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Transformações nas formas de produção da sociedade contemporânea

SOCIAL-DEMOCRACIA A velha esquerda

2.5 Algumas dimensões sócio-culturais

Verificadas as dimensões econômicas e políticas da globalização, damos lugar a uma breve análise do seu aspecto mais obscuro, em que ainda restam as maiores dúvidas, suas dimensões sócio-culturais.

U ma importante contribuição ao estudo da influência da globalização na sociedade e em sua cultura, vem de IANNI (1997) quando traça um paralelo entre globalização e o conceito de transculturação. Certamente, grande parte das dimensões sócio-culturais atingidas pela globalização podem ser entendidas quando compreendido o fenômeno da transculturação. Quando o autor aborda o conceito transculturação, o faz num sentido amplo da palavra, ou seja, não para designar uma perda de culturas, uma aculturação ou substituição pura e simples. O mundo é uma transculturação contínua onde tudo se mescla, se interrelaciona, se modifica, numa transição de culturas, modificação de culturas, mas no sentido de criação.

“A criatura sempre tem algo de ambos os progenitores, mas também sempre é distinta de cada um dos dois. Em conjunto, o processo é uma transculturação e este vocábulo compreende todas as fases de sua parábola.” (OR TIZ , 1940 apud IANNI, 1997)

Por esse processo cada vez mais dinâmico de transculturação é que o mundo se configura com sua pluralidade ou, como um “imenso caleidoscópio babélico mapa cultural do mundo” (IANNI, 1997). É desta pluralidade, desta riqueza de diversidade que é possível perceber a importância de tal processo. “As sociedades prosperam quando se misturam, quando idéias e reconhecimentos são transferidos na excitante dança da polinização cultural cruzada” (SAID, 1983 apud IANNI, 1997).

De certo modo, a transculturação faz ressurgir de maneira positiva a utopia de uma cultura mundial sem prejuízo de tudo o que pode ser local, das especificidades de cada região, ou de cada nação.

Mas não se pode deixar levar pela ingenuidade e pelo otimismo diante de um processo que em jargão popular poderia ser descrito como uma ‘faca de dois gumes’. U m processo que ao mesmo tempo em que tem seu papel positivo de ‘evolução das culturas e sociedades’, hoje ainda não predomina sob este aspecto. A cultura e a sociedade que se apresenta como universal, ou simplesmente mundial, está muito longe de ser de todos.

A hegemonia, as sociedades hegemônicas, compostas por aqueles que impõem o ritmo de funcionamento da ‘máquina global’, dominam o mundo sob todos os aspectos, partindo do econômico para o político, e sem dúvida nenhuma, em direção ao social e ao cultural.

O mundo hoje é ainda mais excludente do que nunca. Com os avanços tecnológicos, aumentaram as distâncias dos que se beneficiam destes próprios avanços e os que ao menos sabem de sua existência. Na era dos computadores, das telecomunicações, do poder estar do outro lado do mundo sem realmente estar presente fisicamente, e de todas as sofisticações de que se possa ter notícia, para muitos, falar destas coisas torna-se objeto da mais distante ficção científica própria dos romances de Júlio Verne.

Na época em que se desenvolvem com extrema rapidez as comunicações integradas ao computador (através dos modems), muitos sequer têm um telefone. Do modo como caminha a sociedade contemporânea, este distanciamento, ou a ‘seleção’ dos escolhidos, está fadada a se agravar com o passar dos anos (ou, se considerada a velocidade das mudanças a que se submete o mundo hoje, com o passar de meses, dias, ou até horas).

Muito se fala, em economias e sociedades globais, acarretando a idealização de um cidadão global, o indivíduo cosmopolita e global ao mesmo tempo. Mas uma análise sobre a existência de um cidadão do mundo e ao mesmo tempo local faz-se muito complicada diante da diluição das culturas regionais, diante da transculturação.

Sem dúvida existem dois aspectos antagônicos sobre este processo de transculturação, que, por um lado, trata do surgimento de uma nova qualidade de cultura, uma cultura que ao mesmo tempo é global e local, uma cultura que se mundializa sem o prejuízo das peculiaridades das localidades. E sta talvez possa ser chamada de ‘a visão positiva da cultura global’, uma legítima transculturação, no sentido literal da palavra.

Entretanto, por outro lado, vemos um processo altamente acelerado e violento de ocidentalização do mundo, de exacerbação da cultura capitalista, sem considerações com qualquer traço específico regional, analogamente ao processo das grandes descobertas e das grandes navegações onde culturas e civilizações inteiras foram dizimadas (completamente substituídas) pela cultura européia dos séculos XV e XVI. A diferença é que a violência física hoje em dia se disfarça, ao preço de uma substituição das culturas, pela imposição das culturas dominantes através da alteração dos valores locais. H á uma modificação da violência predominantemente física, para um ‘estupro’ psicológico (em muitos casos, sem exagero do termo).

Mais do que dois pontos de vista sobre o processo de transculturação, estas duas maneiras de enxergar o horizonte sócio-cultural da globalização na verdade apresentam-se como duas realidades, onde ambos os casos podem ser observados, dependendo da escala e do local analisados.

Da mesma forma, fica difícil discutir os aspectos sócio-culturais sem que se pense na categoria espaço. O espaço está intimamente ligado ao social e, consequentemente, ao cultural. Assim, desenhando-se novas relações entre as diferentes sociedades e culturas, redefinem-se também várias das relações espaciais, principalmente na escala do global. Por isso, damos lugar a estas discussões no próximo item, que muitas vezes se confunde com este próprio em algumas dimensões sócio-culturais da globalização.