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As representações dos professores sobre o ato de comer bem

EIXO 4 – EDUCAÇÃO ALIMENTAR

4.3 As representações dos professores sobre o ato de comer bem

Comer bem, para os professores das três escolas deste estudo, parece ser um desejo de todos, mas infelizmente não constitui uma vivência cotidiana para todos os entrevistados. Ao serem indagados sobre se comiam bem, suas respostas apresentaram diferentes sentidos e significados, segundo a tabela IX possibilita inferir:

Tabela IX – Respostas dos professores à pergunta: você come bem? Escolas N Sim % Não % Ambíguo %

EPb 12 03 25,0 03 25 06 50,0

EPv 11 06 54,5 02 18 03 27,2

CE 05 05 100 - - -

Conforme observamos neste demonstrativo, alguns professores acreditavam que comiam bem, ao responderem sim à nossa questão inicial:

Eu como. (EPb/E9)

Como. Eu me alimento bem. (EPv/E3) Eu considero que sim. (CE/E5)

Outro percentual, por sua vez, entendeu que não come bem, justificando suas respostas, que serão apresentadas no decorrer desta análise. A ambigüidade de alguns outros, no entanto, nos chamaram a atenção pelo conflito observado entre um ideal a ser atingido e uma prática ainda distante deste ideal, pois, à proporção que iam

refletindo sobre seus hábitos alimentares, constatavam o quanto estão distantes do que eles mesmos entendem como sendo o ato de comer bem:

Eu tento manter a boa alimentação, mas além do corre-corre, eu tenho problema de tireóide. Eu vivo em constante tratamento... Eu trabalho de manhã e de tarde, e ainda tem a especialização à noite... Aí a alimentação ficou em que lugar? (EPv/E6) Como. Assim... porque pra comer bem a gente tem que comer de tudo, né? Verduras, frutas, legumes... Na verdade, eu, por verdura, não sou muito assim, né? Não é todo tipo de verdura que eu gosto. Salada? A salada que eu gosto tem maionese... aí já tem a questão da gordura, né? (EPv/E10)

Como. Mais ou menos... Eu como... assim: eu não consigo comer comida normal, entendeu? Eu como muito lanche. Minha alimentação é toda desregulada... Eu como mais no jantar. É sanduíche, salada... alguma coisa assim... (EPb/E7)

O aspecto da qualidade do alimento em oposição à sua quantidade foi abordado na elaboração dessa professora da escola pública, à proporção que buscava compreender a sua relação com a alimento no cotidiano:

Na verdade, eu não sei o que é comer bem, né? Porque tem a questão do comer muito e do que realmente que você come que é saudável. Então eu acho que eu tô no meio, porque a minha alimentação é um pouco saudável e às vezes eu abuso, assim, na quantidade, entendeu? Então, na verdade, eu acho que não. (EPb/E1)

As justificativas destas respostas possibilitaram as representações do ato de comer bem elaboradas pelos professores, evidenciando categorias semelhantes às apresentadas pelos alunos e seus pais, diferenciando em alguns aspectos que denunciam características próprias de uma classe profissional, onde a sobrecarga de atividades se apresenta como um dos inviabilizadores de hábitos alimentares satisfatórios.

Desta forma, comer bem pôde ser entendido pelos professores principalmente como:

1. Comer alimentos saudáveis 2. Comer de forma balanceada 3. Comer em horários regulares Conforme a tabela explicita:

Tabela X – As representações dos professores sobre o ato de comer bem Escolas N Comer alimentos saudáveis % Alimentação balanceada % Comer em horários regulares % EPb 12 06 50,0 05 41,5 07 58,0 EPv 11 07 45,5 04 36,3 08 72,7 CE 05 02 40,0 04 80,0 01 20,0 4.3.1 O alimento saudável

Semelhantemente aos demais sujeitos entrevistados, o ato de comer bem para os professores está ancorado à alimentação saudável, que, por sua vez, ficou objetivada em comer frutas e verduras, conforme suas falas evidenciam:

É comer comida saudável... frutas, verduras. (EPb/E2)

Comer bem é aumentar a quantidade de frutas, verduras... de saladas .(EPv/E1) Eu acho que se no meio da alimentação tivesse bastante frutas e verduras... eu acho que dentro dessas substâncias que contêm as frutas e verduras é que tem alimentação saudável. (EPb/E12)

Comer bem seria comer mais frutas, verduras, legumes... (EPv/E2) Uma alimentação com mais frutas, verduras... (EPv/E8)

Eu como bem. Eu gosto muito de fruta e verdura, né? A base da minha alimentação geralmente é fruta e verdura.(CE/E3)

Observa-se, a partir destes depoimentos, que as frutas e verduras incorporam o próprio significado de alimentação saudável. As representações dos alunos e de seus pais também evidenciam esta asserção, conforme apresentado anteriormente, o que nos leva a inferir que as frutas e verduras constituem o principal referencial de alimentação saudável dos sujeitos entrevistados.

A compreensão do que postulam os guias alimentares acerca das orientações sobre a alimentação saudável parece estar ainda muito incipiente entre os sujeitos deste estudo, pois, na realidade, o denominador maior das vivências alimentares saudáveis refere-se à alimentação bem diversificada, em porções equilibradas, conforme a proposta da pirâmide alimentar indica (MAHAN; SCOTT-STUMP, 2005, P.363).

4.3.2 Alimentação balanceada

Philippi e Alvarenga et al (2004, p.26) postulam que, ter uma alimentação satisfatória significa “comer alimentos saudáveis, ingerindo uma dieta variada e balanceada com nutrientes e calorias suficientes para as necessidades corporais e atividades básicas”.

Esta orientação também foi contemplada pelos professores entrevistados, quando, além das frutas e verduras, acrescentaram que o ato de comer bem também está representado por comer de forma balanceada, de acordo com os parâmetros nutricionais supra-citados, pois, conforme relatam,

Uma alimentação balanceada. Que coma tudo... que você possa comer de tudo. De tudo um pouco, é claro! E alimentação saudável não quer dizer que é pra você comer muito a mesma coisa, e sim, comer um pouco de cada coisa. (EPb/E4)

É uma alimentação balanceada, com todos os nutrientes. As proteínas, as vitaminas necessárias para se balancear. Tomar café, um lanche, um almoço... tem que ter equilíbrio... nada de exagero, né? (EPv/E9)

É comer uma alimentação balanceada... Geralmente é aquilo que é orientado por uma nutricionista, e sem fritura, sem refrigerante... (CE/E4)

É aquela que vai seguir mais ou menos dentro da pirâmide alimentar (CE/E5)

Observamos que a pirâmide alimentar só foi citada por uma professora da creche-escola, o que pode ser atribuído ao fato de que é o único dos estabelecimentos de ensino deste estudo que conta com uma nutricionista em seu quadro de funcionários. Inferimos que um enfoque mais direcionado para uma alimentação equilibrada pode favorecer maior incentivo aos professores para que procurem se informar adequadamente acerca do que é uma alimentação saudável.

Além disso, entender o ato de comer bem em termos de balanceamento dos nutrientes dos alimentos é uma compreensão de natureza mais científica, o que parece ter se refletido na compreensão das professoras da creche-escola de modo mais contundente do que nas outras escolas abordadas, conforme os dados apontados anteriormente levam a entender, já que 80% das entrevistadas fizeram uso desta terminologia para representar o ato de comer bem e a alimentação saudável.

4.3.3 Alimentação em horários regulares

A representação do ato de comer bem ancorada em se alimentar em horários regulares caracterizou, conforme entendemos, uma denúncia acerca do quanto os professores estão sobrecarregados por suas jornadas de trabalho, pois a freqüência com que foi apresentada nos leva a inferir um sinal de alerta importante.

Observa-se ainda que esta foi uma consideração mais evidente entre os professores da escola pública e da escola privada, o que pode se justificar pelo fato de que as professoras da creche-escola podem fazer suas refeições no próprio trabalho, ou seja, a alimentação que é preparada para os alunos é a mesma consumida pelos professores e demais funcionários. Além de não precisar se deslocar apressadamente de um lugar para o outro para continuar suas atividades, comem nos horários estabelecidos para todos, conforme as orientações da nutricionista, o que nos conduz a inferir um menor grau de comprometimento da regularidade e freqüência das refeições.

Isto pôde ainda ser comprovado a partir do depoimento de uma professora da creche-escola que não almoçava no trabalho, como as demais, porque saía apressadamente, conforme seu depoimento explicita:

Já saio de casa, deixo a comida pronta... Então, pra eu chegar em casa e almoçar, 1 hora da tarde, ainda pra preparar o dos filhos também?... é aquele corre-corre mesmo. Aí você tem que esquentar o arroz, o macarrão, uma carne, um frango... e acaba deixando de lado a parte das verduras, que tem que ser feito na hora, lavadinho e tudo. Mas quando eu tenho tempo... é bem melhor! (CE/E2)

A falta de tempo para alimentar-se satisfatoriamente foi um dos principais motivos apresentados pelos professores, principalmente os da escola pública e da escola privada, para não terem uma alimentação saudável. Suas falas explicitam claramente este ponto:

Eu acho que eu não como bem até por conta dos horários de trabalho, o próprio cotidiano, a rotina, não deixa você ter disponível uma alimentação mais saudável, né? (EPb/E1)

Além das exigências próprias da atividade do professor, deslocar-se de uma escola para outra em razão da necessidade de manter dois empregos foi uma das constatações no contexto da escola pública, muitas vezes precisando percorrer longas distâncias, e, ainda, em transporte coletivo, o que demandava muito tempo, além do desgaste em virtude da má alimentação e ao cansaço:

Eu não diria que eu como bem porque... (risos) quem trabalha os dois horários em escolas diferentes, não tem uma boa alimentação, né? Nenhum horário em que realmente deveria acontecer... (EPb/E8)

Bom, eu acho que não como bem porque a pressa não deixa, né? É um corre-corre... porque eu tenho que ir pra outra escola, que é bem distante, e não dá tempo nem mastigar direito. Na nossa profissão é muito difícil...Você trabalha dois expedientes... é difícil... (EPb/E2)

No contexto da escola privada, o corre-corre foi mais atribuído à dupla jornada de trabalho e às exigências da faculdade, conforme suas falas podem evidenciar:

Não. A minha alimentação não é boa. Eu tenho poucas refeições ao dia. Acho que muito por causa da minha rotina... eu tenho uma rotina muito puxada! Eu trabalho pela manhã, tenho faculdade à tarde. Então, a única refeição que eu posso considerar como uma refeição é o almoço. Só. (EPv/E5)

Aí o corre-corre termina que acaba não dando tempo pra comer. Aí eu não como nada de manhã, e no almoço faço aquele prato! Aí depois, às vezes, ainda como alguma coisa na cantina, né? E ainda vou à faculdade à noite, e aí chego pra comer, pra jantar, só às dez e meia, onze horas... (EPv/E11)

Além da exigüidade de tempo, a falta de dinheiro também foi apontada como um dos comprometedores da alimentação satisfatória entre os professores da escola pública:

Alimentação saudável seria assim: bastante fruta, bastante verdura... Você ter tempo pra se alimentar... Porque muitas vezes a correria não nos permite isso, né? Ter alimentação com calma. A mastigação como deve ser... O estresse deixa a gente até sem fome! E tudo isso influi numa boa alimentação. Entra o tempo, e também a parte financeira, né? E nem sempre a gente tá com dinheiro disponível pra comprar aquela alimentação boa... (EPb/E6)

Segundo Phillipi et al (1999, p.24), pode-se denominar a alimentação saudável como sendo aquela que é planejada, contendo alimentos de todos os tipos, de procedência conhecida, e ainda, de preferência, naturais e preparados de forma a

conservar o valor nutritivo e o sabor dos alimentos. Acrescentam ainda essas autoras que os alimentos devem ser quantitativa e qualitativamente adequados, “consumidos em refeições, em ambientes calmos, visando à satisfação das necessidades nutricionais, emocionais e sociais, para promoção de uma qualidade de vida saudável”. Estes depoimentos nos levam a refletir sobre a falta de respeito aos professores, quando lhes são impossibilitadas as condições mínimas de poderem exercer as atividades profissionais de forma plena e satisfatória. Além dos aspectos referentes às questões salariais, à sobrecarga de trabalho e à alimentação insatisfatória, as suas naturais conseqüências comprometem significativamente a qualidade de vida destes profissionais, conforme pudemos observar, tanto na esfera pública quanto no contexto privado.

5 UM DOIS, FEIJÃO COM ARROZ – Análise dos hábitos alimentares dos