• Nenhum resultado encontrado

1. CONSTITUINDO UM CAMPO DE ESTUDOS

1.3. O INES na história da educação de surdos

1.3.2. Comunicação Total

A Comunicação Total valoriza todas as formas de comunicação podendo ser utilizados gestos naturais, língua de sinais, alfabeto digital, expressão facial, enfim

qualquer estratégia que leve à transmissão de conceitos, ideias e que favoreça uma comunicação fácil e livre. Apesar de não ser seu objetivo principal, valoriza a oralização e não exclui técnicas de estimulação auditiva e utilização de aparelhos de amplificação sonora se isso significar o resgate de uma forma de comunicação e aproximação entre pessoas (CICCONE, 1990).

A maior crítica a essa filosofia é a prática do bimodalismo, que é o uso simultâneo de dois códigos: a língua oral e a língua de sinais. Sendo duas línguas com estruturas diferentes, é impossível a utilização de ambas sem o sacrifício de uma delas. Sendo assim, os sinais da Libras são utilizados na estrutura da Língua Portuguesa41, o que provoca a

descaracterização da primeira em detrimento da segunda. Além disso, eram inventados gestos para elementos de ligação como conjunções, preposições e outros elementos da Língua Portuguesa que não têm representação na Libras, tal e qual os sinais metódicos criados por L’Epée.

O bimodalismo é recomendado enquanto estratégia de ensino e comunicação e, dessa forma, a Libras não é utilizada como língua, mas apenas como recurso para tornar visível a estrutura da Língua Portuguesa, gerando um código artificial – o português sinalizado – que não favorece a aquisição da Libras pelas crianças e adolescentes surdos dificultando a comunicação entre eles, além de denunciar, por parte de quem o utiliza, o não reconhecimento da língua de sinais como uma língua natural, identificada com a cultura surda.

É comum que as enunciações dos professores ouvintes apresentem alguns traços do português sinalizado, em maior ou menor grau de acordo com a sua fluência na Libras, ainda que estes não o adotem como uma estratégia. Esse fato pode ser compreendido levando-se em consideração que os professores ouvintes são usuários da Libras como uma segunda língua, mas, segundo Fernandes (2006, p.11), pode causar prejuízos principalmente em crianças em fase inicial de aquisição da Libras por fornecer modelos

41 Em 1986, pela primeira vez que fui escolhida como paraninfa da formatura de uma turma de 8ª série (atual

9° ano). Fiz todo o discurso usando as duas línguas simultaneamente depois de ter sido orientada por uma professora adepta dessa abordagem. Representei cada conjunção, preposição e demais conectivos com sinais inventados, artificiais que nada tinham a ver com a Libras.

linguísticos inadequados em L1 (primeira língua), além de não favorecer a percepção das “diferenças estruturais e funcionais entre a Libras e língua portuguesa, já que, via de regra, as duas são aprendidas simultaneamente na escola”.

A Comunicação Total chega ao INES em fins da década de 1980 e, em função dos embates entre simpatizantes dessa metodologia e o Oralismo, foi realizada, a partir de 1987, uma pesquisa42 com três grupos da Educação Infantil, com o objetivo de avaliar

propostas pedagógicas para a educação de surdos. O primeiro desenvolvia seu trabalho segundo a filosofia oralista, utilizando o método Audiofonatório. As crianças que faziam parte desse grupo não tinham contato com os outros dois grupos para que não tivessem acesso à Libras. O segundo seguia os pressupostos da Comunicação Total e o terceiro, chamado de grupo controle, representava o trabalho que já era desenvolvido na escola, ou seja, um misto de Oralismo com a utilização de alguns gestos. Essa pesquisa terminou aproximadamente três anos depois sem que tenha produzido transformações importantes no projeto da escola mas deixou, como legado, a presença da Libras, pela primeira vez, no Projeto Político Pedagógico do INES (ROCHA, 2007)43.

Segundo Loureiro (2004), professora do INES participante desse projeto, a experiência da Comunicação Total teve um papel fundamental de oposição às metodologias orais vigentes e no reconhecimento do status da língua de sinais como linguagem humana. Além disso, marcou a entrada, na instituição, de profissionais surdos, não mais como trabalhadores braçais, mas como detentores de um saber necessário aos professores na realização do seu trabalho. Apesar de todas as críticas a essa metodologia, em especial aos equívocos do bimodalismo, esse momento marca também a saída da Libras da clandestinidade.

Uma avaliação mais ampla dessa abordagem no mundo aponta que a Comunicação Total não produziu efeitos importantes na educação das pessoas surdas, bem como nas visões de surdo e surdez. No entanto, concordando com as avaliações anteriores, é importante reconhecer que reintroduzi-la no cotidiano escolar abriu o caminho para a

percepção desta língua como língua de instrução para os alunos surdos (CAPOVILLA, 2000).

A década de 1990, no INES, teve um início conturbado com o afastamento da diretora por denúncias, não comprovadas, de irregularidades na gestão e a posse de diretores interventores. Eram tempos difíceis para o Brasil também. Em outubro de 1992, tem início o processo de impeachment do Presidente Fernando Collor. Os alunos do INES, que já começavam a se mobilizar para a criação de um grêmio estudantil, participaram das manifestações que levaram milhares de estudantes às ruas, conhecidos como os caras

pintadas. A rua das Laranjeiras, uma rua bastante extensa onde, além do INES, estão

localizadas várias outras escolas, se transformou num grande rio de estudantes, que ia se adensando à medida que estes saíam de suas escolas e se juntavam em direção à estação do metrô do Largo do Machado. Como cidadã e professora, participei, juntamente com outros colegas, desse momento tão importante, ciente de que estávamos proporcionando aos nossos alunos uma vivência de cidadania, inserindo-os nos movimentos e discussões que agitavam o Brasil e marcaram o processo de redemocratização do nosso país.

Ao final desse ano, assume a direção uma professora da instituição, indicada pelo MEC, tendo sido, sua indicação, respaldada por eleições diretas em 1994, pela primeira vez na história do INES. As diretoras pedagógicas que participaram dessa gestão, apoiaram ações como a criação do grêmio estudantil, que tinha como principal reivindicação a utilização da Libras como língua de instrução; a encenação de esquetes teatrais, através dos quais os alunos tentavam dar visibilidade às suas reivindicações por meio de críticas à atuação dos professores; e a promoção de cursos para os professores nas mais variadas áreas (FAVORITO, 2006).

Toda essa movimentação tinha em vista a introdução, no INES, de uma nova abordagem na educação de surdos – a Educação Bilíngue – e a construção do Projeto Político Pedagógico. Esse tema já era foco de discussões na instituição a partir do interesse de um grupo de professores que se reunia, fora do seu horário de trabalho, para estudar, mas entrou oficialmente na pauta da instituição ao ser incluído na programação do

primeiro seminário nacional, organizado pelo DDHCT44em 1996, que tinha como título

“Repensando a Educação da Pessoa Surda”, em que, de seis palestras, três enfocavam direta ou indiretamente o bilinguismo. No entanto, foi a partir de 1997 que esse tema entrou oficialmente na pauta de discussões da COAPP, sendo o tema do segundo seminário “Desafios e Possibilidades na Educação Bilíngue Para Surdos” nesse mesmo ano.