• Nenhum resultado encontrado

5.1 O português brasileiro como referência

5.2.1 Algumas questões a serem tratadas

Consideramos que o PB Cantado é um recurso essencialmente interpretati- vo e que, por esta razão, dispõe de abertura suficiente para que o falante natural da variante brasileira do português possa se desviar de possíveis controvérsias ou in-

consistências. Entretanto, uma análise atual e sucinta do seu alfabeto e proposições aplicativas nos permite verificar a importância da reconsideração de algumas ques- tões.

Em linhas gerais podemos dizer que esta reconsideração e eventuais ajus- tes transpassa os diversos âmbitos compreendidos na tabela do PB Cantado: orto- gráficos, gramaticais, fonético-fonológicos e musicais. Apresentação de cada um destes âmbitos e a delimitação dos aspectos mais específicos que estariam implica- dos na proposição do PB Cantado foge ao escopo deste trabalho e pertence ao pro- pósito de uma pesquisa futura. Os tópicos que se seguem, entretanto, podem dar uma amostragem do conjunto de questões a serem reconsideradas.

Sendo assim, uma reconsideração dos princípios gerais do PB cantado po- deria esclarecer melhor:

• A questão do grau de detalhamento das transcrições fonéticas, que no âmbito das palavras e frases podem se estabelecer com um maior ou menor grau de aproxima- ção do nível intrassilábico, resultando em possibilidades diversas a serem adotadas conforme algum propósito (como vimos na figura 53);

• A natureza e as possibilidades interpretativas no entorno das questões mais con- troversas tais como aquelas que envolvem a proposição de determinadas variações históricas-regionais-socioculturais de pronúncia em detrimento de outras, e aquelas que se relacionam ainda a aspectos de ordem técnica-estética-interpretativa (tal co- mo o caso de [r] e [x], que já mencionamos);

• Os aspectos de ordem fonológica que afetam a articulação de um determinado pa- drão fonético em função do contexto (tal como o caso, também já mencionado, da pronúncia relativa à letra <s> em final de palavra);

• Os caminhos para o estabelecimento de relações entre PB Cantado e os padrões referenciais de pronúncia de outras línguas. Isso poderia colaborar com as perspec- tivas do falante natural do português brasileiro em relação às outras línguas e tam- bém o caminho inverso, facilitando o acesso do falante natural de outras línguas ao padrão do português brasileiro.

Quanto às soluções dadas a algumas articulações em específico (tais como a pronúncia das vogais átonas nas diversas posições silábicas; as variações de pro- núncia das consoantes vibrantes, laterais e oclusivas dentais) e algumas questões mais gerais (tais como a separação silábica, os encontros vocálicos e consonantais internos e externos às palavras e os processos de reestruturação de palavras e fra- ses), uma vez que correspondem a diversas possibilidades, aquelas que forem es- tabelecidas como padrão carecem de orientações mais consistentes e, se possível, teoricamente embasadas nos âmbitos linguístico e musical.

Dentre as soluções de articulação propostas pelo do PB Cantado, uma das que mais carecem de embasamento são as nasalizações. Além dos complexos as- pectos de ordem linguística incidem neste caso os aspectos especificamente relaci- onados ao canto, tais como as demandas de maior intensidade e duração destas vogais cantadas, em relação às suas ocorrências na fala.

Em alguns casos, sobretudo quanto à definição do acento tônico primário das palavras, o PB Cantado sugere a consulta a algum dicionário para a aquisição de informações complementares da tabela. Deixemos de lado o fato de que precisa- ríamos dispor de um dicionário perfeitamente compatível com a finalidade de orien- tação da dicção do PB aplicada ao canto ou que ao menos representasse os seus verbetes de maneira similar ao padrão de representação do PB Cantado, quanto ao uso do IPA. A sugestão do uso do dicionário como referência não poderia ser esten- dida facilmente a outros casos, de ordem contextual, tal como a questão da tonici- dade dos monossílabos.

Uma reconsideração importante poderia também ser feita em relação aos princípios do PB Cantado quanto às proposições sobre o uso do padrão como refe- rência para os indivíduos que não falam ou que não são falantes naturais do portu- guês brasileiro. O fato é que o falante natural de determinada língua tende natural- mente a realizar as articulações representadas pelos símbolos fonéticos conforme as características articulatórias mínimas (os traços acústicos/articulatórios) de sua língua natural. Como solução, além da reconsideração deste fato no âmbito dos princípios gerais do PB Cantado, sugerimos o estímulo à produção de orientações complementares ao PB Cantado para o atendimento das demandas específicas de cada público aos quais se aplica.

Pelas razões similares às que apresentamos acima, em relação às influên- cias do parâmetro fonético-articulatório da língua materna sobre as competências

articulatórias de segundas línguas, chamamos a atenção para a importância de uma reconsideração no âmbito dos princípios do PB Cantado, quanto às possibilidades do seu uso como um recurso mediador:

• Entre as competências articulatórias do português brasileiro falado e a extensão destas competências aos diversos modelos de canto;

• Entre as competências articulatórias cantadas do português brasileiro e a extensão destas à aquisição das competências articulatórias cantadas de outras línguas.

Enfim, consideramos que todos os casos que por alguma razão não pude- ram ser contemplados na publicação original do PB Cantado poderiam ser reconsi- derados a partir de uma nova investigação sobre o inventário fonético proposto, co- mo já observamos, a partir de referenciais teóricos nas grandes áreas da linguística e da música, com abertura às necessárias transdisciplinaridades.