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CAPÍTULO II Caracterização inicial de um isolado de Moniliophthora perniciosa com

4. Alterações do transcriptoma em resposta ao tratamento com azoxistrobina

Os resultados anteriores confirmam a existência de variação entre os isolados e, ainda, dão indícios de uma atípica e extensa variação na transcrição dos genes do isolado mais resistente a estrobilurina (NMC01). Entretanto, não são apenas as diferenças entre genótipos que levam à expressão de um enorme conjunto de genes em NMC01. A análise dos genes diferencialmente expressos em resposta ao tratamento em cada genótipo também revelou um número desproporcional de genes responsivos à droga no isolado mutante (Figura 10). Observa-se que o isolado FA553 expressa diferencialmente 3930 genes

(23% do genoma) em resposta ao tratamento, já no isolado NMC01 a resposta à droga engloba a transcrição de 10.436 genes (61% do genoma).

Figura 10 – Número de genes diferencialmente expressos em NMC01 em resposta ao tratamento – A) Os

números ao lado de cada um dos genótipos mostram a quantidade de genes diferencialmente expressos em resposta ao tratamento com azoxistrobina (comparação entre micélio tratado versus controle). B) O diagrama de Venn mostra a distribuição proporcional dos genes diferencialmente expressos em resposta ao fungicida em cada genótipo. Nota-se a grande desproporcionalidade do número de genes expressos por NMC01, em comparação com os outros dois genótipos.

Análises preliminares dos genomas dos três isolados, realizadas por Gustavo G. L. Costa, indicaram que não há variações estruturais no genoma de nenhum dos isolados. Não foram detectadas deleções, inserções, ou mesmo duplicações de regiões do genoma.

Adicionalmente, análises do genoma mitocondrial do isolado NMC01 sugerem que não há heteroplasmia. Casos de heteroplasmia têm sido comumente reportados em isolados mutantes (Wood & Hollomon, 2003). Isso é explicado porque o genoma mitocondrial apresenta inúmeras cópias por célula, assim, a transição entre uma mutação em uma

molécula de DNA e mutações em todas as cópias na célula pode levar tempo (Wood & Hollomon, 2003).

Outras análises dos dados de NMC01 deverão ser realizadas, em colaboração com a equipe de bioinformática do Laboratório de Genômica e Expressão, com o objetivo de compreender as particularidades de seu transcriptoma. Além disso, a montagem e análise detalhada do genoma desse isolado estão em andamento. A figura 11 sumariza os genomas disponíveis para montagem e análises comparativas. Esse grupo de genomas permitirá que sejam feitas comparações entre isolados, dentro de uma mesma geração. Além disso, podem ser feitas comparações entre um mesmo isolado, entre as duas gerações diferentes, as quais são separadas por um intervalo de tempo de um ano.

Figura 11 – Conjunto de genomas disponíveis para análises comparativas – A) Foram sequenciadas amostras

de DNA dos isolados FA553 e NMC01 na época do isolamento do “mutante”. B) Um ano após o isolamento das linhagens NMC01 e NMC02, o DNA dos três isolados foi extraído para sequenciamento.

O acesso às possíveis modificações do genoma será de fundamental importância para auxiliar a compreensão dos fenômenos relacionados com estas variações incomuns de seu perfil transcricional. As próximas etapas devem ser direcionadas visando à compreensão do fenômeno por trás deste remodelamento em grandes proporções do transcriptoma de NMC01, e por fim, associá-lo com o fenótipo de tolerância aumentada do fungo.

Os resultados mostraram que as diferenças entre isolados são expressivas e, além disso, em resposta à droga o isolado NMC01 expressa diferencialmente em torno de 61% do genoma. Esta grande porcentagem de genes expressos pode estar correlacionada à alguma desregulação transcricional, o que torna difícil a identificação de funções específicas que possam estar alteradas.

A expressão deste grande número de genes levanta questionamentos quanto à natureza da mutação desta linhagem. Levanta-se a hipótese que as alterações drásticas no transcriptoma possam ser relacionadas a mecanismos reguladores, por exemplo, fatores de transcrição ou elementos epigenéticos de regulação gênica.

Independente da natureza desta mutação, o isolado NMC01 é exemplo da complexidade que pode estar envolvida na determinação de resistência. Além disso, este caso exemplifica o surgimento e seleção de linhagens com tolerância aumentada à droga diante da exposição prolongada ao fungicida. Ressalta-se nesse contexto, a necessidade de estratégias racionais para utilização do controle químico de patógenos, as quais minimizem a possibilidade da seleção de linhagens resistentes.

CONCLUSÕES

O efeito tóxico da Azoxistrobina é primariamente relacionado ao impedimento da síntese de ATP no organismo e a geração de estresse oxidativo. Em organismos que possuem uma ou mais cópias do gene da oxidase alternativa, no entanto, a indução da via respiratória alternativa limita a toxicidade dessas drogas. Porém, em consequência da indução da via alternativa, o organismo tem que lidar com a eminente diminuição da provisão de ATP. As análises do transcriptoma de M. perniciosa revelaram características até então inexploradas relacionadas à resposta de fungos a essa droga, mostrando diferentes conjuntos de genes expressos que podem desempenhar papéis importantes em resposta aos efeitos do fungicida.

Em um primeiro plano, os resultados indicaram que em resposta à inibição da cadeia respiratória principal, M. perniciosa exibe um extenso remodelamento do metabolismo. A indução de componentes do metabolismo aeróbico (ciclo de Krebs e cadeia respiratória) é acompanhada pela indução de genes do catabolismo de lipídios, do ciclo do glioxilato, da gliconeogênese e do catabolismo de aminoácidos. Essas alterações levam a crer que diante da inibição da cadeia respiratória, as células do fungo exibem um rearranjo metabólico semelhante ao que ocorre em resposta a uma situação de “starvation”. De maneira concordante, os resultados indicaram a inibição de processos relacionados à biossíntese de esteróis, síntese de ribossomos e ao ciclo celular. Este conjunto de resultados indica que o fungo prioriza a obtenção de energia, em detrimento da realização de processos celulares que podem ser energeticamente dispendiosos. Desta maneira, M. perniciosa resiste ao tratamento com a droga, mas tem sua taxa de crescimento afetada.

Em paralelo ao remodelamento do metabolismo, os resultados indicam um segundo plano da resposta à droga que compreende uma ampla gama de fatores associados à resposta ao composto exógeno (como transportadores de drogas e citocromos P450). Além disso, durante a resposta imediata ao tratamento com estrobilurina, foi detectado um amplo arsenal de mecanismos que mitigam os efeitos tóxicos das espécies reativas de oxigênio, que são produzidas em situações de inibição da cadeia respiratória. O conjunto de todos esses fatores permite que o fungo sobreviva ao tratamento com azoxistrobina, ou seja, diante do estresse agudo, esses mecanismos oferecem suporte para que a integridade celular seja mantida.

A ativação desses mecanismos de tolerência pode permitir ainda a sobrevivência do fungo em casos de exposição prolongada ao fungicida, como evidenciado nos experimentos em placa na presença de droga. Em um cenário no qual o efeito da droga envolve a geração de espécies reativas de oxigênio (associadas à geração de mutações no DNA), o surgimento e seleção de isolados mutantes é altamente favorecido. De fato, em nosso laboratório, foi realizado o isolamento de um possível mutante de M. perniciosa com fenótipo de resistência aumentada à droga. A análise das alterações transcricionais deste isolado em resposta ao tratamento com a droga bem como a comparação de seu transcriptoma com o de isolados selvagens, revelaram atípicas e extensas alterações transcricionais, o que leva inclusive a cogitar o possível papel de alterações epigenéticas associadas ao fenótipo de tolerância aumentada à azoxistrobina.

Os resultados do projeto indicam os possíveis mecanismos de resistência e proteção de M. perniciosa em resposta ao tratamento com estrobilurinas. Esses mecanismos permitem a sobrevivência do fungo e, em longo prazo, podem propiciar a seleção de linhagens resistentes. Em vista disso, a consideração desses mecanismos é fundamental para que ocorra o delineamento de estratégias racionais de uso das estrobilurinas, a fim de prevenir o surgimento de linhagens resistentes. Além disso, propõe-se exploração desses fatores responsivos à droga como potenciais alvos de novas moléculas inibitórias. Esses fatores podem ser mitigados quimicamente durante o tratamento com os fungicidas tradicionais e ter, assim, efeito sinérgico. Essa estratégia de inibição conjunta é interessante, pois um evento de resistência demandaria o surgimento de múltiplas mutações, o que é muito mais raro. Portanto, estima-se que o entendimento dos fatores envolvidos na resistência possa prover alternativas que permitam a manutenção da alta eficiência dessa importante classe de fungicidas.