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4. METODOLOGIA

4.4. Um olhar panorâmico sobre o trabalho de campo

4.4.2. Recomeçando

No início do ano de 2012 foram tomadas as providências administrativas de praxe para a realização de pesquisas no INES pois, apesar de ser funcionária da instituição, tive

que cumprir os mesmos protocolos exigidos aos pesquisadores externos. O projeto de pesquisa já havia sido registrado na Divisão de Estudos e Pesquisas (DIESP), do DDHCT, no ano anterior. Solicitei autorização para realizar as filmagens nas turmas 711 e 712 (anexo 2), e redigi o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para obter, dos pais, a autorização de uso da imagem dos alunos, que foram anexadas ao projeto (anexo 3).

Compareci à primeira reunião de pais ocorrida no dia seis de março para informar aos pais presentes sobre a realização da pesquisa bem como explicar os seus objetivos. Não apresentei, ainda, o termo de consentimento pois, inicialmente, pretendia, após um tempo de observação, escolher uma das turmas para realizar a pesquisa. No entanto, minha orientadora me aconselhou a manter as duas turmas, o que se revelou uma decisão acertada, pois muitas vezes as turmas respondiam de forma diferenciada às atividades propostas. Atividades que rendiam excelentes aulas em uma turma revelavam-se desastrosas na outra, o que nos proporcionou ricos momentos de reflexão.

Na segunda reunião de pais, apresentei aos pais o termo de consentimento explicando cada item do texto, deixando claro que a assinatura era voluntária e que a pesquisa se limitaria às aulas de matemática. Como havia poucos pais presentes, a maioria das autorizações foi enviada para casa, pelos alunos, para serem devolvidas posteriormente. Disponibilizei meu telefone para o caso de haver dúvidas.

A trabalho de campo da pesquisa se desenvolveu em duas frentes durante o ano. A primeira, nas reuniões em que planejávamos as atividades que seriam desenvolvidas em aula. Dessas reuniões participavam, além da pesquisadora, da professora de matemática e do AEL, a professora de matemática das turmas do sétimo ano do turno da tarde, pois ela se interessou pela dinâmica desenvolvida em nossas aulas e passou a propor as mesmas atividades em suas turmas.

Durante o planejamento das aulas, algumas vezes já tínhamos, eu e Manoela, algo em mente, ou planejávamos durante a reunião juntamente com o Luiz Mauro. De uma ou de outra forma as atividades eram discutidas com ele antes de seu desenvolvimento na sala de aula. Muitas vezes, esses momentos serviam também para que ele tirasse suas dúvidas a respeito dos conteúdos matemáticos envolvidos e, em alguns casos, era o

momento da aprendizagem dos mesmos. Conteúdos que não foram compreendidos na sua época de aluno ou que foram simplesmente esquecidos ganhavam um novo significado para ele naquele momento. Quando, eventualmente, Luiz Mauro precisava faltar às reuniões, ele ia se inteirando do assunto durante o desenvolvimento da atividade ou, antes de iniciá-la, tirávamos suas dúvidas a respeito do assunto que seria abordado.

Em alguns casos determinávamos, nessa reunião, o que caberia a cada um deles – Luiz Mauro e Manoela – na dinâmica da atividade, mas, na maioria das vezes, isso ia sendo resolvido durante a aula de forma bastante espontânea. Parece que havia um acordo tácito quanto ao papel de cada um na interação com os alunos, que tinha a ver com o conhecimento de domínio de cada um, qual seja, Manoela – um conhecimento aprofundado sobre os conceitos matemáticos – e Luiz Mauro – o conhecimento linguístico de um falante nativo da Libras que, por isso mesmo, estabelecia uma comunicação mais direta com os alunos, o que favorecia a construção de sentidos.

Em vários momentos Luiz Mauro interferiu na explicação de Manoela por considerar que as estratégias utilizadas por ela em Libras não estavam sendo compreendidas pelos alunos e, da mesma forma, Manoela também complementava a explicação de Luiz Mauro quando considerava que ela deixava a desejar quanto ao conhecimento matemático. A pesquisadora, por ser professora da escola e de ter total envolvimento com o contexto estudado, assumiu a condução de algumas atividades. Essa alternância parece ter sido encarada com naturalidade pelos alunos, quando questionados a respeito durante a entrevista.

Durante o ano, várias interrupções prejudicaram o desenvolvimento do trabalho. Não há como ser diferente, pois a pesquisa não é algo estanque que acontece descolada da vida daqueles que dela participam. No início de abril, na primeira aula após o feriado da semana santa, estive ausente devido a uma crise de coluna e, nessa mesma semana, Manoela me avisou que estaria licenciada por quinze dias em função de problemas de saúde. A licença foi prorrogada por mais uma semana e, durante esse período, somente em dois dias pude substituí-la realizando, junto com Luiz Mauro, as avaliações que

Na segunda semana de maio começamos o trabalho com números decimais dando início ao projeto sobre medidas, mas, infelizmente, no dia 18 de junho, o INES aderiu à greve iniciada nas instituições federais de ensino no mês anterior. Apesar de, como funcionária pública federal, apoiar e considerar justas as reivindicações que motivaram a greve, não posso desconsiderar a forma danosa como esse acontecimento atravessou o trabalho de campo e prejudicou o processo que vinha sendo vivenciado pelas turmas, como acontece com todas as greves em instituições de ensino, independentemente de serem justas ou não.

No dia 10 de agosto Manoela retomou suas atividades, um pouco antes do fim da greve, mas só retornei a partir do dia 21, pois participei, na semana anterior, de um colóquio sobre letramento em Belo Horizonte. Tivemos dificuldades em retomar nosso planejamento, pois precisávamos fechar as avaliações do segundo bimestre e isso demandava atividades de revisão do que havia sido trabalhado e as avaliações formais em si, considerando que havia um hiato de quase dois meses entre a última aula e o retorno pós greve.

No segundo semestre, algumas atividades na escola demandaram a suspensão de aulas. Em agosto, houve uma palestra sobre meningite, realizada por um dos médicos da instituição, com o objetivo de prestar esclarecimentos sobre a doença, que havia provocado a morte de um aluno da escola, causando temor de contágio entre os alunos. Em outubro, aconteceu uma homenagem pelo dia do mestre, organizada por professores e alunos do EF1. Foi gratificante ver as crianças surdas exteriorizando seus sentimentos e opiniões, tendo o que dizer por terem sido expostas a sua primeira língua e se constituírem sujeitos nessa língua, mas ao mesmo tempo pensava que mais uma aula estava sendo perdida e isso me angustiava muito. Em novembro, aconteceu o primeiro festival de cinema do INES (FESTCINES), no hotel Othon, em Copacabana, onde foram exibidos filmes produzidos, pelos professores, com os alunos do INES.

Além dessas atividades, a nossa participação em eventos – eu no EBRAPEM84 em Canoas – RS e Manoela em um congresso de Etnomatemática, em Belém85 – PA – demandaram a suspensão das aulas de matemática na semana de 13 a 16 de novembro, bem como os inúmeros feriados que constam no calendário do segundo semestre (7 de setembro, 12 de outubro e 2 de novembro, todos às sextas feiras e 20 de novembro na terça feira).

Esses contratempos não foram os únicos durante a realização do trabalho de campo. O tipo de trabalho que realizamos causou desconforto em alguns alunos. Realizamos uma visita a um mercado próximo ao INES para pesquisarmos números com vírgula e darmos início ao estudo dos números decimais. A escolha do mercado deveu-se, não só à praticidade de localização do mesmo, como à possibilidade que este estabelecimento reúne de pesquisa de diferentes usos dos números decimais. Depois de quase um mês sem aula em abril, não havia tempo para o planejamento de saídas que envolvessem maiores deslocamentos e mais tempo. No entanto, esses alunos costumavam fazer visitas a esse mercado quando cursavam o EF1 e, talvez por isso, alguns alunos da turma 712 tenham associado essa atividade a coisa de criança, como também consideravam infantis quaisquer atividades que envolvessem material de manipulação. Registrei no meu diário:

Roberto e Gabriel disseram que aula de matemática é para somar, subtrair, multiplicar e dividir. Luiz Mauro conversou com eles a respeito, mas acho que não adiantou muito (30 de maio de 2012). Para a professora, apostar nesse tipo de trabalho representava deixar o porto seguro baseado na realização de exercícios de fixação após a transmissão de conceitos. Apesar de desejar essa mudança, a sensação de que tá tudo solto, gerava uma insegurança nela e em mim também. Apesar de estar experimentando há algum tempo essa forma de trabalho em minhas turmas, o fato destas não serem minhas e de estar interferindo na prática pedagógica da professora fazia uma enorme diferença para mim. Novamente recorro ao meu diário:

Ao terminar a aula fomos almoçar, Manu e eu. Durante o almoço, a aula, o comportamento dos alunos e o tipo de trabalho que estamos realizando, foram o assunto da nossa conversa. Manu disse que estava preocupada com o trabalho porque não estávamos fazendo exercícios de fixação. Sei que esse sentimento é legítimo. Também me sentia assim quando estava trabalhando com as minhas turmas nos últimos anos. De volta ao INES, encontramos com a Francisca, a professora do sétimo ano da tarde que estava seguindo a mesma proposta de trabalho e ela também comentou sobre a insegurança que dá trabalhar assim. Falei que, apesar da insegurança, precisávamos refletir se essa era ou não a melhor forma de conduzir nosso trabalho (30 de maio de 2014).

Os contratempos que enfrentamos nos fazem perceber que pesquisar o cotidiano de uma sala de aula envolve não só lidar com o que acontece, mas também, e sobretudo, com aquilo que não acontece, que nos escapa, com o imponderável. Envolve também administrar o conflito entre os interesses dos professores que buscam alcançar seus objetivos pedagógicos coerentes com o currículo escolar e os interesses dos alunos, seres humanos concretos, e cada vez mais dispersos e condicionados pelo mundo virtual. Pesquisar a sala de aula é ver a vida se impor com seus imprevistos e contradições apesar da nossa ilusão e tentativas de controle.