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Alteração na AV Mobilizar-se

No documento A dor na pessoa com ferida crónica (páginas 74-78)

PARTE II – ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

5. Apresentação e análise dos dados

5.3 O IMPACTO DA DOR NAS DIFERENTES ATIVIDADES DE VIDA DA PESSOA COM FERIDA CRÓNICA

5.3.2 Alteração na AV Mobilizar-se

5. Apresentação e análise dos dados

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“Tenho que estar quieta e não fazer nada porque tenho de descansar para não me doer a perna. Custa muito. Nem sair à rua. Não. Sair à rua é horrível. Tenho alturas que nem um garrafão de água posso trazer com as dores. Não posso trazer nada nos braços”. (E6)

“Mas quando está com mais dor não consegue sair? Não. Não. Porque não estou bem com a dor, para andar”. (E8)

Uma das entrevistadas referiu que apesar de a dor ser intensa, por vezes tinha que sair na mesma de casa para realizar certas tarefas que eram realmente necessárias, apesar do sofrimento que sentia.

“E para sair para ir às compras? Não, não ia. Quando eu estava pior da dor não ia. Mas quando eu via que realmente era capaz de ir, ia. Mesmo que me doesse, olhe, tinha que chegar a casa e sentar-me. (…) Às vezes ia com muitas dores, para me ir aviar. Eu ia à mesma. Eu ia à mesma. Ah... Às vezes vinha de lá que nem estava a ver o carro. Nem estava a ver o carro. Por isso é que eu pedi os comprimidos ao médico”. (E5)

“Então e as compras da casa? Isso era ao fim de semana. E ia com dores. Claro. Tinha que

comprar para ficar, para me abastecer. Tinha que ser assim. Pronto”. (E10)

“Entretanto, eu piorei e estava quase sempre de cama, porque sentia uma dor... Horrível. (…) Havia dias que não conseguia andar bem, coxeava muito. (…) O prédio tem umas escadas. E nos primeiros dias eu tinha que vir de recuo. Não conseguia pôr bem o pé no chão, por causa da dor”. (E1)

Para um dos entrevistados o facto de não se poder mobilizar devido à dor, alterou os seus hábitos alimentares, impedindo-o por vezes de fazer refeições em família.

5. Apresentação e análise dos dados

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“Sou casado. Ela ajuda-me. Às vezes... Quase sempre. Tem que me levar o almoço à cama e o jantar à cama. Algumas vezes, quando tenho mais dores. Outras vezes vou comer à mesa. Porque eu tenho dores sentado. Não almoçando no quarto, estou sentado e as pernas estão para baixo como estão agora. E eu às vezes almoço no quarto sozinho e ela sozinha na cozinha. Outras vezes vou à mesa”. (E7)

Este individuo refere ainda que evita a mobilização ao máximo, devido à dor que lhe provoca.

“Às vezes a andar custa-me muito. Eu só ando, senhora enfermeira, desculpe falar, quando vou à casa de banho fazer as necessidades fisiológicas”. (E7)

Alguma das entrevistadas, referiram ainda que necessitaram de recorrer a auxiliares de marcha (ainda que uma delas tenha sido temporariamente) devido à dor associada à ferida, para se poderem mobilizar. Uma delas tem 47 anos e necessitou de recorrer temporariamente ao uso de canadianas para se poder deslocar, o que não é expectável para alguém da sua idade. “Para aqueles que sucumbem a uma doença ou ferimento que os imobilize, poderá significar a adaptação a um estilo de vida com menor atividade física mas de igual realização pessoal: a adaptação poderá ser temporária ou necessitar de uma vida inteira de adaptações. É importante que em qualquer grupo etário as pessoas com ajudas à deslocação, sejam levadas a compreender a sua importância enquanto pessoas” (Roper, Logan e Tierney, 2001).

“Depois por causa disso tudo, por causa das dores e da falta de força, não posso andar sem andarilho”. (E3)

“Ao princípio eu não conseguia pôr o pé no chão. Eu tive que andar de muletas e tudo. Eu não conseguia pôr o pé no chão. (…) Agora já não. Tive que andar com as muletas lá por casa e assim. Tive que andar. Agora, graças a Deus, não ando muito depressa, mas ando devagar e devagar também lá chego”. (E2)

5. Apresentação e análise dos dados

75 A incapacidade de mobilidade provocada pela dor, faz com que se torne necessário o apoio de outras pessoas para que consigam realizar certas atividades do dia-a-dia, o que acaba por incutir um sentimento de dependência dessa ajuda.

“O meu marido chegou a vir-me aqui pôr. Eu dizia-lhe assim: "Vai-me lá pôr na mota. Ah... Vai-me lá pôr ao posto médico, que eu não posso pôr o pé no chão com tanta dor. " E ele vinha. E Eu não moro assim muito longe”. (E5)

No entanto, nem sempre os membros da família estão dispostos ajudar nos momentos de maior dependência, tal como foi referido por algumas entrevistadas, inibindo-as de pedir ajuda. “É desejável que as pessoas sãs tenham maior consciência da forma como as pessoas podem ser auxiliadas a alcançar um estilo de vida satisfatório nas situações de trabalho, descanso, divertimento e família” (Roper, Logan e Tierney, 2001).

“… também não é um filho que me dê muito apoio. Às vezes vem me aqui pôr ao posto médico, quando eu estou com mais dores. Mas custa-me pedir, porque também não posso estar com muitas coisas com ele, porque ele pronto… Diz que tem a vida dele”. (E8)

“Tive alturas em que eram eles que me tinham que fazer os recados. À quarta e ao sábado, o meu filho mais novo ia comigo à praça às sete horas da manhã e depois deixava-me em casa e ia trabalhar. Ia-me pôr as coisas a casa, porque eu tenho dezasseis degraus para subir. É difícil. Às vezes há coisas nos supermercados maiores mais em conta, mas o meu outro filho nem sempre quer ir comigo. São diferentes”. (E6)

Existe ainda uma outra dimensão da incapacidade em se mobilizar, relacionado com a exposição dessa dificuldade publicamente. Para alguns dos entrevistados ter de sair à rua a coxear, leva-os a contactar com outras pessoas e a ter de ouvir certos comentários sobre a sua incapacidade, contribuindo para sentimentos de vergonha. “As pessoas dependentes na sua mobilização, podem ficar chocadas com a atitude pública para com a dependência” (Roper, Logan e Tierney, 2001).

5. Apresentação e análise dos dados

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“Uma pessoa vai na rua e as pessoas mais velhas: "Tu vens tão coxa. Estás tão empenada”. Eu por vezes digo ao meu marido: eu antes não quero sair. Deixa-me estar em casa. Se queres vai tu. Às vezes vou com ele para fora da terra. Ao menos ninguém me conhece. Não sabem se sou empenada ou não. Se estou melhor. Se estou pior. Parece que gostam de ver as pessoas mal”.

(E4)

“Eu tenho vergonha de andar na rua. Pareço uma velha. Sou pior que certas velhas. Coxeio por causa da dor. Estou toda empenada. Eu a andar sinto-me pior que certas velhas de 80 anos. (chorosa) Uma pessoa que sempre se mexeu para tudo e mais alguma coisa, ver-se nesta situação é muito complicado”. (E4)

“Hoje em dia, os adultos de todas as idades são mais saudáveis, estão mais informados e em melhores posições do que estava a geração anterior. (…) O grupo da meia idade continua a aumentar a esperança de vida máxima. (…) Algumas pessoas de meia idade têm problemas de saúde, enquanto que outras se preocupam por ter uma vida saudável, realçando a dieta o exercício e a preparação física” (Roper, Logan e Tierney, 1990). Talvez por isso, seja tão difícil para esta última entrevistada referida aceitar a sua condição e a sua incapacidade ao comparar-se com pessoas que se encontram na velhice e não na meia-idade como ela (tem apenas 50 anos), o que provoca sentimentos de vergonha e sofrimento.

De acordo com Roper, Logan e Tierney (2001), a maioria das pessoas passa um terço do dia a dormir e o resto a trabalhar e a distrair-se, logo é natural que esta seja uma AV muito valorizada, sendo afetada por múltiplos aspetos.

Quanto ao trabalho/emprego, 42% dos entrevistados referiram que se reformaram antecipadamente por não conseguirem continuar a sua atividade profissional devido à dor associada à ferida. Segundo Baharestani (2004), num estudo realizado, todos os pacientes sentiam que a úlcera de perna limitava a sua capacidade de trabalho e 50% acrescentam que os seus trabalhos obrigavam a estar de pé a maior parte dos seus turnos.

No documento A dor na pessoa com ferida crónica (páginas 74-78)