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2. CONQUISTA DO SERTÃO DA RESSACA

2.3 O Carlismo e os Novos Sujeitos Políticos de Vitória da Conquista

As eleições de 1962 no município de Vitória da Conquista foram marcadas pela polarização e acirramento dos ânimos entre os grupos dominantes, sendo José Fernandes Pedral

16 A Rio-Bahia começou a ser construído na década de 40 sob o governo de Getúlio Vargas, e só foi concluída em

Sampaio eleito como prefeito pelo PSD (Partido Social Democrático) com apoio do MTR (Movimento Trabalhador Renovador).

Pedral Sampaio era neto do coronel José Fernandes de Oliveira, o poderoso Coronel Gugé, também líder político por quase 20 anos. Mas, apesar de ser descendente do coronelismo, Pedral Sampaio e seu grupo político defendiam propostas reformistas que se distanciavam do mandonismo exclusivista familiar.

Sua campanha foi construída a partir de 1958 quando perdeu as eleições para o udenista Gerson Sales, e foi pautada na organização de sindicatos, de associações de bairros, na aproximação e envolvimento dos grêmios estudantis, com a aproximação da zona rural e dos grupos de assistência social. Ou seja, pela primeira vez, a sociedade era envolvida num debate político e com propostas de base para a cidade: esgotamento sanitário, luz elétrica, estradas – algo inédito para Vitória da Conquista.

O ex-prefeito Pedral Sampaio era favorável às reformas de base propostas pelo então presidente João Goulart e, conforme Santos,

tinha ligações com o governo federal, por intermédio do político baiano Waldir Pires, que era consultor geral da República. Tal relação possibilitou conseguir recursos destinados ao abastecimento de água no município, além de acelerar a conclusão das obras da BR 116, a rodovia Rio – Bahia, cuja inauguração aconteceu quando o então presidente visitou a cidade (SANTOS, 2007, p. 166).

Contrários às reformas de Jango, os antigos mandatários da cidade, representados nos grupos da UDN e do PTB, se uniram na Câmara de Vereadores contra o prefeito e seus representantes, e aproveitaram o desencadeamento do golpe de Estado no dia 31 de março de 1964, para enviarem ao governador do Estado, Lomanto Junior, uma lista contendo os nomes daqueles que eram contrários ao novo governo, entre eles, José Pedral Sampaio. Junto com várias personalidades da cidade ligadas ao então prefeito, Pedral Sampaio foi preso e teve seus direitos políticos cassados por dez anos.

Nesse momento, segundo Fernandes (2008) e Santos (2007) a Bahia assiste à consolidação do “carlismo”17 no cenário político. Antônio Carlos Magalhães (ACM) assume a prefeitura de Salvador (1967-1970); logo em seguida, torna-se governador (1971-1975), recebe

17 Carlismo foi o termo usado para designar o grupo de políticos baianos liderados por Antônio Carlos Magalhães

(ACM). Este exerceu diversos cargos políticos durante sua trajetória política, tornando-se sem dúvida a mais importante e personalidade política do estado da Bahia. Seu poder se estendia a quase todos os 417 municípios do interior baiano, além de muitos deputados federais, mídia, controle sobre o Tribunal de Contas, Legislativo e até Judiciário. Ele e seus aliados estiveram à frente do governo do Estado da Bahia desde a década de 1970 até 2006, com algumas poucas interrupções.

a presidência da Eletrobrás (1975 a 1979) e volta a ser governador (1979-1983). Desta forma, ACM costurou relações de clientelismo, solidificando um comportamento político, social e econômico conservador entre as classes dominantes, cujo maior objetivo era a “manutenção da ordem, com a finalidade de garantir a permanência do mandonismo local numa realidade modernizante” (SANTOS, 2007, p. 169).

No decorrer da lenta abertura política brasileira, José Pedral Sampaio, que nesse período era filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) baiano, liderado por Waldir Pires, vence, pela segunda vez, as eleições de 1982, cumprindo o mandato até o final de 1988, tendo um interstício no ano de 1987 quando assumiu a Secretaria Estadual dos Transportes. No ano de 1993, Pedral Sampaio assumiu seu terceiro mandato, porém numa configuração política estadual bem distinta da década de 64, pois o comando político, judiciário, legislativo, midiático e até empresarial baiano estava nas mãos de ACM.

Entre os anos de 1985-1990, ACM assumiu a pasta das Comunicações durante o governo Sarney, após seu candidato, Josapha Marinho, perder as eleições estaduais para Waldir Pires. Contudo, sua influência parlamentar aumentou vertiginosamente, pois ele usou as concessões estatais de rádio e televisão como moeda de troca pa\ra acordos políticos. Sobre esse aspecto, Antônio Albino Rubim elucida que

(...)sob o comando de ACM, o ministério sofre uma significativa guinada. De um ministério encarado como quase técnico, sempre ocupado, desde que foi criado em 1967, por militares ou técnicos, ele passa a ser orientado por uma visão eminentemente política. Tal diretriz se expressa seja no papel de articulação que começa a desempenhar, seja por conceber as concessões, não só na perspectiva de uma relação de apadrinhamento como então acontece, mas como uma preciosa moeda de negociação no jogo político. O valor dessa moeda está alicerçado na percepção, fina e simultaneamente perversa, do poder de intervenção política inscrito na mídia contemporânea e na sua possibilidade de manipulação, ensejado pelo controle de concessão (RUBIM, 2001)

Rubim acrescenta que o uso estratégico da midiática-política por parte de ACM proporcionou uma atualização no seu fazer político coercitivo de controle e domínio, de forma a criar a imagem de comando de um líder/pai da família baiana, e assim se adequar às novas relações do cotidiano político contemporâneo, porém, mantendo seu caráter conservador e autoritário.

Assim, a programação da TV Bahia, inaugurada ainda no de 1985 na cidade de Salvador e que passou a retransmitir a Globo, ocupando o lugar de líder de audiência, estava voltada para o fortalecimento da imagem da família ACM e para a associação da imagem da

Bahia ao discurso da baianidade18. A partir de 1987, é que o interior começa a receber emissoras, sendo a TV Sudoeste inaugurada em Vitória da Conquista no ano de 199019.

Desta forma, com um aparato midiático sob controle e com fracasso do governo Waldir Pires/Nilo Coelho, ACM retorna ao governo do Estado da Bahia em 1991, mais fortalecido, exercendo controle sobre quase todos os municípios do interior baiano, e sobre as estruturas estaduais – legislativo, judiciário e Tribunal de Contas –, importantes máquinas para domínio ou destruição dos seus opositores.

Segundo entrevista concedida pelo próprio Pedral Sampaio ao Dantas Neto e transcrita na pesquisa de Santos, Vitória da Conquista passava por uma situação econômica muito difícil: o café estava em declínio, a gestão de Waldir Pires, seguido de Nilo Coelho não atingiu as expectativas de Pedral no sentido de executar, no município, os projetos inicialmente propostos (a exemplo do Hospital Geral de Vitória da Conquista), uma vez que o governo federal (Sarney à época) não destinava verbas para a Bahia e a cidade não tinha como caminhar sem ajuda do governo do Estado.

Seguindo o raciocínio de Santos,

Como se percebe, os cargos políticos, sejam estaduais ou federais, e os recursos do Tesouro do Estado e da União eram moedas correntes nas relações entre os políticos. Além disso, as instâncias jurídicas no Estado serviam como instrumento de coação, principalmente o Tribunal de Contas, quando fiscalizava os gastos das prefeituras e das legislaturas municipais. Criou-se uma rede de favores entre o governo e os líderes locais (SANTOS, 2007, p. 174).

Ainda de acordo com o pensamento de Santos, Pedral Sampaio acreditava precisar do apoio do governo do Estado para governar o município. Desta forma, aceitou uma aliança com ACM, que, segundo o mesmo, “era uma aliança administrativa e não política” (SAMPAIO, apud, SANTOS, 2007, p. 174). Contudo, ao contrário do que Pedral esperava, a aliança não se converteu em recursos públicos e de infraestrutura para o município, e vivenciou uma crise

18 O conceito de baianidade é muito complexo e fugiria ao objeto deste trabalho. Muitos antropólogos, sociólogos,

historiadores e cientistas sociais baianos já discorreram várias opiniões sobre o que é a baianidade. Contudo, afunilando para o que abrange essa pesquisa e, mesmo assim, de forma muito sintética, podemos olhar pela perspectiva de ser parte de um discurso em torno do texto identitário que foi apropriado pelo discurso oficial do poder público do Estado baiano, desde a década de 70, suas políticas estaduais de cultura e turismo, constituindo- se, por sua vez, numa poderosa estratégia de construção da representação da diferença como motivação para o consumo turístico, cultural e de entretenimento. (VIEIRA, 2004, p. 112).

19 A Rede Bahia de Comunicações ainda é composta pelas: TV Subaé (Feira de Santana), a TV Santa Cruz

(Itabuna) e a TV Norte (Juazeiro), TV Oeste (Barreiras), TV Sul Bahia (Teixeira de Freitas), além de jornais e rádios. Para maiores informações, veja o site: www.redebahia.com.br

financeira e política que levou ao atraso de salários dos servidores municipais, à inadimplência junto aos fornecedores locais, a restrição dos serviços básicos como limpeza pública.

Aliada a essa situação de precariedade pública, por causa do acordo com ACM, Pedral perdeu boa parte da sua base política, e procurou criar um novo grupo o que o enfraqueceu mais ainda. Diante do quadro generalizado de insatisfação política e de calamidade pública, greves e manifestações se tornaram constantes. Naquele momento, a união dos partidos oposicionistas (PT, PCdoB, PSB, PV, PDT e PSDB) ao governo do estado a fim de conquistar o poder executivo local, surge como um caminho natural por parte da população local.

Nesse contexto, em 1996, o Partido dos Trabalhadores, tendo Guilherme Menezes como prefeito, vence o candidato e ex-prefeito Carlos Murilo Pimentel Mármore, do PL, com 59,749% dos votos válidos20, tendo forte apoio e vínculo com sindicatos locais, associações de bairros, ONGs, movimentos estudantis, rompendo com o “carlismo”, bem como quebrando a histórica sucessão das famílias mandonistas no Poder Executivo e adotando uma gestão pautada na participação popular, tendo as áreas da saúde, educação, infraestrutura urbana e desenvolvimento social como prioridades de trabalho.