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4g Algumas questões para pensar as metodologias de avaliação As entrevistas trouxeram duas questões de muito relevo que devem ser in-

dicadas. A primeira é que existem dilemas relacionados às carreiras que têm impacto imediato nas políticas de pessoal e, por conseguinte, nos certames. A alta rotatividade também está relacionada com questões remuneratórias e de

progressão na carreira. A experiência francesa da seleção interna7 demonstra

a necessidade de possibilitar certa mobilidade ao servidor como um modo de estímulo ao seu crescimento, em paralelo à sua qualificação. A defasagem das definições legais sobre as carreiras também pesam negativamente na realiza- ção dos certames, já que engessam os perfis para as vagas que são ofertadas:

Primeira coisa, aqui, seria que eu tivesse uma carreira ade- quada. Eu não tenho, eu tenho que lidar com essa carreira. Mas que, mesmo nessa carreira, a gente tivesse uma atualização nela. Isso ia me ajudar a construir um perfil melhor em concurso. (INSS) O segundo grande tema, derivado dos estudos de caso, está adstrito às metodologias de avaliação aplicadas aos certames. Esse tema também se im- brica com a difícil relação entre as entidades contratadas para gerir o certame (logística, confecção das provas etc.) e as necessidades dos órgãos. Como in- dicado no início do estudo de caso, há uma evidente tensão estrutural tripartite entre: os órgãos federais; as entidades organizadoras e o MP. Há certo consen- so de que as provas deveriam melhorar em termos de sua substância e mesmo de forma. Todavia, a questão central é quem deve ser o ator preponderante a tal alteração. Os órgãos — na visão reiterada das entrevistas — consideram que o Ministério do Planejamento deveria ser o indutor de tal solução:

E eu acho que a gente tinha que ter um... Eu acho que não é nem um problema nosso... O ideal é que não se tenha essas provas tão... Essas provas de concurso público, da forma que são, favorecem quem estuda e não quem tem alguma prática. O ideal é você receber gente que tem um mínimo de prática de trabalho. Eu não sei de que forma o Ministério do Planejamento poderia atuar para ajudar os órgãos a construir um tipo de prova que fa-

7 Que nada tem a ver com o nosso recente “concurso interno”, como se verá no capítulo se- guinte.

voreça quem tem mais experiência e não só quem tem a teoria. Realmente eu não sei como seria. Mas isso ajudaria. (MS)

Já os servidores do MP consideram que este problema de substância está diretamente ligado à falta de demanda qualificada dos órgãos em prol dos seus perfis de vagas:

Eu acho que o problema é que essas empresas trabalham com grande volume de prestação de serviços. Então, elas têm seu

modus operandi. Se a Administração não solicitar nada, eles vão

dar o pacote deles. Isto existe em qualquer lugar. Eles também estão fazendo trabalho profissionalizado dentro do que for mais fácil para fazerem bem feito; mas dentro do que já tem pronto. Então, eu acho que a questão é o nível de exigência do próprio órgão. Ele tem que saber demandar e saber cobrar. Eu acho que, no final das contas, a decisão de quais os tipos de provas que vão ser utilizadas. Por exemplo, se vai ser prova objetiva, se nos títu- los eu vou avaliar mais experiência ou mais formação acadêmica. Esta decisão é do órgão. A empresa simplesmente está cumprin- do um contrato. A empresa elabora, mas quem decide qual vai ser a prova é o órgão. Por exemplo, eu quero um concurso para tal cargo. Eu digo que quero uma prova de economia, de políticas públicas etc. Eu quero que você foque mais nisto ou naquilo. Eu quero esse conteúdo programático. Dentro do nível de avaliação também. Ele pode demandar questões práticas conceituais e não questões teóricas acadêmicas. Mas, se o órgão não demandar, o contratado faz do seu jeito. (MP)

Esta alternativa possui um problema. Por certo, nem todos os órgãos es- tão capacitados para cobrar as empresas em termos de substância. Existe bai- xo controle em termos deste tema. Como visualizado nas provas anteriormen- te, o certame do INSS buscou a aferição — por meio de questões de múltipla escolha — de habilidades ao atendimento ao público. Tal tentativa demonstrou três problemas. O primeiro foi que as questões acabam sendo uma mistura de aferição de definições técnicas com bom senso. O segundo — e mais grave — é que o tema não constava do programa do certame, ou seja, tal metodologia dificulta a preparação dos candidatos para a potencial aferição. O terceiro é intrínseco — e também perceptível nas provas de informática — à metodologia: como avaliar “fazeres” por meio de perguntas de múltipla escolha? Se as ques- tões de múltipla escolha não devem ser descartadas como metodologia, por

ESTUDOS DE CASO DE DOIS CONCURSOS 109

um lado, há que se reconhecer que elas têm sido utilizadas de forma excessiva com a pretensão de avaliar competências que não são perceptíveis por tal me- todologia. Todavia, tal debate é difícil na atual prática enraizada do certame. A entrevista com servidores do MP demonstra a esperança de que provas de múltipla escolha — mais simples e baratas do ponto de vista logístico — sirvam em bom nível para aferir habilidades:

A gente acredita que habilidade não se mede simplesmen- te e somente com prova prática. Há como você direcionar, pelo menos, minimamente na prova. (...) Mais questões voltadas para a prática. Perguntas que tivessem mais a ver com a prática. Inclu- sive, na prova discursiva: estudo de caso. Foi mais neste sentido, fomos guiando. Mas, no caso, foi o CESPE da UnB que conduziu para que ficasse no modelo que atendesse melhor. A gente olha o programa e corta coisas. Enfim, é uma discussão e um trabalho árduo. Ele exige tempo e é por isto que há a proposta da criação de uma comissão. Isto exige tempo. (MP)

Como é um problema de complexa solução, bem se nota que a tensão estrutural se faz presente. Pelo discurso exposto, a solução metodológica para avaliação das habilidades práticas por meio de múltipla escolha virá — no en- tender dos servidores — das empresas organizadoras de certames. Ao que pa- rece, o tema está encapsulado em uma redoma dogmática de difícil ruptura. Não há solução jurídica (norma regulamentar, fiscalização contratual etc.) ao problema, infelizmente. O tema somente poderá ser deslindado por meio de mais pesquisas sobre sistemas avaliativos.

4h. Concurso público: seleção autocentrada ou etapa inicial da