tempo. Assim, a língua sesotho não apresenta evidência de que as passivas longas são mais difíceis de aprender do que as passivas curtas. As crianças alternam entre passivas curtas e passivas longas, o que mostra que ambas as estruturas estão disponíveis desde cedo para as crianças.

Em sesotho, palavras-wh não são permitidas na posição de sujeito. Por este motivo, as passivas têm um papel importante na gramática: para se questionar sobre sujeitos ou responder a questões sobre sujeitos, deve usar-se a construção passiva. As crianças são, desde cedo, sensíveis a esta restrição. Devido a esta caraterística funcional da passiva em sesotho, as crianças têm a prática de que necessitam para compreender e produzir passivas no discurso espontâneo. Parece então que o papel que a passiva desempenha na gramática de uma língua e a sua frequência de uso são determinantes para se prever quando se fará a aquisição da passiva numa língua.

A aparente facilidade que as crianças falantes de sesotho revelaram perante estudos experimentais com passivas já foi criticada por Crawford (2009). A autora argumenta que não foram realizados estudos experimentais que corroborassem os dados fornecidos pela fala espontânea das crianças, tendo então colmatado essa falta com um estudo de compreensão de frases ativas, passivas longas e passivas curtas, com 11 crianças (5;0-6;0). Os dados revelam maiores dificuldades com a passiva longa do que com a ativa, o que contraria a explicação da aquisição com base na frequência de frases passivas no input. Neste estudo, a autora não terá reunido as condições de sucesso de que falam O’Brien et al. (2006) pelo que os seus dados também poderão ser criticados, não obstante a existência de outros estudos que revelam que as condições de sucesso não são tão determinantes como se chegou a pensar para o sucesso das crianças no desempenho da tarefa.

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Mais recentemente, Crawford (2012) recorre ao aspeto progressivo e às orações finais como testes de diagnóstico para distinguir as passivas verbais das adjetivais. As orações finais, por exemplo, ou os adjuntos que justificam uma ação, só são possíveis quando um argumento agente está presente. As passivas verbais têm argumentos agentivos, enquanto as adjetivais não.

A autora argumenta contra a hipótese que recorre à homofonia entre passivas verbais e adjetivais em inglês para explicar o desempenho das crianças (Borer & Wexler 1987) e, recorrendo a evidência experimental, mostra que as crianças de 4-6 anos, falantes de inglês e de sesotho, fazem uma interpretação das passivas verbais ao nível do adulto, provavelmente a partir de traços discursivos disponibilizados pelo input. No entanto, a autora manifesta-se contra a hipótese de a frequência no input explicar a variação interlinguística na aquisição da passiva.

Crawford (2012) explica o atraso na interpretação de passivas longas não agentivas com base nas predições de Gehrke & Grillo (2009) e Grillo (2008), que apontam a complexidade semântica como fundamental para a interpretação da passiva. Estes autores rejeitam a UPR, a AIH e as justificações baseadas no input. Defendem, antes, a existência de uma relação estreita entre a disponibilidade de um estado resultante e a passivização. Assim, a possibilidade de passivização de um predicado dependeria da respetiva estrutura eventiva. Para o demonstrar, os autores recorrem a evidência da ordem de palavras em construções com predicados secundários resultativos, quantificadores flutuantes, ditransitivos. Grillo (2008) sugere que os predicados não agentivos não apresentam o operador BECOME que será essencial para que um predicado surja na passiva. O autor sugere que o type shifting necessário para criar uma passiva causa uma sobrecarga ao nível do processamento e enquanto a criança não tiver essa capacidade não conseguirá interpretar este tipo de passivas. Os resultados da pesquisa nesta área serão importantes para o estudo da própria passiva.

Demuth et al. (2010), levando em linha de conta as críticas apontadas, fizeram novos estudos experimentais, tendo concluído que as crianças compreendem melhor as ativas e que a interação entre voz e tipo de verbo não é significativa, sendo, no entanto, as frases com verbos agentivos mais facilmente compreendidas.

Kline & Demuth (2010) voltam a assumir que é a alta frequência de passivas no input que aproxima o desempenho das crianças ao dos adultos, sendo esta uma condição suficiente para a rápida aquisição da passiva. Referem ainda que a alta frequência de

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passivas longas facilita a aquisição da estrutura uma vez que este tipo de passivas tem os dois papéis temáticos realizados foneticamente.

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 167-170)