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EIXO 4 – EDUCAÇÃO ALIMENTAR

5 UM DOIS, FEIJÃO COM ARROZ – Análise dos hábitos alimentares dos alunos e componentes familiares

5.3 A hora do almoço

Em seqüência à hora da merenda, a próxima refeição – o almoço – também possibilitou constatar aspectos peculiares de cada grupo de sujeitos deste estudo. As variáveis observadas apontaram predominantemente para as diferenças referentes ao nível socioeconômico e cultural das famílias entrevistadas, conforme será discutido mais adiante.

Fisberg et al (2002, p.15), buscando enfocar a cultura alimentar brasileira, abordam a riqueza cultural e nutricional dos pratos típicos do norte ao sul do Brasil, questionando inclusive a necessidade da modificação dos hábitos alimentares. Lamentam ainda a substituição do tradicional arroz com feijão por lanches com valor nutricional bastante inferior, conforme suas palavras:

O nosso arroz com feijão, que sabemos além de contribuir com o valor energético de nossa dieta ainda se constitui de importante fonte protéica, sem contar a importância da fibra do feijão, que por ser mista pode atuar tanto na motilidade intestinal como contribuir para a manutenção de níveis saudáveis de colesterol.

Conforme apontam os dados referentes aos alimentos comumente ingeridos pelos alunos do presente estudo68, o arroz com feijão realmente predomina no prato das crianças entrevistadas. Além das propriedades nutricionais que detêm, conforme o comentário dos autores citado anteriormente, o arroz com feijão é uma combinação de fácil acesso que compõe a cesta básica do brasileiro.

As falas de alguns pais, no entanto, evidenciam a dificuldade em perceber o poder nutritivo desses alimentos acessíveis, o que traz implícita aquela representação de que o que é barato e/ou acessível não tem valor. Esta compreensão evidencia-se no discurso de alguns pais entrevistados, independentemente de sua classe social ou grau de instrução69. Este valor permeado de preconceitos acerca de alguns alimentos saltou das falas dos pais da escola pública e da creche-escola

68 Dados apresentados em apêndice.

69 Grau de instrução dos pais citados: EPb/15: até 8a. série do Ensino Fundamental e CE/1: Ensino Médio completo (Conforme quadros III e IX, no terceiro capítulo).

(...) Porque arroz, feijão e macarrão, eu sei que isso enche a barriga, mas não é alimentação saudável. (EPb/15)

Eu não sei se comer arroz, feijão e macarrão seja comer bem. Eu acredito que não é comer bem... Eu acredito que é mais encher a barriga de comida, fazer bolo... (CE/P1).

Conforme os dados apontam, no entanto, a força do feijão é devidamente reconhecida pela maioria dos entrevistados, alunos e pais das três escolas abordadas. Seja pelo sabor ou pelo valor nutritivo, o feijão, em parceria com o arroz, marcou presença na maioria das mesas, conforme estas falas de alunos:

Alimentação saudável é... É comer verdura... tomar suco... É muitas coisas que deixam a gente ficar mais grande, como o arroz e o feijão. (CE/A1).

Porque a gente come... e também a gente fica forte. O feijão é o mais fortificante. (CE/A2)

É feijão, arroz... macarrão também, que dá força, né? Tem vitaminas. (EPb/A19) Comer bem é... É frutas, verduras... eu não como verdura! É feijão e arroz. Disso eu gosto! (EPv/A13)

De comida de panela eu amo feijão! Feijão e arroz, se não tiver, não é almoço prá mim. (EPv/A8)

E no discurso dos pais dos alunos também podemos verificar o peso do feijão na mesa dos entrevistados:

Comer bem, é ter horário prá comer. Comer frutas, verduras... feijão, arroz... (EPv/P5)

Meu filho come arroz, come feijão... um paiozinho. Sempre ele come muito brócolis, muito verde... carne branca... um franguinho... Come bem! (EPv/P7) Lá em casa eu boto eles prá comer feijão todo dia. Feijão, feijão, feijão... Todo dia! Eu boto fé nisso! (EPb/P19)

E ainda, mesmo que não satisfaça ao paladar de alguns, o feijão é decisivamente reconhecido como referencial de alimentação saudável, como afirmam estas mães:

Pra mim, a alimentação saudável já começa no café da manhã, né? Você já ter cuidado de ter cereais, frutas... E no almoço, um pouco de cada coisa, né? Um feijão, que aliás eu quase não como, o arroz, a carne e a verdura. (CE/P3)

Se eu como bem? Como. Como bem. Só que lá em casa a gente não come muito feijão porque não gosta. (EPb/P15)

Observamos ainda aqueles que até gostariam de ter feijão no prato com maior freqüência, no entanto, a carência de recursos não favorece ter o que acreditam ser uma alimentação saudável, conforme podemos constatar na fala de uma adolescente que foi autorizada pela mãe a representá-la na entrevista, assim como é autorizada a responder pela educação dos dois irmãos, o que foi confirmado por nós junto às professoras:

Depois de merendar na escola, é só a hora do almoço: aquele arroz, aquele ovo... porque raramente a gente come feijão. Ou então aquela mortadela... o que tiver... o que tiver nós come. Aí a gente passa a tarde todinha sem se alimentar... (EPb/P8)

Aquele alimento que acompanha o feijão com arroz, no contexto da escola pública, muitas vezes recebe o nome de “mistura”:

No almoço, eu como arroz, feijão e mistura. (EPb/A17)

No almoço a gente come arroz. E a mãe deixa um real pra gente comprar de mistura... Aí eu compro mortadela, ou eu compro uma lingüiça. Aí eu também compro às vezes um real de ovos... (EPb/P8)

Destes alimentos, a carne foi a mais citada nos três contextos familiares deste estudo, sendo que em maior proporção na escola privada e na creche-escola70. O ovo e o frango também foram citados, desta feita em maior proporção no discurso dos alunos da escola pública. Alguns alimentos, contudo, serão destacados neste momento por terem sido apresentados em diferentes universos (público e privado), pois, conforme pudemos constatar a partir dos depoimentos dos alunos da escola pública, a mortadela, a lingüiça, a salsicha, o peixe, a panelada foram citados como presentes à mesa na hora do almoço. Já entre os alunos da creche-escola e da escola privada, a paçoca, a macarronada e o creme de galinha surgiram como elementos presentes nesta refeição. Estes dados evidenciam as diferentes possibilidades de acesso aos alimentos, contemplando aqui os aspectos socioeconômicos e culturais destes sujeitos.

E ainda, ao solicitarmos que desenhassem os alimentos de que mais gostavam e os que menos gostavam, pudemos contemplar no contexto da creche-escola a

referência a alimentos típicos da cultura chinesa e japonesa, como o sushi e o yakisoba, o que demonstra a amplitude de acesso aos mais diversos costumes entre as pessoas da classe média, pois, nos meios mais populares, esta vivência não foi observada.

Dentre os alunos da creche-escola que permaneciam em período integral, o almoço era bem diversificado, conforme podemos notar nos cardápios elaborados em quatro versões semestrais71, tendo sido os pratos mais citados como os preferidos a macarronada e o baião-de-dois72. Quanto aos alunos que não almoçavam na escola, o feijão com arroz, o macarrão e a carne foram os alimentos mais citados, conforme informações fornecidas pelos pais.