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3. GESTÃO PT – 1997 a 2002 – ISOLAMENTO POLÍTICO

3.6 Algumas reflexões

É inegável que a gestão do PT, dentro do lapso temporal analisado neste capítulo, construiu e executou várias políticas públicas, especialmente nas áreas sociais como educação, saúde e moradia, que impactaram a cidade naquele momento. A reorganização financeira e administrativa da própria prefeitura refletiu sobremaneira na dinâmica da cidade: infraestrutura urbana em bairros periféricos, coleta de lixo, quebra do monopólio do transporte público urbano, realização de concurso público, regularização da folha de pagamento dos funcionários, bem como do pagamento dos fornecedores entre outras ações, deram credibilidade à gestão que conquistou o apoio da maioria da população.

O slogan “Governo Participativo” foi-se materializando na reestruturação de antigos conselhos e criação de novos, além da implementação do Orçamento Participativo e outros projetos que atingiram um número significativo da população de baixa renda e da zona rural. Tudo isso demarcou a diferença entre a gestão petista e os mandatários que outrora dominaram a cidade, além de propagar a imagem carismática de Guilherme Menezes como um gestor público competente e honesto.

Como evidencia Santos (2007, p. 203),

É evidente que essas ações governamentais, em uma realidade marcada por carências de serviços públicos e de participação, indicaram sobre os movimentos e as organizações populares, que, em certa medida, passaram a

71 Entrevista concedida por Date Sena, em 26 de junho de 2019. Date Sena é artista plástico com exposições

vivenciar uma forma de governar, diferente da utilizada pelos antigos chefes locais, e perceberam, por meio da implementação das políticas e dos programas, alguns resultados imediatos no cotidiano da cidade

Contudo, com base nas informações levantadas ao longo desse capítulo, esse olhar administrativo não chegou à cultura. Conforme as palavras de Ricardo Marques em entrevista, esse período de gestão PT se restringiu a uma política de eventos, tendo em vista que não haveria espaço no governo para se pensar em política cultural em virtude da situação caótica em que se encontrava o município.

Dadas as devidas particularidades das circunstâncias de cada cidade, experiências de outros gestores municipais de cultura que, a despeito de terem assumidos estruturas administrativas precárias, definiram suas diretrizes de trabalho e conseguiram construir, minimamente, as bases de uma política cultural eficaz e eficiente, pautada no diálogo com sua região, que objetivava identificar suas potencialidades e dificuldades para então elaborar seus passos, tudo isso nos leva a questionar essa justificativa72.

Apesar do estreito elo entre esquerda e cultura no Brasil, inclusive com presença de importantes nomes durante a criação do PT, em 1982, como Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Henfil, não se garantiu destaque ao tema políticas culturais na agenda da executiva nacional, pelo menos a princípio (RUBIM, 2016, p. 10). Isso demonstra a complexidade e o campo de luta dentro do próprio Partido dos Trabalhadores no tocante ao discurso e as práticas na área da cultura.

Em Vitória da Conquista, as ações da gestão petista confirmam a situação periférica da cultura na agenda política do governo, pois, ainda que atividades culturais tenham sido promovidas como meio de qualidade de vida nos programas e projetos da SMEC e da SEMDES, isso não significou que tenha havido ganhos de natureza propriamente cultural. Os próprios empecilhos colocados pelos responsáveis da Secretaria Municipal de Finanças do município, conforme as palavras de Gildelson Felício, para justificar a não efetivação de um fundo para a cultura, já sugerem a marginalização governamental em relação à área cultural, vez que outros fundos, a exemplo do Fundo Municipal do Meio Ambiente, foram institucionalizados e colocados em funcionamento.

A veiculação da cultura à prática de eventos e entretenimento, de forma majoritária, privou a administração de adotar uma política em que a cultura fosse tomada como uma das

72 Ver Hamilton José Barreto de Faria e Valmir de Souza (orgs.), Experiências de gestão cultural democrática,

chaves para um desenvolvimento humano e social, levando em consideração sua natureza crítica e reflexiva expressas tanto na produção artística, quanto na discussão e (re)construção do pensamento que dialogasse com a proposta de governo petista que estava sendo implantada em outras áreas institucionais.

Outra consequência desse posicionamento foi a ausência de maior aproximação, no sentido antropológico, com a própria cidade e do seu fazer artístico e cultural, com os modos de viver, as potencialidades criativas e diversificadas, os valores e conflitos, o manejo das identidades. Nas palavras de Alfons Martinell,

As políticas culturais locais fomentam a diversidade e a pluralidade, isto é, tanto possibilitam a convivência das mais diversas formas de expressão, a utilização de muitas linguagens expressivas, como também buscam a participação das minorias, de todos os setores da sociedade civil. Graças à proximidade da área de ação, as políticas culturais desenvolvidas nas cidades são capazes de fazer emergir essa diversidade ali escondida, marginalizada, que muitas vezes, não pode ser observada a partir de políticas mais distantes, centralizadas (MARTINELL, 2003, p. 98).

Ao mesmo tempo, a preocupação constante em valorizar de alguma forma as culturas populares – de maneira específica os reisados – dando-lhes visibilidade a pedido do próprio Guilherme Menezes, demonstra as contradições existentes no pensamento do governo advindo da carência de uma definição de cultura pelo próprio PT local, visto que a adoção de um determinado conceito de cultura delineia a extensão das políticas culturais adotadas por um governo. Neste caso, a escassez de critérios mais contundentes sobre como atuar diante das culturas populares, limitando sua “valorização e resgate” a apresentações no Natal da Cidade e apoio na confecção das roupas, demonstra que a gestão “não conseguiu escapar até então de uma camisa de força de um ideal de cultura que ele define mal, pensa pouco e que está disposto a colocar em dúvida até o mínimo de coesão social que conseguiu definir para a ideia de cultura” (ALVES, 1993, p. 95).

Interessante observar que nem mesmo a presença de muitos intelectuais da cidade advindos da UESB e que, naquele momento, compunham diversas secretarias e coordenações da prefeitura, foi capaz de trazer luz sobre uma inovação quanto ao conceito e as práticas nas políticas culturais na cidade, como ocorreu em alguns municípios brasileiros sob direção de grupos de esquerda, incluindo o PT. Tais municípios guiaram-se pelas referências internacionais, principalmente os estipulados na Conferência Mundial de Políticas Culturais (Mondiacult), realizada da cidade do México em 1982, promovida pela Unesco em que se preconizou a adesão de uma política cultural em conceito amplo de cultura que abarcasse, para

além das belas-artes e das letras, os modos de vida, os sistemas de valores, as tradições e as crenças, e, desta forma, buscaram desenvolver experiências até então inéditas em suas localidades.

No capítulo seguinte, analisar-se-á a situação da política de cultura entre o período de 2003 a 2006.