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EIXO 4 – EDUCAÇÃO ALIMENTAR

5 UM DOIS, FEIJÃO COM ARROZ – Análise dos hábitos alimentares dos alunos e componentes familiares

5.1 O café-da-manhã

A primeira refeição do dia, ou ainda, o desjejum, é compreendida como a que deve ser nutricionalmente mais completa. Lucas (2005, p.262) cita diversos estudos que evidenciam a importância do café-da-manhã para um melhor desempenho escolar. Castell (2004, p.46) pondera que o café da manhã deveria representar entre 15% e 20% das calorias ingeridas durante o dia. Phillipi e Alvarenga (2004, p.25), por sua vez, já atribuem a esta refeição a necessidade de que sejam contempladas 25% das calorias diárias necessárias ao organismo. Diz o adágio popular que “devemos tomar o café-da- manhã como um rei, almoçar como um príncipe e jantar como um mendigo”. O desjejum caracteriza aquela alimentação que fornecerá a energia propulsora do organismo, ou seja, é a fonte de nutrientes que será responsável pelos primeiros movimentos do dia. No caso das crianças, ir para a escola e todo o ritual que precede este ato, já favorecem o gasto de boa parte dessa energia, que deverá ser reforçada na hora da merenda, no intervalo entre as atividades escolares.

Os hábitos alimentares das crianças nesta primeira relação do dia com a comida, como também nas posteriores, evidenciaram significados que apontam para a cultura alimentar de cada família. Devemos levar em consideração ainda as preferências individuais dos sujeitos e as variáveis econômicas que favorecem o consumo de um determinado alimento ou de outro.

O café, o pão e o leite, citados como os alimentos mais freqüentes no desjejum dos alunos da escola pública (60%, 50% e 40% respectivamente)59, fazem jus à terminologia comumente utilizada para denominar este momento: o café-da-manhã. No contexto da escola privada e da creche-escola, os hábitos trazem novos elementos que, acrescentados aos citados anteriormente, evidenciam peculiaridades próprias da classe social e dos valores que a caracterizam.

O consumo do achocolatado, do sanduíche e dos cereais matinais foi uma evidência presente apenas na escola privada e na creche-escola. A presença de elementos que vão além do café-com-leite e pão simbolizam a possibilidade de ampliar o potencial energético da refeição, o que pode evidenciar tanto um maior grau de conhecimento dos pais acerca das necessidades nutricionais de seus filhos como a influência da mídia sobre os hábitos alimentares da classe média e ainda a praticidade destes alimentos que são de fácil preparo e favorecem a rápida ingestão.

No caso deste estudo, a praticidade da utilização de alguns alimentos evidenciou- se como uma necessidade dos pais da escola privada e da creche-escola, que, em virtude da correria do dia-a-dia, justificam a utilização dos preparados instantâneos no desjejum de seus filhos, conforme suas falas evidenciam:

No café da manhã... não comemos muito bem não. De manhã é corrido. Tomamos um leite com nescau... e ele (o filho) também. (EPv/P7)

O café da manhã geralmente é uma vitamina... eu só tomo um cafezinho. Depende do tempo que a gente tiver... Às vezes a gente perde o horário, e aí fica difícil... (EPv/P8)

(...) Às vezes, de manhã, eles não querem comer frutas, né? Aí você pega o chambinho60, que é mais prático, entendeu? Vamos comer um chambinho! Vamos tomar aqui um cereal! Daqueles de nescauzinho, com leite, que mesmo não sendo saudável, pelo menos tem leite, né? E às vezes a gente acaba fazendo um pouco os gostos que é prá ver se as crianças se alimentam... (CE/P8)

O café da manhã é um transtorno... É aquele horário horrível, em cima da hora, atrasada, atrasada, né? (CE/P3)

Então é sempre assim: leite com Sustagem61 ou então leite com Nescau. Agora a irmã dele já vai pro cereal. E eu... é desse jeito: saio correndo de manhã, só como na escola . (EPv/P9)

59 Dados apresentados em apêndice.

60 Iogurte fabricado pela Nestlé. www.nestle.com.br.

O desjejum dos alunos da escola pública já apresenta características diferentes. O corre-corre comentado anteriormente já não é tão evidente, tendo sido relatado apenas na fala de uma mãe:

Em período de aula é o corre-corre... Eu acordo muito cedo prá fazer o almoço e a merenda, né? Prá ela vir pra escola. Ou eu faço um mingau ou então faço uma vitamina de banana. Às vezes ela só toma o leite. Aí, quando é nove horas, ela lancha na escola. (EPb/P15)

O corre-corre relatado por estes sujeitos é uma condição dos dias atuais que interfere significativamente nos hábitos alimentares da população, principalmente nos grandes centros urbanos. Garcia (1994) investigou acerca das representações sociais da comida no centro da cidade de São Paulo e observou que as práticas delineadas pela dinâmica da vida urbana são fatores preponderantes na escolha dos alimentos e na forma de comer.

O mesmo podemos inferir quando os pais entrevistados neste estudo afirmam-se tomados por esta correria cotidiana que interfere sobremaneira nas suas vivências alimentares. Este aspecto também foi observado no cotidiano dos professores, conforme apresentamos no capítulo acerca das representações do ato de comer bem elaboradas por estes sujeitos. Mais significativo ainda foi constatar que uma das mães da escola privada que citou a falta de tempo para se alimentar corretamente é professora de uma escola pública, e a única mãe da escola pública que apresentou o mesmo quadro é auxiliar de professora de uma escolinha privada de Educação Infantil. Certamente, comer às pressas não é um infortúnio apenas dos professores, mas um reflexo do estilo de vida globalizado, conforme afirma Bleil (1998) no seu estudo sobre o padrão alimentar ocidental. Foi possível constatar, porém, o quanto a falta de tempo acarreta os maus hábitos alimentares e, conseqüentemente, outros transtornos que comprometem o bem-estar dos nossos sujeitos.