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CAPÍTULO II – O FEDERALISMO

2.1. Algumas perspectivas sobre o Federalismo

Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, o Brasil possui um sistema federativo indissolúvel: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...” (BRASIL, 1988). A ideia de federalismo é amplamente estudada pelo meio acadêmico, trazendo várias formas de interpretar e identificar sistemas de organização da estrutura de um estado. Antes de estudarmos as vertentes acadêmicas para a definição de federalismo e o que seria um estado federativo, analisaremos o texto constitucional brasileiro de 1988, que contém os parâmetros para definirmos o que se entende por República Federativa dentro do contexto no qual foi constituída. No mesmo texto constitucional, também estão as definições e responsabilidades dos entes que compõem o Estado brasileiro, além da distribuição dos entes federados. Esta distribuição deve ser de

maneira que todo o território do país seja governado por níveis de governo diferentes, que, no caso brasileiro, são: o governo Municipal, sendo a esfera de governo restrita a uma determinada região; o governo estadual, que são os governos que regem regiões formadas por vários governos municipais; e um governo nacional, que intermedia todos os entes federados dentro do território nacional. Essa divisão é feita de modo que todo território esteja governado pelas três esferas governamentais, ou seja, o país esteja sob a jurisdição de 3 governos, de esferas diferentes, simultaneamente (municípios, estado e união).

A Constituição Federal de 1988 estipulou os deveres, direitos e a autonomia que cada um desses governos pode atuar. O Regime de Colaboração surge como prática dentro das políticas educacionais para a atuação conjunta de governos diferentes, tanto governos de mesmo nível (municípios com municípios), quanto governos de níveis diferentes (municípios com estados, por exemplo). Por isso, é de grande importância olhar para a Constituição de um país que se organiza de forma federalista para se entender o significado de federalismo dentro daquele país.

Antes de analisar o federalismo dentro da Constituição Federal brasileira, deve-se conhecer outras definições do para o termo. Quando se olha a etimologia da palavra, Rios (2010) afirma que o federalismo é um sistema de governo baseado em pactos, alianças e associações, que, de certa maneira, se baseiam na horizontalidade. Logo, o federalismo consistirá basicamente nos pactos realizados entre os entes federados em seus vários níveis e nas associações entre os entes federados, que podem ser tanto na horizontalidade (entes federados de mesmo nível – associações entre municípios diferentes, entre estados diferentes) quanto na verticalidade (entes federados de níveis diferentes – associações entre um município e um estado, entre um estado e o governo central).

Encontrar uma definição sobre o que é federalismo não é uma tarefa fácil, visto que é um termo muito usado para a definição do sistema de organização política ou de parcerias entre governos. Como há diversas aplicações destas ideias de divisão, acaba-se criando vários modelos de federalismo e, assim, inúmeras definições teóricas sobre o termo. Conforme afirma Rocha (2011):

As teorias, apesar de concordarem sobre alguns de seus traços característicos básicos, acabam enfatizando aspectos diferentes do fenômeno e, portanto, fornecem a mesma denominação para casos significativamente diferenciados. Como exemplo do grau de dificuldade envolvido nessa definição conceitual, Stewart listou 419 concepções diferentes para o termo. (ROCHA, 2011, p. 324).

Depois de estudar algumas das definições de federalismo, torna-se mais simples verificar qual é a que foi adotada no sistema federalista vigente no Brasil. Segundo Oliveira (2010), a visão de William Anderson sobre o federalismo é que este é o sistema de organização política, no qual se defende ou estabelece um governo central e governos regionais autônomos e se distribui as funções de governo entre eles, atribuindo um conjunto de deveres e tarefas para cada governo, além de criar um mecanismo para a solução dos conflitos e disputas que podem surgir entre os governos de mesmo nível ou diferentes. Em outra definição, temos um pouco mais de clareza e aprofundamento nos diversos modelos de federalismo que podem ser encontrados nas estruturações dos estados:

Federalismo é o sistema político (e os princípios fundamentais desse sistema) que: a) defende ou estabelece um governo central para todo o país e determinados governos regionais autônomos (estados, províncias, Länder, cantões) para as demais unidades territoriais; b) distribui os poderes e as funções de governo entre os governos central e regionais; c) atribui às unidades regionais um conjunto de direitos e deveres; d) autoriza os governos de ambos os níveis a legislar, tributar e agir diretamente sobre o povo, e e) fornece vários mecanismos e procedimentos para a resolução dos conflitos e disputas entre os governos central e regionais, bem como entre duas ou mais unidades regionais. (FGV, 1987, p. 471 apud OLIVEIRA, 2010).

Segundo Rios (2010), na perspectiva de William Riker, “o federalismo constitui- se numa organização política em que as atribuições do governo são divididas em níveis governamentais (governo regional e governo central), em que cada um tem atividades que devem ser administradas autonomamente” (RIOS, 2010, p. 163). Sendo assim, a base para o federalismo é a autonomia das unidades governamentais e a união das mesmas, que devem ter capacidade de organização para formar e manter a estrutura governamental e um governo central, de maneira a não fracionar os entes federativos em governos desconexos.

Ainda falando sobre a teoria de William Riker, Franzese (2010) traz a seguinte definição:

Como se pode ver, a ênfase do autor está na barganha inicial entre as unidades que decidem formar uma federação e na descentralização dos partidos políticos, sendo esta última característica fundamental para frear a progressiva tendência de centralização nas federações. Detendo-se em poucos aspectos, Riker aspirava criar uma definição minimalista de federalismo, que pudesse abarcar um número maior de países. (FRANZESE, 2010, p. 27).

Outro ponto importante sobre a teoria de federalismo de William Riker, conforme afirma Franzese (2010), é a relação entre o federalismo e o resultado das políticas públicas. Franzese ainda afirma que, para Riker, basta verificar a semelhança entre as políticas públicas produzidas em países onde o governo é centralizado, ou unificado em um governo central, os estados unitários, e os países que adotam o federalismo ao longo do século XX. Comparando tais nações, não se vê grande diferença nos resultados.

De forma semelhante, Rios (2014) afirma que, na teoria de Arend Lijphart, o federalismo é definido como uma forma de organização na qual o poder é dividido entre níveis de governo: “Pode ser considerado o método mais típico e drástico da divisão do poder: ele divide entre níveis inteiros do governo” (LIJPHART, 2003, p. 213 apud RIOS, 2014, p. 163). Os entes federados se organizam de maneira a terem níveis diferentes de governo e câmaras legislativas diferentes (como exemplo, temos o governo: municipal com as prefeituras, o Estadual e o Federal, tendo cada governo a sua câmara legislativa), preservando o exercício do poder em cada nível de governo. Não obstante isso, na perspectiva destes autores, há a necessidade da preservação do pacto federativo, que define uma divisão básica do poder entre os entes federativos que se tornam membros deste pacto, daí a necessidade das várias câmaras legislativas.

Conforme afirma Rios (2014), os autores colocam o federalismo também como uma estrutura que não divide o governo por níveis, mas mantém a isonomia e a equiparidade entre os entes federados. Divide o poder igualmente entre todos os entes federados de maneira que o governo central não fique fortalecido ou que um dos entes federados tenha mais poder de governo do que outro, principalmente, quando se tratam de entes federados que estejam em um mesmo nível.

Rios (2014) resume o federalismo nos pontos tocantes à política na seguinte vertente:

A divisão do Poder entre os estados membros do pacto, poder que emerge a partir da legitimação política dos seus entes federados, representado pelo voto direto e pelo consenso em administrar os conflitos em diferentes níveis escalares, pois a legitimidade do pacto é fundada na base do indivíduo humano, que forma o município, que configura o estado, que se une ao Poder Federal, formando um Estado composto por menores unidades dotadas de autonomia em consonância com a Carta Magna do país. (RIOS, 2014, p. 164).

Outro panorama das teorias sobre o federalismo que também pode ser utilizado para entender o caso brasileiro é apresentado no trabalho de Franzese (2010), sendo o federalismo como a descentralização das instituições políticas e das atividades econômicas; federalismo e democracia; federações e federalismos; federalismo como pacto.

Segundo Franzese (2010), o Federalismo como descentralização das instituições políticas e das atividades econômicas “é visto como um sistema no qual as atividades políticas e econômicas são regionalmente descentralizadas dentro de um mesmo território nacional” (FRANZESE, 2010, p. 27). O poder de barganha, neste caso, encontra-se na força com que cada ente federado, cada parte da divisão que forma o estado, possuirá nos momentos de grandes decisões para o estado como um todo. Mesmo que se divida o estado geograficamente, ainda há questões que são decididas em câmaras conjuntas, nas quais cada ente possuirá a sua representação.

Enquanto a abordagem denominada federalismo e democracia analisa a importância da democracia (que, neste contexto, se resume na capacidade de expressar posições e no poder de barganha dado a cada ente federado) dentro dos sistemas federativos. Nesta abordagem, a constituição é o documento que garante e estabelece os parâmetros para tal barganha entre os entes federados, não permitindo que haja privilégios ou deliberações aleatórias do governo central a fim de prejudicar ou privilegiar algum ente federado em específico. Qualquer modificação desse documento necessitará de uma emenda constitucional que deverá ser aprovada em câmaras legislativas.

Uma federação consiste em um estado pulverizado em estados menores que possuem certa independência nas suas decisões e ações, formando um comum acordo que será mantido através de algum tratado, no qual as partes que formam a nação/o estado manterão um propósito comum e salvaguardarão seus direitos. Por isso, o federalismo faz sentido dentro do entendimento de uma federação.

Na abordagem sobre federalismo e federações, Franzese (2010) expõe que a federalismo é condição para a existência da federação. Entende-se federação como sendo um tipo peculiar de organização no qual existam um governo central e governos subnacionais conjuntamente; e o federalismo como um reconhecimento empírico à diversidade no contexto social, econômico, cultural e político. Não há como existir uma federação sem uma configuração federalista na estruturação do estado. Logo:

A relação entre federalismo e federação se dá de uma forma que o primeiro é condição para a existência do segundo. Isto é, não há federação sem a pré- configuração de uma variedade de federalismo, ou seja, sem algum grau relevante de diversidade que adquira visibilidade política. Por outro lado, é possível a existência de países não federativos nos quais se verifique uma situação de federalismo, gerando, na maioria dos casos, uma série de conflitos internos. (FRANZESE, 2010, p. 32).

Pode haver, entretanto, uma estrutura federalista em um estado que não resulte em uma federação. Dentro desta abordagem, é interessante ressaltar que o federalismo pode abranger minorias e as diversidades que podem existir na composição de um estado, dando, assim, a formação plena de uma democracia.

Araújo (2013) alerta que é um grande erro considerar federalismo como sinônimo de federação e descentralização de poder ou democratização, pois a forma da relação entre os entes federados e a relação entre os governos subnacionais e o governo central é que, segundo Araújo (2013), irão tipificar o modo de atuação do Estado no que se refere à definição de políticas públicas, “segundo um perfil centralizador, não centralizadora ou descentralizador” (ARAÚJO, 2013, p. 789).

As abordagens sobre federalismo e federação, e federalismo e democracia possuem um viés que as unem em torno do princípio de um estado mais abrangente e democrático. Com os acordos estipulados pela Constituição, um estado pode abranger as diversidades e manter o equilíbrio entre os entes federados, respeitando as diversidades existentes em seu território. Este pode ser considerado um princípio na formação estrutural de uma Federação. Conforme afirma Franzese (2010):

Nesse sentido, as democracias federativas devem conciliar o princípio da maioria, característico do ideal democrático, com valor do respeito às diversidades, constitutivo dos federalismos. (FRANZESE, 2010, p. 32).

O acordo criado dentro da Constituição é a formalização da ideia de um pacto entre os entes federados. Segundo Franzese (2010), alguns autores abordam o federalismo baseado nesta ideia. Nesta abordagem, tal pacto é “uma espécie de acordo de confiança estabelecido entre os entes federativos, baseado no mútuo reconhecimento, tolerância e respeito entre as partes” (FRANZESE, 2010, p. 33). Nesta relação entre os entes federados, pode-se criar a coexistência de diferentes centros de poder, sem a necessidade de uma hierarquia entre eles. Segundo Franzese (2010), quando uma federação surge de um acordo desta natureza, é muito comum que haja vários centros de poder a fim de equilibrar a

negociação no momento da criação da federação ou da estruturação do regime federalista a ser adotado, dando, assim, maior equilíbrio entre os entes federados. A constituição surge para garantir a manutenção desse pacto e manter a federação.

Por fim, das muitas definições para o federalismo que encontramos, todas possuem um viés democrático. Esta democracia se entende por dar poder de decisão e participação às regiões/populações que farão parte do governo central, um governo maior que englobe todas estas regiões em torno de um ideal para a formação de uma nação/estado.

As teorias apresentadas podem ser resumidas pelos pontos em comum que apresentam, e, assim, de forma bastante simplificada, pode-se definir que o federalismo consiste na organização do estado de maneira que haja autonomia de decisão para cada ente federado. Deve-se manter uma estrutura dividida em subníveis de governo que não fortaleça a centralização do poder em torno de um governo nacional ou a predominância de poder do governo de um ente federado sobre outros, estando-os no mesmo nível. Esta característica mantém a isonomia do poder e a equiparidade entre os entes federados. Deste modo, a base central do federalismo é a capacidade de organização de unidades menores de governo que pactuam um conjunto de normas, o que torna possível a existência de um governo central, que representa um ajuntamento entre os seus componentes, de forma que cada participante do pacto tenha autoridade para realizar ações independentes uns dos outros, sem ferir o princípio da constitucionalidade estabelecida.

Em se tratando do tema principal dessa pesquisa, o Regime de Colaboração, é interessante ressaltar a necessidade de autonomia dos entes federados para que o Regime de Colaboração tenha sentido em existir. Em um federalismo centralizado e com pouca autonomia aos entes federados, não há por que se falar de uma estrutura na qual os entes possam se organizar de maneira colaborativa. Conforme afirma Hentz (2014), somente pode existir um sistema colaborativo se houver autonomia aos entes federados envolvidos. Em outras palavras, quando a Constituição cria a figura do sistema de educação municipal, o município, deve ser tratado como ente federado, tendo autonomia suficiente para que o Regime de Colaboração faça sentido: “No que se refere ao Regime de Colaboração, embora óbvio, não é demais frisar que ele somente é possível em havendo Entes Federados autônomos que possam estabelecer esse regime nas suas relações” (HENTZ, 2014, p. 137).

Ao se analisar a Constituição brasileira de 1988, constituição vigente no período em que o Regime de Colaboração foi analisado nos artigos publicados na Plataforma

Periódicos Capes, vê-se que ela se torna o documento que legitima o pacto entre os entes federados que compõem o Estado brasileiro. O governo central do Estado brasileiro é o que se denomina “União” ou Governo Federal, na Constituição Federal de 1988, este governo central administra as regiões formadas pelos governos dos estados e o Distrito Federal, conjuntamente com os municípios. Em outras palavras, os governos estaduais e municipais são os governos subnacionais que compõem o sistema federativo brasileiro. Conforme pode ser lido no primeiro artigo da Constituição Federal de 1988: “República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” (BRASIL, 1988). A Constituição Federal de 1988 é o atual documento que regulamenta o pacto federativo existente entre os entes federados que compõem a Federação do Brasil, definindo a área de atuação e a autonomia de cada ente federado, as instâncias de representatividade e barganha entre os entes federados, e como estes entes poderão e/ou deverão atuar em conjunto. No quesito da normatização da atuação em conjunto dos entes federados, temos, como exemplo, o foco principal desta pesquisa, o Regime de Colaboração.