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As diretrizes apresentadas pelo PLS 74/2010 são um bom indicativo que, con- tudo, merece ser aperfeiçoado. Elencaremos a seguir, ponto a ponto, mudan- ças que consideramos de impacto profundo no sistema de recrutamento:

TAXA DE INSCRIÇÃO

É relevante fixar critérios para taxas de inscrição que não permitam a dis- torção indicada no Gráfico 1.a supra, ou seja, que concursos públicos para car- gos com menor remuneração prevista custem mais caro, percentualmente, do que outros. Mais ainda, é necessário que um processo claro de concessão de isenção de taxa seja estabelecido como padrão. Ainda que o ideal seja pen- sar um marco regulatório que extinguisse definitivamente a taxa de inscrição, como ocorre na França.

FORMA DE INSCRIÇÃO

É imperioso um marco normativo que estipule a inscrição via internet como a forma por excelência de inscrição em concursos públicos. Por motivos evidentes, recomendamos que seja facultado ao candidato a possibilidade de efetivação da sua inscrição em uma das agências dos Correios em formulário padronizado. Nossos dados já apontam para esta tendência.

CONDIÇÕES DE INSCRIÇÃO

Consideramos imperioso um marco normativo que vede expressamen- te a participação no certame dos candidatos que não apresentarem as con- dições exigidas no edital no momento da inscrição, e não no momento da posse. Igualmente, propomos um marco normativo que vede expressamente que o mesmo candidato se apresente para o mesmo certame mais do que três vezes. Ambas as medidas visariam a um incremento qualitativo na po- pulação de candidatos, concomitante a uma crucial diminuição quantitativa. A reconhecida prática do “concurso por experiência”, extremamente custosa para a administração pública, tende a diminuir drasticamente com ambas as medidas. Não ignoramos que as duas medidas propostas estão frontalmente contrárias aos entendimentos jurisprudenciais firmes e consolidados nos tri- bunais superiores. No caso da primeira, há a Súmula 266/STJ: “O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público”. No caso da segunda, a interpretação

acerca do “amplo acesso aos cargos, empregos e funções públicas”, previsto no art. 37, I, da Constituição Federal, transformou-se no “amplo acesso aos concursos públicos”. Todavia, esses dois casos se afiguram como excelentes exemplos de como a ideologia concurseira tem dominado os processos de recrutamento também na jurisprudência pátria. A reflexão que esta medida induz é a seguinte: não seria mais racional que o paradigma de candidatura fosse a expectativa de sucesso, baseado numa autoavaliação do candidato em termos de chances de sucesso?

HABILIDADES E COMPETÊNCIAS

Para além das atribuições, toda carreira do serviço público deve elabo- rar em sucinta ementa o rol de habilidades, aptidões e competências (e não conhecimentos ou atribuições) necessárias ao seu pleno exercício. Essas ha- bilidades devem, por força do marco normativo, (1) ser parte integrante do edital de abertura de todos os certames, sob pena de nulidade deles; e (2) ser a referência objetiva para a elaboração e correção das provas do certame. É fundamental inserir nos certames lógicas de seleção que emulem o ambiente escolar/universitário e também o ambiente profissional, público e privado. Isso não pode ser efetivado sem que o dogma concurseiro do domínio de um con-

teúdo programático seja superado objetivamente pela noção de habilidades

e competências. É evidente que a implicação disso será a reformulação dos tradicionais instrumentos de avaliação.

PROVAS DE MúLTIPLA ESCOLHA

Cremos imprescindível que o novo marco normativo proíba expressa- mente o uso de provas de múltipla escolha como instrumento de medição de performance no recrutamento de funcionários públicos. Provas dessa natureza possuem o condão de facilitar a correção e gerir os colossais contingentes de candidatos. Por outro lado, elas representam um elemento que contribui em muito para alimentar a ideologia concurseira: as habilidades necessárias para realizá-las em nada se assemelham às práticas de avaliação escolares/univer- sitárias, e muito menos às práticas profissionais inerentes ao cargo em disputa. Ou seja, o esforço de preparação, de organização e de realização prática de competências em torno das provas de múltipla escolha é integralmente inútil e inutilizável fora do contexto do certame. Admitimos a hipótese da manutenção dessa forma de avaliação, pelas evidentes vantagens de gestão de contingen- tes de candidatos, na forma de um teste de pré-seleção, muito diferente do que se pratica atualmente, pois tal teste deveria ser: (1) apenas eliminatório e (2) anterior ao certame em si; jamais sua etapa única.

APÊNDICE: UMA PROPOSTA DE MARCO LEGISLATIVO PARA O BRASIL 139

PROVAS DISCURSIVAS

É necessário um marco regulatório que determine a elaboração de provas discursivas em relativa emulação com as competências e habilidades espera- das do profissional que se quer recrutar. Mais próxima da forma acadêmica de avaliação de performance, todas devem compreender uma reação do candi- dato a um problema fictício mas apresentado em um formato de emulação da concretude, e não de sua hipótese. Por exemplo: uma prova escrita de direito constitucional da AGU, em vez das tradicionais questões curtas de solução de problemas hipotéticos, deveria consistir na leitura prévia de documentos, con- textualizando um problema, seguida da redação de um parecer ou de uma petição.

PROVAS PRÁTICAS

Inexistentes hoje — ou não detectadas na nossa coleta — elas devem, ao lado das provas discursivas, estar necessariamente presentes em todos os recrutamentos de funcionários públicos. Por provas práticas, entendemos a

emulação direta de uma competência ou habilidade necessária ao exercício do

cargo. Por exemplo: numa prova para técnico do INSS, seriam passados aos candidatos os dados de um segurado ficcional e lhes seria pedido para enqua- drar sua situação junto ao órgão, seus direitos de seguridade etc. Cremos que tal medida aproximaria as práticas de preparação para certames às necessida- des profissionais da administração pública.

BANCAS EXAMINADORAS

Os responsáveis pela reprodução de lógicas acadêmicas, burocráticas e profissionais no trabalho de elaboração e correção das provas são os membros da banca examinadora. Assim, o que os legitima para a tarefa é a pluralida- de profissional — acadêmica e burocrática — e a experiência. Nesse sentido, propomos que o novo marco normativo determine expressamente que 50% dos membros das bancas examinadoras sejam professores e/ou pesquisado- res EXTERNOS à carreira e em regime de dedicação exclusiva a atividades de ensino e/ou pesquisa, e que os outros 50% dos membros da banca sejam ser- vidores INTERNOS e experimentados na carreira. Recomendamos, igualmente, que todos os membros da banca tenham ao menos dez anos de efetivo exer- cício profissional (na carreira em questão ou no ensino/pesquisa), que após uma participação em banca lhes sejam imposta uma quarentena de ao menos 12 meses, e que os professores sejam preferencialmente recrutados no setor público, vinculando seus deveres funcionais de zelo às regras e princípios do certame. Recomendamos, ainda, que seja elevada à condição de infração ad- ministrativa estar envolvido, concomitantemente, em bancas examinadoras e

preparação de candidatos para certames. Esse conjunto de medidas visa a ga- rantir: (1) a pluralidade ideológica e corporativa, (2) o encontro de duas exper- tises — acadêmica e burocrática — no tocante às práticas de avaliação e (3) que não se reproduza a figura do avaliador profissional. Ser membro de banca é ex- tensão de uma competência externa ao concurso, e não um fim em si mesmo.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL INICIAL

Uma das medidas mais efetivas para transformar o serviço público brasi- leiro é a simbiose entre uma das fases do concurso, o estágio probatório e a formação inicial. Com isso, queremos que o estágio probatório se torne efetiva- mente um estágio e efetivamente probatório. Recomendamos, assim, que todo órgão da administração pública crie uma escola profissional focada na forma- ção inicial, que é ministrada como última fase do certame, mas que, ao mesmo tempo, uma vez confirmada a adequação entre as competências do candidato e as necessidades da administração, o efetive em definitivo no serviço público. Recomendamos, ainda, que, nos 36 meses de formação, 12 sejam dedicados ao aprendizado, através de aulas com futuros colegas mais experientes, e os outros 24 sejam efetivamente um estágio, em que o candidato já exercerá as atividades do cargo, porém sob a supervisão e tutoria de um futuro colega mais experiente. Consideramos, com certeza, a possibilidade de uma grande escola de Estado formar profissionais de diversos órgãos ou ministérios. O cerne de nossa proposta é esta adaptação da vida funcional, somada à obrigatoriedade de uma formação em uma instituição no seio do Estado. Tal proposta é base- ada no potencial incremento qualitativo que o serviço público poderia ganhar unificando seleção, formação inicial e estágio probatório, o que daria mais den- sidade para a carreira.

ORGANIZAÇÃO DOS CONCURSOS

Por derradeiro, recomendamos que o novo marco normativo determine a criação de uma empresa pública cuja atividade-fim seja exclusivamente a de gerir a logística dos processos de seleção por concurso no serviço público federal e confira a ela o monopólio sobre essa atividade no país. Recomenda- mos, igualmente, uma separação radical entre gestão logística e elaboração/ correção das provas dos certames. Assim, deve ser vedado que quadros dessa empresa pública atuem como membros de bancas examinadoras (vide propos- ta relativa à formação de bancas supra). Tal proposta visa a mitigar os efeitos mercadológicos encontrados hoje na oferta de serviços dessa natureza. É evi- dente que o importante é manter essa atividade no seio do Estado, devendo assumir um papel mais proativo no processo de formulação e definição das provas, por se tratar fundamentalmente de perfil do futuro servidor. Ativida-

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des-meio, como aplicação e gestão logística, estas, sim, poderiam ser terceiri- zadas. Nesse sentido, cada órgão poderia organizar sua seleção, como alguns já fazem. Do mesmo modo, outras formas institucionais podem ser pensadas em substituição à sugerida empresa pública.

Empresa de