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2 — oS concurSoS no BraSil: reviSão de literatura e metodologia

certame, buscando entender os aspectos legais e sociais envolvidos na consti- tuição dos editais dos certames.

A bibliografia produzida a respeito de certames da administração públi- ca revela de que maneira este tema vem sendo tratado pelos pesquisadores e ao mesmo tempo os objetos de interesses. Para facilitar a sistematização desses trabalhos, faremos uma separação entre os objetos de pesquisas e as metodologias adotadas pelas pesquisas encontradas de diferentes campos disciplinares.

Esta revisão está organizada sob dois critérios. O primeiro quanto ao obje- to de estudo. Esperávamos encontrar poucas referências acerca dos certames e, principalmente, dos editais. No entanto, já existem algumas pesquisas que se debruçaram sobre este tema, mas que constroem diferentemente seu obje- to de análise. O segundo critério é a perspectiva metodológica adotada pelas pesquisas. Neste quesito, surpreendeu-nos a multiplicidade de abordagens dos objetos de pesquisa relacionados aos certames.

Em relação aos objetos, podemos traçar uma linha cronológica dos dife- rentes momentos dos certames segundo a intervenção dos diferentes atores sociais. Do ponto de vista da administração pública, na qual observamos uma preparação para o certame que pode eventualmente contar com a contratação de uma entidade organizadora dos certames, a produção do edital, a realização do certame e, por fim, as etapas de contratação ou nomeação e posse dos can- didatos. Do ponto de vista dos candidatos, essa relação começa antes com a preparação para os certames, momento que articula o mercado de “cursinhos” preparatórios, as entidades organizadoras e as instituições públicas. O candi- dato se prepara e aguarda os editais para enfim prestar o certame e, eventual- mente, ser admitido pela instituição. Isto quer dizer que existem os candidatos reprovados, aprovados e os aprovados que foram nomeados e tomaram posse. Esta diferença é o que nutre o florescente e lucrativo mercado de “cursinhos” preparatórios.

Nestes percursos, as pesquisas procuraram compreender diferentes as- pectos. Já existe um número importante de teses, dissertações e artigos sobre certames dentre as seguintes disciplinas: administração, saúde, políticas públi- cas, sociologia, letras, educação, direito, psicologia, contabilidade e finanças.

Assim, os objetos se constroem em torno deste cenário. O que se destaca, no entanto, são os estudos sobre os candidatos. Algumas pesquisas se focali- zam no estudo do perfil dos candidatos e dos “concurseiros”. A dissertação de Carro (2007) se debruça sobre o perfil dos candidatos ao concurso de residên- cia médica no SUS. A autora o compara com outros certames para o mesmo cargo. Ela investigou as propriedades sociais dos candidatos como sexo, idade, escolha da especialidade, local de graduação, natureza jurídica da faculdade de

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graduação, bem como seu desempenho no Exame Nacional de Cursos — Pro- vão, presença e situação de habilitação no certame.

Outra pesquisa (Albrecht; Krawulsky: 2011) se concentra no que os autores chamam de “concurseiros”, retomando uma expressão utilizada por sites orien- tados para pessoas que fazem concursos (Douglas: 2013). Os autores analisam, além das propriedades sociais dos candidatos, as motivações dos estudantes de cursinhos e os tipos de certames que eles realizam. Eles buscam, ainda, compreender o investimento pessoal e econômico envolvido nas escolhas dos “concurseiros”.

Neste mesmo sentido, está orientada a pesquisa realizada por Amancio (2009), que investiga as propriedades sociais dos candidatos aprovados. Essa pesquisa teve por objetivo estudar as relações entre o certame, o processo de profissionalização e o perfil sociocultural dos aprovados no município de São Paulo para os cargos de professor adjunto (2004) e professor titular (2007), a organização da rede e da carreira docente desse município, e o perfil socio- cultural dos professores de história aprovados nos dois certames. A autora da dissertação conclui que o certame está no cerne do processo de profissiona- lização dos professores, sendo um importante instrumento da burocracia mo- derna para a seleção. Ela acrescenta uma reflexão interessante sobre o edital que descreve o profissional esperado pelo Estado.

O artigo de Puppo Luz e Silva (2008) pesquisa o papel desempenhado pe- los cursinhos preparatórios para concurso na formação de concepções sobre o mundo do trabalho. As autoras demonstram que “o fatigamento dos sujeitos provocado por essa lógica está promovendo um repensar da vida e suas cone- xões com o trabalho, bem como os modos de ser do trabalhador, fazendo com que algumas certezas estejam sendo repensadas e recolocadas.” (Puppo; Luz; Del; Silva: 2008, 287).

Uma das consequências apontadas pelas autoras está no sentido do “fra- casso escolar” para os alunos dos cursinhos. Elas explicam que:

A própria ideia de “fracasso escolar” está sendo reconfigurada e expandida para um alto grau de individualização e culpabiliza- ção. As formas de exercício deste poder-saber em andamento nes- tes “ambientes educacionais” estão atingindo patamares de insu- portabilidade para um provável e possível aparecimento de linhas de fuga. (Puppo; Luz; Del; Silva: 2008, 289)

Ainda em relação aos “concurseiros”, algumas pesquisas na área de le- tras investigaram as competências linguísticas dos professores e dos alunos na realização das provas de concursos, ressaltando as formas de se interpretar

os textos (Martino: 2008). Outra pesquisa similar é o artigo sobre as compe- tências cognitivas para a realização de certames na área de ciências contábeis (Santana Junior et al.: 2008). O artigo conclui que “a seleção dos novos conta- dores na administração pública federal não atende a esse papel mais abrangen- te requerido pelos desafios impostos pelo cenário econômico e tecnológico globalizado.” (Santana Junior et al.: 2008, 118).

Numa outra gama de pesquisas, temos estudos sobre o perfil dos funcio- nários públicos. A pesquisa de Castelar et al. (2010) investiga os fatores de sucesso nos certames por meio das pessoas aprovadas e que tomaram posse, ou seja, os funcionários públicos. Os pesquisadores afirmam, no artigo de eco- nomia aplicada, que:

a probabilidade de sucesso no concurso foi definida como função de um vetor de atributos socioeconômicos. Constatou-se que alta renda familiar, escolaridade acima do ensino médio, ser oriundo de região metropolitana, ter cursado o ensino médio em escola privada e ser jovem são fatores que contribuem para aumentar a chance de passar no concurso. Por outro lado, ter renda pessoal abaixo de dois salários mínimos e ser detentor apenas de esco- laridade de ensino médio contribui negativamente para aprova- ção no concurso. Constatou-se ainda que a variável ensino médio apresenta o maior efeito marginal em termos absolutos, o que dramatiza a situação dos candidatos de baixa escolaridade. (Cas- telar et al.: 2010, 92).

A pesquisa de Flauzino e Borges-Andrade (2008) investigou questões re- lacionadas às formas de solidariedade e da organização do trabalho nos seto- res de saúde, educação e segurança. O objetivo dos autores é o de descrever o comprometimento organizacional afetivo do servidor público brasileiro. A pesquisa de Rutkowsk (1998) também discute aspectos relacionados aos pro- blemas da gestão de funcionários públicos. Outro artigo se debruça sobre as transformações nas formas de gestão do funcionalismo público e seus reflexos nos funcionários públicos (Nunes: 2010; Paula: 2005 e Spilki; Tittoni: 2005).

Outros trabalhos versam sobre as instituições envolvidas no certame e as formas de acesso. A dissertação de Costa (2010) focou em editais para analisar a política de recrutamento e o modelo de concurso para professores do ensi- no fundamental do município de São Paulo entre 1983-96. O trabalho conclui que existe ineficiência na política de recrutamento, uma vez que os certames são realizados quase que exclusivamente com provas de questões de múltipla escolha. Ademais, aponta que falta transparência e neutralidade nos certames,

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em razão das diferenças e semelhanças entre os certames realizados nos go- vernos municipais entre 1983 e 1996.

A dissertação de Meirelles (2002) se debruça sobre os cursinhos prepara- tórios, indicando, em seu ponto de vista, uma “deformação” do ensino do direi- to, uma vez que estes espaços se constituiriam em espaços de disseminação de práticas profissionais corporativas. Já a dissertação de Vasconcelos (2006) procura demonstrar as modificações do modelo burocrático brasileiro através das normas jurídicas.

Outras pesquisas analisam as questões jurídicas dos certames e os aspec- tos legais envolvidos em suas diferentes etapas que culminam nas formas de controle judicial (Cunha: 1999; Machado Junior: 2006; Schirmer: 2001 e Sousa: 2011). Estas pesquisas buscam compreender a organização jurídica do certame.

Outras pesquisas entendem o concurso uma política pública de seleção. A pesquisa de Carneiro (2011) procura compreender a experiência da reestrutu- ração das carreiras exclusivas de Estado no Fisco da Bahia através do concurso público para esta carreira. Nesta mesma abordagem do certame, temos a pes- quisa de Costa (2010) sobre o recrutamento de professores do ensino funda- mental no município de São Paulo, já mencionada. Assim como a pesquisa de Gomes (1998) sobre as políticas de seleção de professores nos certames para professor da rede estadual paulista. Ainda relacionada à ideia de política pú- blica de seleção de funcionários públicos, temos a pesquisa de Oliveira (2006) sobre o ingresso de pessoas portadoras de deficiência. A pesquisa aponta que, desde 1989, a instituição da reserva de vagas ampliou o acesso das pessoas com deficiências nos certames em cargos e funções compatíveis com suas pa- tologias. Para a pesquisadora, isto evidencia uma contradição com o discurso oficial em vigor, que, ao mesmo tempo em que estabelece a igualdade a todos, cria políticas públicas alternativas para legitimar a desigualdade. A pesquisa conclui que as pessoas com deficiência percebem a escola como uma promes- sa de inclusão no mercado de trabalho. Ela aponta indícios de exclusão pelo sistema escolar e que as pessoas com deficiência não conseguem boas coloca- ções para ingresso imediato no serviço público.

Quando se trata de refletir sobre o evento do certame, ainda encontramos as pesquisas sobre as provas e a realização de questões (Descardeci: 1992), e sobre a seleção de professores durante o império num ponto de vista histórico (Mancini: 1999). Por fim, há uma pesquisa sobre as imagens do professor de língua portuguesa nos certames da grande São Paulo (Batista: 2011).

Deste modo, percebemos que as abordagens buscam focalizar momentos específicos da organização social dos certames. É interessante, por outro lado, identificar as abordagens das diferentes pesquisas.

Percebemos que há um grande interesse em refletir sobre os editais em termos jurídicos; tomá-lo como um instrumento jurídico de organização das etapas que o certame permite — do ponto de vista dos juristas — e refletir sobre as formas de controle judicial do certame (Carneiro: 2011; Cunha: 1999; Machado Junior: 2006; Meirelles: 2002; Oliveira: 2006; Schirmer: 2001; Sousa: 2011 e Vasconcelos: 2006). Ligado a isso, há uma análise das formas de sele- ção (por certame ou contratação) que demonstra a falta de explicitação de alguns elementos, como, por exemplo, itens e pontuações dos títulos; crité- rio para classificação nas provas; ênfase ou predominância de determinados autores, assuntos ou concepções; preponderância de determinados periódi- cos, livros ou legislações; vínculo da bibliografia solicitada com os cursinhos preparatórios (Costa: 2010). Apesar disso, essa abordagem reduz o edital à expressão de regras de organização sem imaginar o que elas representam em termos de construção social das expectativas dos diferentes atores sociais envolvidos no certame.

Outra abordagem sobre os certames é a análise das propriedades so- ciais dos “concurseiros” e dos funcionários públicos (Amancio: 2009 e Carro: 2007). Tais perspectivas servem-se também de entrevistas e questionários para apreender a realidade social e o perfil dos candidatos dos certames (Des- cardeci: 1992).

Existem algumas pesquisas na área das letras que se utilizam da análise de discurso sobre os editais (Batista: 2011) e a análise e coerência do discurso na perspectiva da linguística (Descardeci: 1992 e Martino: 2008). Essas abor- dagens consideram que o edital é uma forma de comunicação entre a adminis- tração pública e os candidatos. Portanto, o edital é capaz de expressar ideais e representações sobre a organização do certame.

Há uma pesquisa com uma abordagem histórica sobre os documentos que permitem reconstruir o certame para professores no império (Mancini: 1999), e outra sobre a tendência das habilidades requeridas nas provas por meio de estatísticas e da Taxonomia de Bloom (Santana Junior et al.: 2008).

Por fim, outro campo que se interessa pelo certame é a psicologia. Uma das pesquisas realizou uma clínica para atendimento de alunos de um cursi- nho preparatório (Puppo; Luz; Del; Silva: 2008); outra fez entrevistas e aplicou questionários a respeito da opção sobre o serviço público (Albrecht; Krawul- sky: 2011); e, ainda, foram analisadas as relações do trabalho entre servidores da justiça federal com a finalidade de compreender a implantação do sistema de qualidade total através de entrevistas (Puppo; Luz; Del; Silva: 2008).

As abordagens pretendem compreender como se operam as formas de controle e os efeitos sociais da organização do certame sobre as pessoas en- volvidas neste processo.

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