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II. PONDO ORDEM NO CAOS 1 PROLEGÔMENOS

3. ALIENAÇÃO E PROLETARIZAÇÃO

Agora podemos retomar outra questão que deixamos em aberto na parte anterior desse trabalho. Por que nem todo homem é intelectual e criativo o tempo todo. A maioria sendo apenas fora de sua profissão, como disse Gramsci.

A resposta passa pela teoria da alienação de Marx – trabalho estranhado – presente nos manuscritos de Paris, que não foram publicados durante a vida do pensador alemão, vieram à luz somente em 1932, na URSS e como já dissemos muito provavelmente Gramsci não teve acesso a eles durante a redação de seus cadernos do cárcere.

A origem desse processo de alienação e de seus desdobramentos está no processo de produção material em nossa sociedade e no que foi definido por Marx (2004, p. 80) como trabalho estranhado.

[...] o objeto (Gegenstand) que o trabalhador produz, o seu produto, se lhe defronta como um

ser estranho, como um poder independente do produtor [...]. Esta efetivação do trabalho

aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação (Entwirklichung) do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento (Entfremdung), como alienação (Entäusserung).

Alienação, segundo Marx, é exteriorização e estranhamento, que inicia no processo de trabalho e se desdobra para o conjunto das relações entre os homens na sociedade – relações sociais – que se tornam, assim como no processo de produção material, alienadas.

O trabalhador não se reconhece em seu trabalho, não se identifica com o produto de seu trabalho – esse passa a ter uma existência própria independente de seu criador – e tal qual mister Hayde torna-se um ser estranho, um oponente de seu criador, doctor Jeckil – como na história de O médico e o monstro.

[...] A exteriorização (Entäusserung) do trabalhador em seu produto tem o significado não somente de que seu trabalho se torna um objeto, uma existência externa (äussern), mas, bem além disso, [que se torna uma existência] que existe fora dele (ausser ihm), independente dele e estranha a ele, tornando-se uma potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha. (Ibidem, p. 81)

O trabalhador se torna um servo do objeto, a criatura quer exterminar ou controlar o criador, como ocorre em O médico e o monstro.

Isso ocorre porque o trabalhador é expropriado do produto de seu trabalho. Com a propriedade privada capitalista todo o produto do trabalho humano, tudo aquilo que o trabalhador produz, pertence ao proprietário dos meios de produção, o capitalista.

Mas, para ser expropriado do produto de seu trabalho o trabalhador precisa ser também, do ponto de vista do capital, expropriado do processo de produção.

Até aqui examinamos o estranhamento, a exteriorização do trabalhador sob apenas um de seus aspectos, qual seja, a sua relação com os produtos do seu trabalho. Mas o estranhamento não se mostra somente no resultado, mas também, e principalmente, no ato

alheio (fremd) ao produto da sua atividade se no ato mesmo da produção ele não se estranhasse a si mesmo? [...] Se, portanto, o produto do trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem de ser a exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade da exteriorização. [...] (MARX, 2004, p. 82)

Segundo Marx, a alienação se inicia no processo de trabalho quando o trabalhador é expropriado do produto de seu trabalho que pertence a outro (o capitalista), ao mesmo tempo o trabalhador é expropriado do processo de trabalho, algo que foge ao controle do trabalhador. O trabalho, ou mais propriamente o processo de trabalho, bem como seu produto como vimos anteriormente, torna-se algo estranho que foge ao controle do produtor, torna-se um suplício, fonte de sofrimento e dor. Sendo que o produto deste processo de trabalho é exterior ao trabalhador, não lhe pertence.

Ao ser alienado do produto e do processo de trabalho, o trabalhador se autoaliena, desumaniza a si próprio e aos outros indivíduos. Isto porque no trabalho alienado, o trabalhador transfere todas suas energias criativas físicas e mentais para a coisa produzida.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). [...] (Ibidem, p. 80)

Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora aparecem ao homem apenas como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência física; como uma fonte de sofrimento e dor que somente dá prazer ao trabalhador como fonte de aquisição de bens materiais e como garantia de lazer – busca da satisfação pessoal fora do trabalho.

Daí os homens serem criativos e intelectuais fora de sua profissão – salvo raras exceções – sendo que poesia, literatura, pintura, pesquisa científica não são parte da vida cotidiana dos homens comuns em sociedade, são atividades esporádicas, lazer ou passatempo.

O capitalismo dá ao trabalho, como dissemos anteriormente, um caráter antitético, sendo que a satisfação do homem que deveria se dar no próprio trabalho somente é consumada fora dele.

O homem somente se sente humano quando realiza a satisfação de suas necessidades biológicas ou naturais – tipicamente animais – e se sente como um animal quando realiza uma

atividade humana por sua natureza – o trabalho – uma vez que, como vimos, transfere sua humanidade para as coisas produzidas enquanto perde a sua própria humanidade.

Coisas essas que, como vimos, se humanizam na mesma medida em que o homem se desumaniza ao transferir sua humanidade para essas coisas produzidas, elas adquirem vida própria no mercado.

As relações sociais, algo que pode ocorrer apenas entre homens concretos, aparecem como sendo uma relação entre coisas/mercadorias no movimento do mercado, um movimento aparentemente autônomo, independente dos homens que as produziram.

É este fenômeno que Luckács (1974, p. 97) chama de Reificação – a coisificação das relações sociais – onde as relações entre os homens aparecem como sendo relações entre as coisas produzidas pelo próprio homem num mundo aparentemente autônomo que é o mercado.

Já muitas vezes se realçou a essência da estrutura mercantil, que assenta no fato de uma ligação, uma relação entre pessoas, tomar o carácter de uma coisa, e ser, por isso, de uma o je tividadeà ilus ia à ue,à peloà seuà siste aà deà leisà p p io,à apa e te e teà igo oso,à inteiramente fechado e racional, dissimula todo e qualquer traço da sua essência fundamental: a relação entre homens. [...]

No capitalismo o mercado é mais do que o simples espaço da troca; ele é o espaço da sociabilidade – das relações sociais.

As mercadorias – coisas produzidas pelos homens para o mercado – adquirem vida própria no mundo da troca, expressando as relações sociais entre os membros da sociedade; elas adquirem também propriedades humanas na medida em que o trabalhador emprega nelas e deixa nas mesmas todas suas energias criativas – o processo de trabalho como vimos desumaniza o homem e humaniza a coisa.

Isso cria um paradoxo. Os homens tornam-se capazes de expressar sentimentos tipicamente humanos com relação a seus objetos materiais ou mesmo com relação a animais – amar um determinado carro ou uma certa roupa, ou ainda tratar um animal de estimação como membro da família – e de se comportarem como animais selvagens diante de outros homens numa briga, por exemplo.

Por isso, as coisas produzidas tornam-se objeto de desejo – Fetiche – no mercado. Ter bens materiais, determinados bens materiais, torna-se sinônimo de felicidade para muitos. É o consumismo, o Ter se apossando do Ser. (MARX, 2004)

Ao desumanizar-se na produção material, humanizando as coisas produzidas, o homem também desumaniza os outros homens, se as relações sociais e humanas adquirem a aparência de relações entre mercadorias/coisas, os homens também tornam-se coisas.

O homem desumaniza a si mesmo e ao outro, todos nos tornamos meios para obtenção de coisas. O homem torna-se instrumento, coisa, para o próprio homem – a coisificação das relações sociais produz, inevitavelmente, a coisificação do próprio homem.

O trabalho estranhado faz, por conseguinte:

3) do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade genérica espiritual dele, um ser estranho a ele, um meio da sua existência individual. Estranha do homem o seu próprio corpo, assim como a natureza fora dele, tal como a sua essência espiritual, a sua essência humana.

4) uma consequência imediata disto, de o homem estar estranhado de produto do seu trabalho, de sua atividade vital e de seu ser genérico é o estranhamento do homem pelo [próprio] homem. Quando o homem está frente a si mesmo, defronta-se com ele o outro homem. O que é produto da relação do homem com o seu trabalho, produto de seu trabalho e consigo mesmo, vale como relação do homem com outro homem, como o trabalho e o objeto do trabalho de outro homem. (MARX, 2004, p. 85-86)

É o triunfo da Razão Instrumental. Todos somos, uns para os outros, meios para a obtenção de determinados fins. Nos tornamos coisas e estranhos uns aos outros.

Esses fins se resumem na obtenção de mercadorias/coisas no mercado, o que inclui a mercadoria-dinheiro, que se tornam objetos de desejo – Fetiches – onde buscamos, muitos de nós, nossa humanidade perdida.

Agora fica fácil de compreender, jamais justificar, a violência contra o outro, neste caso podemos usar como exemplo a violência à mulher. Esta é a forma mais disseminada de violência em nossa sociedade, independe de classe social, etnia ou nível cultural – diferentemente de outras formas de violência existentes.

Ao mesmo tempo, é encarada de forma tão banal, que sequer, muitas vezes, nos indignamos com ela ou com a desigualdade social, a miséria, o racismo, a decadência da educação e da saúde públicas.

A desumanização do homem produz a naturalização das mazelas de nossa sociedade – naturalizamos o que é humano e humanizamos o que é natural.

Por isso as coisas tornam-se tão ou mais humanas que o seres humanos e o seres humanos cada vez mais parecem coisas. Como numa propaganda de uma montadora de automóveis (Fiat) onde um sujeito não muito bonito beija um carro e acaba beijando de fato

uma linda modelo, deixando a dúvida se ele se apaixonou pela jovem ou pelo automóvel ou se a jovem gosta mesmo dele ou do carro.

O trabalho não liberta o homem no capitalismo, não é fonte de prazer, não dignifica e enobrece o homem como disse John Calvin. O trabalho alienado – estranhado – é fonte de sofrimento e dor e é a desumanização do homem sob o jugo do capital, é a mortificação do sujeito que deveria emancipar.

Agora, voltando ao conceito que deve ser esclarecido. Proletarização significa expropriar o trabalhador, do processo e do produto de seu trabalho.

No caso dos professores, significa expropriá-los de sua autonomia didático- pedagógica, controlar seu trabalho através de mecanismos externos ao processo escolar e submetê-los a alienação do trabalho.

4. INTERDISCIPLINARIDADE

Esse subtítulo justifica bastante o título desse capítulo – pondo, ou tentando por, ordem no caos – uma vez que interdisciplinaridade é um típico conceito onde se aplica a polissemia. Por várias razões, principalmente devido aos vários significados que provoca ou produz entre aqueles que a estudam.

No Brasil, temos que acrescentar mais um elemento.

As pesquisas sobre interdisciplinaridade em nosso país remontam a década de 1960 segundo Olga Pombo (2005), não são tão recentes assim. Mas a discussão sobre esse tema em larga escala, num círculo mais amplo envolvendo educadores em geral e professores de Educação Básica, remonta aos anos 1990 com os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) e posteriormente com as DCN’s (Diretrizes Curriculares Nacionais) da Educação Básica – Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Fazendo um pequeno parênteses; no Ensino Médio o currículo foi dividido em três áreas com suas respectivas tecnologias (ciências exatas e suas tecnologias, linguagens e códigos e suas tecnologias, ciências humanas e suas tecnologias) o que levou muitos a acreditar – e ainda há quem acredite – que a intenção por trás das áreas era – e é para alguns críticos dessa proposta – dissolver e integrar disciplinas, levando a extinção de várias disciplinas do currículo tradicional – sendo o discurso da interdisciplinaridade uma maneira de legitimar tal prática por parte do ministério da educação.

Os anos 1990, particularmente a partir de sua segunda metade, marcam o início das reformas educacionais em curso no Brasil, confundindo a discussão acerca de um ensino interdisciplinar com essas reformas – para muitos a interdisciplinaridade foi considerada parte do conjunto de reformas educacionais pró-mercado e do ensino por competências.

No contexto dessas reformas começaram a se fazer uma série de novas exigências à escola e ao professor como veremos nos capítulos seguintes. Combater as desigualdades, a violência, qualificar os jovens para o mundo do trabalho em constante transformação, exigir dos professores que despertem o interesse de seus alunos melhorando a forma como ensinavam suas disciplinas garantindo melhores resultados em suas aprendizagens, que dominem as aprendizagens de toda a Educação Básica e que saibam alfabetizar independente da série ou ciclo em que atuem, entre outras.

A interdisciplinaridade foi encarada por muitos como mais uma delas – das muitas, e muitas vezes descabidas, exigências feitas ao professor.

A interdisciplinaridade foi vista também como uma das muitas propostas pedagógicas que acompanharam e acompanham as reformas educativas – isso gerou, e ainda gera, uma discussão apaixonada e nem sempre esclarecedora sobre esse tema.

Polissemia e paixão são uma combinação da qual sou vítima, uma vez que acompanhei essas discussões na época em que ocorreram, o início das reformas pró-mercado na Educação Básica. Como disse na introdução, falarei do que aprendi nos livros e na vida real também; pois era professor efetivo dos quadros da SEE-SP.

Agora, não resta alternativa senão ir direto ao assunto. O que é afinal, interdisciplinaridade?

Segundo Olga Pombo (1990?) não se trata de mais uma proposta pedagógica.

Segundo a mesma autora, interdisciplinaridade está sempre associada a outras palavras (conceitos): pluri, multi, trans e logicamente a própria inter, disciplinaridade; havendo entre essas palavras-conceitos um grau de continuidade, de evolução ou progressão na abordagem das várias ciências, na relação entre as várias disciplinas na escola. (Idem, 2005)

O que nos permite concluir que todas elas tratam de qualquer coisa que tem a ver com as disciplinas. Disciplinas que se pretendem juntar: multi, pluri, a ideia é a mesma: juntar muitas, pô-las ao lado uma das outras. Ou então articular, pô-las inter, em inter-relação, estabelecer

entre elas uma acção recíproca. O sufixo trans supõe um ir além, uma ultrapassagem daquilo que é próprio da disciplina.

Aceitar a minha proposta como base de trabalho, como hipótese operatória, é aceitar que há qualquer coisa que atravessa a pluridisciplinaridade ou multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Que essa qualquer coisa é, em todos os casos, uma tentativa de romper o carácter estanque das disciplinas. Mas que essa tentativa se pode fazer em diferentes níveis, em diferentes graus. O primeiro é o nível da justaposição, do paralelismo, em que as várias disciplinas estão lá, simplesmente ao lado umas das outras, que se tocam mas que não interagem. Num segundo nível, as disciplinas comunicam umas com as outras, confrontam e discutem as suas perspectivas, estabelecem entre si uma interacção mais ou menos forte; num terceiro nível, elas ultrapassam as barreiras que as afastavam, fundem-se numa outra coisa que as transcende a todas. Haveria, portanto, uma espécie de um continuum de desenvolvimento. Entre alguma coisa que é de menos – a simples

justaposição – e qualquer coisa que é de mais – a ultrapassagem e a fusão – a

interdisciplinaridade designaria o espaço intermédio, a posição intercalar. [...]

Mas, o mais importante não é tanto a questão nominal. O mais importante é compreender o que se deixa pensar nessas várias palavras. [...]

Aqui, estou inteiramente de acordo com o diagnóstico que o Senhor Pró-Reitor acaba de fazer: aquilo que, de importante, se deixa pensar sob essa diversidade de palavras é a

resistência à especialização. Por isso a interdisciplinaridade é o lugar onde se pensa hoje a

condição fragmentada das ciências e onde, simultaneamente, se exprime a nossa nostalgia de um saber unificado. (POMBO, 2005, p. 5-6)

É uma citação longa, mas que nos indica um caminho para esclarecer nosso objeto de discussão. Interdisciplinaridade não significa o fim das disciplinas, mas uma nova relação ou articulação entre elas em primeiro lugar.

Multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade expressam um processo progressivo – ascendente – na integração das disciplinas, romper com seu caráter estanque.

Multi e pluri disciplinaridade correspondem a existência ou convivência das várias disciplinas da grade curricular umas ao lado das outras, com pouca ou nenhuma comunicação entre elas, é o paralelismo.

Transdisciplinaridade é a transcendência, é a integração das disciplinas numa totalidade superior.

A interdisciplinaridade é uma etapa intermediária entre o paralelismo disciplinar e a integração dessas disciplinas numa totalidade mais rica que a soma dessas disciplinas isoladamente. É a comunicação permanente, a interação entre as várias disciplinas.

Essas formas de comunicação, interação e integração entre as disciplinas têm como ponto em comum o combate a especialização ou o combate à radicalização da especialização.

A especialização nas várias ciências está na origem das várias disciplinas escolares. Especializar, e consequentemente disciplinarizar o conhecimento científico, foi uma etapa fundamental no avanço da ciência, na compreensão e no entendimento por parte do homem dos fenômenos do mundo que o cerca.

A revolução científica dos séculos XVI e XVII possibilitou a separação entre ciência e religião, entre fé e razão, estabelecendo as bases do método científico – observar a realidade, formular hipóteses e testar ou experimentar as hipóteses. Esse movimento continuou ao longo da revolução industrial dos séculos XVIII-XIX com avanços significativos nas ciências, então ciências tradicionais – física e matemática – e o surgimento de novas ciências – história, sociologia, química – consolidando um processo de disciplinarização das ciências, fortalecendo a figura do especialista.

Afinal, ninguém pode acumular todo o conhecimento das várias ciências, é necessário que o pesquisador se concentre numa atividade específica, se aprofunde nela. A radicalização da especialização produziu um especialista que é capaz de saber cada vez mais sobre cada vez menos – aprofunda seu conhecimento em profundidade e o perde em extensão.

Não por acaso, na medicina há um movimento para a retomada da formação de clínicos gerais, uma vez que a especialização crescente da área, produto dos avanços da própria medicina, tem produzido médicos especialistas em determinadas regiões do corpo humano – cabeça, pescoço, coração, câncer de fígado, cérebro ou pulmonar – sem compreender o funcionamento integrado do corpo do homem.

A especialização radical também produz algo mais perverso do ponto de vista do conhecimento.

Por um lado, uma compartimentalização do saber científico que ergue barreiras ou fronteiras intransponíveis entre as ciências; cientistas da área de exatas que nunca leram Shakespeare ou humanistas que não conhecem a segunda lei da termodinâmica – lembrando que essa lei refere-se a algo bem prático e corriqueiro, o aumento do caos num sistema ou porque no dia a dia as coisas tendem a dar errado.

Por outro lado, ocorre algo mais grave e perigoso para o próprio avanço da ciência, a privatização do conhecimento.

Cientistas estão patenteando, considerando propriedade intelectual particular, as áreas de pesquisa que descobrem ou desenvolvem, bem como a metodologia de pesquisa que empregam, impedindo de direito que pesquisadores diferentes pesquisem o mesmo objeto, que façam pesquisas paralelas na mesma área.

A história da ciência ocidental está repleta de casos onde cientistas competiram, ou cooperaram, entre si pesquisando o mesmo objeto ou desenvolvendo pesquisas na mesma área, as patentes tornam essa situação cada vez mais rara. (Ibidem, 2005)

A especialização radical no campo científico está se voltando contra o próprio avanço da ciência, privatizando o conhecimento.

Na escola básica, cujos objetivos não são formar apenas cientistas ou pesquisadores, uma vez que deve formar trabalhadores comuns, professores, escritores, funcionários públicos e também cientistas; ou seja, formar pessoas capazes de entender criticamente o mundo e atuar nele, a disciplinarização ou especialização radical tem efeitos muitos mais graves.

Os jovens que chegam a escola não têm e não podem ter um projeto definido para suas vidas – particularmente em termos profissionais – e cabe a essa própria escola abrir um leque de possibilidades, ampliar os horizontes desses jovens através de uma formação generalizante – ciência, arte, cultura geral, filosofia.

Pior que um cientista da área de exatas que não leu os clássicos da literatura mundial ou um filósofo que não conhece álgebra é um estudante de Ensino Médio que adora matemática e se nega a estudar filosofia ou o inverso.

Ou ainda, pior e mais grave, se isso ocorrer com o professor desse jovem.

A ideia central dessa parte é sistematizar um conceito de interdisciplinaridade para que se possa comparar a formação oferecida aos professores de Educação Básica do estado de São

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