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Transformações nas formas de produção da sociedade contemporânea

SOCIAL-DEMOCRACIA A velha esquerda

3.3 O movimento do espaço: totalidade e totalização

Nesse processo incessante de atualização e de modificação do espaço e dessa dinâmica inerente ao próprio conceito espacial, surgem outros dois conceitos muito importantes para explicar estas qualidades: totalidade e totalização.

A noção de totalidade é fundamental para a análise da realidade. Todas as coisas do universo formam uma unidade, e o espaço não difere desta característica. Cada coisa nada mais é que uma parte do todo, da unidade, mas quando falamos em totalidade, não estamos querendo dizer uma simples soma das partes.

A totalidade é muito mais que isso. E la explica as partes, ela dá sentido a cada uma de suas partes. Porém o conhecimento deste todo pressupõe sua divisão (claro que sem esquecer da unidade final) e o entendimento de suas partes.

U ma das maneiras de se efetuar esta divisão para o entendimento do todo seria a distinção entre a totalidade e os fenômenos de totalização, uma idéia atribuída ao filósofo francês J. P. Sartre, caracterizando a totalidade como resultado e a totalização como o processo.

A noção de totalização tem muita relação com a idéia de flecha do tempo, pois as totalizações são as formas pelas quais a flecha do tempo se realiza no espaço. Sartre já dizia que a “Totalidade está sempre em movimento, num incessante processo de totalização.” (SAR TR E, 1968 apud SANTOS, 1997b)

Assim, a paisagem e a configuração territorial nos mostram a totalização já realizada, perfeita; enquanto isso, o espaço nos mostra a totalização que está se fazendo.

A totalização é responsável pela atualização do espaço, por modificar os velhos objetos, atribuir a eles novos conteúdos ao mesmo tempo em que cria outros novos objetos para novas funções. A totalização, através da flecha do tempo, faz do espaço, em um dado momento, um outro espaço num momento seguinte, modificando com isso a totalidade.

Assim, quando dizemos que cada lugar do planeta possui ao mesmo tempo qualidades específicas e exprimem a totalidade, podemos compará-lo ao Aleph do escritor argentino Jorge Luis Borges, uma pequena esfera de onde se pode observar todos os lugares do mundo ao mesmo tempo e de todos os ângulos. Assim é o lugar que, apesar de suas particularidades, transmite a totalidade do espaço global.

“Desci secretamente, rolei pela escada proibida, caí. Ao abrir os olhos, vi o Aleph.

– O Aleph? – perguntei.

– Sim, o lugar onde estão, sem se confundirem, todos os lugares do mundo, vistos de todos os ângulos.” (BOR GE S, 1972)

3.4 O espaço e as estruturas urbanas e regionais{ XE "3.3.4.2. As estruturas urbanas e regionais segundo as relações Espaço & Capital" }

As distinções locais e regionais sempre vão existir pois fazem parte da essência espacial. Mas atualmente, as mudanças tecnológicas têm tido uma parcela muito grande de responsabilidade pelas variações urbanas e regionais, isto é, têm influenciado novas hierarquias urbanas. Isso quer dizer que as disparidades regionais são cada vez menos presididas pelo aproveitamento direto das condições naturais, e cada vez mais pelas possibilidades de aplicação da ciência e da técnica à produção e à circulação em geral.

A palavra circulação carrega hoje uma condição diferente. A circulação de informações se dá entre as cidades e dentro das próprias cidades de forma muito valorizada e responde por grandes parcelas da circulação de produtos, isto é, a circulação de informações se ainda não é mais importante que a circulação de produtos, já é responsável e fundamental para que esta ocorra. Enquanto que antes desse período de valorização excessiva da informação e da velocidade desta informação, as cidades e regiões representavam ao mesmo tempo e de forma associada espaço de produção, circulação, distribuição e consumo, hoje, com a expansão dos mercados e a possibilidade de se trocar cada vez mais informações entre pontos cada vez mais distantes do planeta (o que poderíamos até chamar de ‘desprendimento territorial da economia’ graças a profundos avanços nas

tecnologias de comunicação), houve uma desarticulação entre produção/consumo e circulação/distribuição. A cidade, a região, ou simplesmente uma porção territorial, se articula com outras porções, cada qual com o seu potencial produtivo, para proporcionar novamente a associação entre produção, circulação, distribuição e consumo.

O que essa relativa desarticulação nos mostra é a profunda dominação que algumas regiões exercem sobre outras, pois têm o poder de decisão sobre o que irão produzir, onde produzir, quem irá consumir, e a que custos isso vai se dar. Essa ‘dependência’ de algumas regiões por outras tem as suas condicionantes, das quais podemos destacar duas.

Primeiramente, algumas razões históricas em que dificilmente vemos alterações nas relações entre dominador e dominado. Como exemplo disso, podemos citar o caso brasileiro que, segundo Csaba D eák em acum ulação entravada no Brasil e a crise dos anos 80, passa por um processo de

acumulação entravada (D EÁK, 1991), onde uma elite no poder, desde sua formação como Estado independente, faz com que a situação do Brasil em termos de desenvolvimento assemelhe-se a uma colônia de outros países mais desenvolvidos. E o que notamos, quando analisamos alguns episódios da história de algumas cidades ou do próprio país como um todo, é que essa elite está sempre se ajustando política e economicamente para que a situação de ‘colônia’ permaneça inalterada.

A outra condicionante para essas situações de dependência destacada, está em concordância com a primeira no sentido de que uma complementa a outra. É o fato de que alguns países ou regiões do planeta são detentores absolutos do conhecimento científico de uma maneira geral (essa condicionante se articula com a primeira porque as razões históricas ditam

através de vários acontecimentos, principalmente, a vontade de uns poucos em manter o status quo).

O poder técnico-científico dá autonomia às regiões e cidades que o detêm. Isto é, existe uma desigualdade global quanto ao caráter técnico-científico- informacional.

Isso causa o aparecimento de diferentes configurações espaciais segundo o grau de desenvolvimento econômico, político e técnico-científico de determinadas localidades, seja em escala regional, nacional ou mundial. É o que SANTOS (1994) classifica como zonas luminosas e zonas opacas. As primeiras são as que apresentam alto grau de desenvolvimento e se articulam facilmente com outras zonas em nível global. Já as zonas opacas são lugares onde o desenvolvimento e a própria comunicação com outras regiões é dificultado. Santos coloca que existem ainda certas zonas intermediárias, cujo desenvolvimento é variado dependendo das articulações da sociedade em questão.

A respeito dessas relações de dominação entre regiões, existem outros dois conceitos que tratam do nível delas. São chamados horizontalidades e verticalidades (SANTOS, 1994). Podemos analisar estes dois conceitos em diferentes escalas. Mas de modo geral, as horizontalidades caracterizam-se pelas relações em nível local mais próximo, sem grandes modelos de dominação, acontecendo mais nas articulações. Já as verticalidades tratam de relações de dominação e influência em nível regional ou global.

Como exemplo, podemos citar a cidade de São Paulo, que se relaciona horizontalmente com cidades como Campinas, R io de Janeiro, mas mantém uma relação de verticalidade com cidades globais como Londres ou Nova York. Podemos até dizer que muito do que acontece em São Paulo e no país depende mais de cidades como estas, ‘capitais globais’, do que das próprias

relações locais, ou seja, em certos casos, depende mais das relações de verticalidade do que das relações horizontais locais ou regionais.

Assim, percebemos que há uma estruturação do espaço em um nível urbano e regional, convidando os lugares a participar da integração do meio técnico-científico-informacional. Vem desta integração a idéia de que existem alguns locais onde a tecnologia participa ativamente de sua própria organização, nos levando à noção de regiões dinâmicas em inovação, de cidades da inteligência e de espaços inteligentes que veremos a seguir.

PARTE III