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4. METODOLOGIA

4.4. Um olhar panorâmico sobre o trabalho de campo

4.4.1. Alguns antecedentes

O percurso metodológico do trabalho de campo desta pesquisa teve início no segundo semestre de 2011. A opção por uma pesquisa em sala de aula demandava a parceria com uma professora. Essa escolha não é tarefa fácil, pois uma pesquisadora que entra numa sala de aula com seus equipamentos de filmagem, seu caderno de anotações

e, principalmente, seu olhar, pode provocar uma mudança significativa no cotidiano dessa sala de aula, sendo necessário, então, que haja uma relação de confiança e afinidade para que essa parceria possa gerar frutos que satisfaçam, não somente à pesquisadora, mas à professora da turma e, principalmente, aos alunos.

A escolha de Manoela, além de questões de afinidade, deveu-se também ao seu engajamento e interesse em discussões relacionadas à educação de surdos. Conversei com ela sobre a possibilidade de fazer meu trabalho de campo em uma de suas turmas e ela aceitou. Em 2011, Manoela lecionava para duas turmas do ensino médio e participava do projeto Oficina de Matemática desenvolvido no EF1. Apesar do meu desejo de investigar turmas de sétimo ano, resolvi fazer algumas tentativas com as turmas de Manoela.

Esse foi um semestre bastante conturbado devido a uma greve dos funcionários públicos federais à qual o INES aderiu, parcialmente, na segunda semana de agosto. Dessa forma, o setor do EF1 continuou com suas atividades enquanto o EF2, o Ensino Médio e, mais tarde, a Educação Infantil ficaram paralisados. Durante as primeiras semanas da greve, Manoela continuou com seu trabalho na Oficina de Matemática e foi nessa época que desenvolvi as primeiras atividades do trabalho de campo.

Manoela estava iniciando seu trabalho na oficina de matemática naquele ano, ocupando um lugar já ocupado por mim anteriormente80. Planejamos as atividades para as turmas do 3º ao 5º ano e acompanhei uma manhã de trabalho nessas turmas. Apesar da inquestionável eficácia deste espaço na aprendizagem matemática, o mesmo não se revelou viável para a realização de um trabalho de campo em função da rotatividade das turmas e do pouco tempo que teria com cada uma delas, tempo esse que diminuía mais ainda em função do deslocamento dos alunos para a sala da oficina81 e uma eventual ida ao banheiro e ao bebedouro. Juntamente com minha orientadora, decidi interromper a pesquisa na oficina.

Pouco tempo antes de a greve terminar, Manoela resolveu retomar suas atividades e parti, então, para a minha segunda tentativa com uma turma do segundo ano do ensino

80 Participei desse projeto nos anos de 2008 e 2009

médio. Essa turma havia sido minha do 6º ao 9º ano, era uma turma muito querida e achei que seria ótimo voltar a trabalhar com eles. Estar ali era um duplo conforto. Meus interesses de pesquisa, no entanto, não se adequavam ao programa do ensino médio e, mais uma vez, de comum acordo com minha orientadora, resolvi mudar de turma.

A terceira tentativa foi realizada após a greve, quando procurei uma professora do grupo que havia ingressado no INES em 2010, principalmente motivada pela série em que ela atuava – sétimo ano do EF2. Tenho filmagens de apenas três dias de aula nessa turma: 11, 18 e 25 de outubro de 2011. Como minha proposta era desenvolver um projeto colaborativo em que o trabalho desenvolvido com os alunos fosse pensado em conjunto com a professora da turma e fruto de uma reflexão de ambas, costumávamos nos encontrar duas horas antes da aula, tempo este que estava incluído na carga horária da professora, para planejarmos as atividades.

As aulas de matemática dessa turma aconteciam duas vezes por semana totalizando 5 horas/aula de quarenta e cinco minutos. Combinamos que as atividades da pesquisa seriam realizadas somente uma vez por semana – o dia em que a turma tinha três horas aula. Devido ao pouco tempo de pesquisa, não disponho de dados para fazer uma análise criteriosa desse trabalho, mas acho que não houve uma organização adequada da minha parte e o fato de ter começado no segundo semestre e após uma greve de dois meses, também não proporcionou as condições favoráveis ao desenvolvimento de um trabalho de pesquisa.

No final de 2011, insatisfeita com o trabalho que vinha realizando, voltei a conversar com Manoela sobre meu interesse em trabalhar com ela em turmas do EF2. Confirmando sua disponibilidade, disse a ela sobre a minha preferência pelo sétimo ano, pois o conteúdo dessa série – números decimais e porcentagem, entre outros – favorece um trabalho com ênfase nas práticas sociais fora da escola, numa perspectiva de letramento, por sua larga presença em nosso cotidiano e na mídia. Era importante definir a série de interesse para que ela fizesse essa escolha nas indicações de suas preferências por séries e horários, na época da confecção do horário para o ano seguinte.

Além disso, como nem sempre as solicitações feitas por cada professor podem ser atendidas, fomos à coordenadora administrativa solicitar prioridade nessa escolha em função do projeto que tínhamos em mente. Felizmente nossa solicitação foi atendida e as duas turmas de 7° ano do turno da manhã ficaram sob responsabilidade de Manoela, com aulas às terças e sextas-feiras.

Com o objetivo de minimizar as dificuldades de interação entre os professores ouvintes e os alunos surdos, a instituição oferecia, até o ano de 2012, as opções de trabalho com tradutor/intérprete de língua de sinais (TILS) ou o assistente educacional em Libras (AEL)82 que, ao contrário dos intérpretes, participava da elaboração das atividades que seriam posteriormente desenvolvidas. Apesar de Manoela apresentar uma boa fluência, decidimos, em função do tipo de trabalho que queríamos realizar, que a participação de um assistente educacional seria de grande valia para nós.

A presença do educador surdo atuando em parceria com a professora de Matemática ouvinte, objetivou garantir que a Libras e a Língua Portuguesa estivessem presentes, nas interações em sala de aula, em igualdade de condições, por meio de falantes nativos das duas línguas. Convém esclarecer que toda a comunicação em sala de aula com os alunos era realizada em Libras, não só no que diz respeito às conversas informais como àquelas que envolviam a negociação de significados e conceitos. A Língua Portuguesa estava presente nos diversos textos de circulação social que foram foco do trabalho realizado bem como nos registros escritos no quadro ou nos cadernos, o que também envolvia a constituição de significados nessa língua.

Convidei Luiz Mauro, um ex-aluno que, além de trabalhar como assistente educacional no INES, cursava o primeiro período da faculdade de Pedagogia na mesma instituição. Para mim, essa também seria uma experiência nova pois apesar de considerar a valiosa colaboração que poderia advir dessa parceria, nunca havia experimentado essa participação em minhas aulas. Até 2009, último ano de trabalho antes de me licenciar para

82 Os intérpretes continuam, agora como funcionários efetivos, desde maio de 2013 após realização de

concurso público. Quanto aos AELs, foram todos demitidos após a proibição, pelo MEC, de contratação de funcionários terceirizados.

o doutorado, o número de profissionais surdos ainda era bastante reduzido e estes acabavam dando suporte aos professores mais novos na instituição.

Convite aceito, reunimo-nos, ainda em 2011, para traçarmos um plano de ação para o ano seguinte. Além disso, lemos o texto “Cenários de Investigação”, de Ole Skovsmose (2000), que nos permitiu aprofundar a reflexão sobre a nossa prática pedagógica. Nessa reunião sentimos os primeiros impactos de um trabalho com a presença de um educador surdo. Como estávamos discutindo um texto acadêmico, solicitamos a presença de um intérprete para agilizarmos as discussões. Em vários momentos, porém, tínhamos que parar e explicar, nós mesmas, o conteúdo do texto ao Luiz Mauro pois estavam envolvidos conteúdos dos quais o (a) intérprete não tinha conhecimento, provocando uma mudança no ritmo da reunião83. Procuramos envolver o Luiz Mauro nas discussões pedindo sua opinião sobre as atividades e ele me pareceu à vontade para opinar e discordar quando era o caso.

Combinamos que participaríamos, os três, do planejamento bem como de todas as atividades desenvolvidas com as turmas. O planejamento das atividades ficou combinado para terça-feira à tarde e era o momento de planejarmos as atividades e discuti-las com Luiz Mauro que, apesar de já ter concluído o Ensino Médio, não dominava vários dos conteúdos abordados com as turmas. Nessas reuniões, também tínhamos oportunidade de discutir com ele os sinais da Libras para os conceitos matemáticos envolvidos, muitos dos quais inexistentes. Às terças-feiras, como nossa primeira aula era no terceiro tempo (9h e 5 minutos), chegávamos mais cedo para finalizar detalhes das atividades que seriam realizadas no dia. Em função do seu engajamento nesse projeto, Luiz Mauro foi dispensado de outras atividades nesses dias e horários.