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CAPÍTULO I – Investigação dos mecanismos moleculares associados à tolerância a

2. Visão geral das alterações transcricionais em M perniciosa em resposta ao tratamento

2.1. Indução de componentes da cadeia respiratória celular em resposta à

A azoxistrobina inibe o sítio de uma enzima da cadeia resporatória mitocondrial (complexo III). A análise do transcriptoma de M. perniciosa indica que, diante desta inibição, ocorre a indução de componentes enzimáticos da cadeia respiratória (Figura 9 e Tabela 1). É possível que o aumento da transcrição desses componentes respiratórios possa ser uma maneira de compensar os efeitos do sítio inibido.

Figura 9 – M. perniciosa induz componentes da cadeia respiratória em resposta ao tratamento – A

numeração associada aos complexos proteicos mostrados indica os genes induzidos em resposta ao tratamento. Os números fazem referência à Tabela 1, na qual são listados os genes de M. perniciosa que codificam subunidades de cada um dos complexos indicados.

Tabela 1 – Genes codificantes dos componentes da cadeia respiratória mitocondrial induzidos em resposta ao tratamento – Lista de genes de M. perniciosa que codificam componentes da cadeia respiratória e que se

encontram induzidos em resposta ao tratamento. Os genes desta lista figuram em diversas categorias de GO relacionadas ao metabolismo aeróbico, todas as quais se mostraram enriquecidas: GO:0070469 -respiratory chain, GO:0045273 - respiratory chain complex II, GO:0006119 - oxidative phosphorylation, GO:0045259 - proton-transporting ATP synthase complex, GO:0045261 - ATP synthase complex, catalytic core F(1), GO:0046933 - hydrogen ion transporting ATP synthase activity, GO:0045333 - cellular respiration, GO:0009060 - aerobic respiration. Os números nos círculos fazem referência aos complexos proteicos mostradas na figura 9. Os pontos do tempo nos quais os genes encontram-se diferencialmente expressos (FDR≤0.01) encontram-se destacados em verde.

Entre os componentes da cadeia respiratória, é notável a indução do gene codificante da enzima oxidase alternativa. A expressão desta enzima indica a ativação da via alternativa de transporte de elétrons em resposta à inibição da cadeia principal. De fato, inibidores da cadeia respiratória principal são conhecidos indutores da transcrição do gene da oxidase alternativa em plantas e fungos (Siedow & Umbach, 2000). No caso de M. perniciosa, como esperado (Thomazella et al., 2012), observou-se que o gene Mp-aox (MP01927) tem expressão consistentemente induzida, aumentando significativamente ao longo do tempo (Figura 10).

Figura 10 – O gene Mp-aox é induzido em resposta à inibição da via principal – A) Comparação dos perfis de

expressão do gene Mp-aox com um gene de expressão constitutiva (actina). Nota-se o aumento gradual da expressão do gene Mp-aox nas amostras tratadas. O gene da actina, por sua vez, não exibe variação significativa quando comparadas as amostras controle e tratadas. Dados em RPKM (reads per kilobase per million mapped reads). B) Perfil de expressão do gene Mp-aox em termos de fold change, a expressão atinge valores altos com o decorrer do tempo, o gene chega a ser quase sete vezes mais expresso diante da exposição do fungo à droga.

A indução dessa enzima, no entanto, tem efeitos diretos no suprimento de ATP celular. O transporte de elétrons pela AOX não é acoplado com a translocação de prótons que precede a síntese de ATP. Além disso, a ativação dessa via respiratória alternativa transpassa dois do três complexos que translocariam prótons para o espaço intermembranas mitocondrial (Siedow & Umbach, 2000). Como consequência, a ativação da via alternativa resulta em apenas um sítio (complexo I) acoplado com a fosforilação oxidativa (fosforilação do ADP em ATP), resultando em uma produção de ATP de aproximadamente um terço daquela realizada pela cadeia respiratória principal em condições sem inibição (Siedow & Umbach, 2000).

Neste cenário, diante da diminuição na disponibilidade de ATP que segue a indução da AOX, hipotetiza-se que a razão ATP/ADP se mantenha baixa, o que poderia justificar o estímulo do metabolismo aeróbico. Observa-se inclusive a indução de subunidades da ATP- sintase mitochondrial, indício de que os efeitos da inibição possam ser mitigados pelo aumento do nível dos componentes da respiração celular.

Wood e Hollomon (2003) discutem que em situações de inibição química da via respiratória principal, a indução dos complexos da cadeia respiratória pode acontecer. Através desse reajuste, organismos capazes de usar a AOX como oxidase terminal conseguem manter certos níveis de ATP, mesmo perante o declínio da eficiência do bombeamento de prótons. De fato, a indução de outros componentes da cadeia de transporte de elétrons perante a inibição química da via principal já foi observada em outros fungos (Botrytis cinerea, Mycosphaerella graminicola, Podospora anserina). Nestes casos, a inibição dos complexos III e IV, juntamente com a indução da AOX, desencadearam a aceleração do consumo de oxigênio, a qual é proporcional à velocidade de oxidação de cofatores pela cadeia respiratória (Wood & Hollomon, 2003).

Sumariamente, diante da inibição da cadeia respiratória principal, a indução da AOX permite que a respiração celular continue, uma vez que esta enzima transpassa o sítio inibido e funciona como oxidase terminal. A indução, no entanto, implica na diminuição da produção de ATP pela célula. Diante desta situação, a indução dos componentes da cadeia principal, como a ATP-sintase, pode indicar uma tentativa de compensação desse efeito por meio do aumento da atividade respiratória.

2.2. Indução de enzimas do ciclo de Krebs em resposta ao tratamento

A indução da AOX permite que a respiração celular continue em situações de inibição da via respiratória principal. Isso implica que a indução dessa via alternativa permita também que o funcionamento o Ciclo de Krebs continue nessas condições (Moore, Albury, Crichton, & Affourtit, 2002).

A operação do ciclo do ácido cítrico requer a reciclagem de NADH, a qual é processada pela entrada de elétrons na cadeia respiratória via complexo I (Fernie, Carrari, & Sweetlove, 2004). Como discutido anteriormente, a indução de componentes da cadeia respiratória dão indícios de que a reciclagem de cofatores reduzidos esteja ocorrendo. Assim, uma vez que o os cofatores gerados no ciclo de Krebs podem ser oxidados na cadeia respiratória, é interessante notar que genes que codificam enzimas desse ciclo encontram-se induzidos no tratamento. A figura 11 e a tabela 2 mostram os componentes do ciclo de Krebs que estão induzidos em resposta ao tratamento.

Figura 11 – Genes que codificam enzimas do Ciclo de Krebs são induzidos em resposta ao tratamento – As

setas verdes representam os genes induzidos em resposta ao tratamento, os números em cada reação fazem referência à Tabela 2, na qual são listados os genes de M. perniciosa que codificam as enzimas que catalisam as reações induzidas em destaque. A indução desses genes reforça a hipótese da indução do metabolismo aeróbico.

Tabela 2 - Genes do Ciclo de Krebs diferencialmente induzidos - Lista das enzimas do ciclo de Krebs (ciclo do

ácido cítrico) que compõem a categoria GO:0006099, a qual mostrou-se enriquecida na análise das amostras do fungo tratado com Azoxistrobina. Os números nos círculos fazem referência às reações mostradas na figura 11. Os pontos do tempo nos quais os genes encontram-se diferencialmente expressos (FDR≤0.01) encontram- se destacados em verde.

Como discutido anteriormente, a indução da respiração alternativa mediada pela AOX resulta na diminuição do ATP celular (Siedow & Umbach, 2000). Assim, pressupõe-se que razão ATP/ADP celular se mantenha baixa diante do tratamento. Diante de razões ATP/ADP baixas, o gradiente eletroquímico gerado na respiração celular é rapidamente dissipado para geração de ATP (Lehninger, 2008). Nestes cenários, a síntese de ATP é estimulada. Em consequência, o transporte de elétrons, a oxidação das coenzimas e o consumo de oxigênio são acelerados. Por fim, a velocidade das vias que dependem da reciclagem de coenzimas oxidadas pela cadeia transportadora de elétrons, o ciclo de Krebs, por exemplo, é também regulada pela razão ATP/ADP (Marzzoco, 1999). Este conjunto de resultados reforça a ideia de que a indução de componentes do metabolismo aeróbico atue no sentido de compensar a depleção de ATP imposta pela droga.

2.3. Remodelamento do metabolismo primário de M. perniciosa em resposta à droga

A indução de genes que codificam subunidades da cadeia respiratória e do ciclo de Krebs é acompanhada pela indução de genes relacionados a vias que geram os intermediários necessários para o funcionamento deste ciclo. Notavelmente, uma das principais alterações observadas no transcriptoma do fungo tratado com azoxistrobina refere-se ao metabolismo primário. Neste cenário, além de enzimas do ciclo de Krebs, foi detectada a indução de genes que codificam enzimas das vias de glicólise e gliconeogênese.

A glicólise e a gliconeogênese são vias que atuam em direções opostas e compartilham diversas enzimas, porém não são idênticas. A diferença é dada por reações irreversíveis, específicas a cada uma das vias. No caso da glicólise, as enzimas que catalisam as reações esprecíficas são a Hexoquinase, a Fostofrutoquinase 1 e a Piruvato quinase (Lehninger, 2008). Já entre as enzimas específicas da gliconeogênese estão a Fosfoenolpiruvato carboxiquinase (PEP carboxiquinase), que converte oxaloacetato em fosfoenol piruvato, e a Frutose-1,6-difosfatase, que atua na conversão de fructose-1,6- bifosfato para fructose-6-fosfato. (Hynes et al., 2007). A figura 12 esquematiza essas duas vias e indica as enzimas exclusivas a cada uma delas. De maneira interessante, foi detectada a indução de genes de M. perniciosa homólogos às enzimas PEP carboxiquinase (MP01142) e Frutose-1,6-difosfatase (MP00139). A figura 12 mostra as reações catalisadas por essas enzimas e a tabela 3 detalha os valores de expressão dos genes que as codificam. Essas enzimas, que catalisam reações exclusivas à gliconeogênese, mostraram-se induzidas em todos os pontos do tempo, o que pode ser indício do favorecimento desta via em detrimento da glicólise.

Também foi detectada a indução do gene que codifica uma piruvato carboxilase (MP04743), outra enzima que catalisa uma reação irreversível exclusiva à via da gliconeogênese (Figura 12). A indução dessas enzimas que catalisam reações irreversíveis pode indicar que a gliconeogênese esteja favorecida em detrimento da glicólise. Diante desta observação, hipotetiza-se que apesar do metabolismo aeróbico do fungo estar evidentemente induzido, outras fontes, que não a glicólise, poderiam estar suprindo o ciclo de Krebs com intermediários.

Figura 12 - Esquema representativo das vias de glicólise e gliconeogênese - Enzimas que catalisam reações

irreversíveis da glicólise estão destacadas em rosa. Enzimas que catalisam reações irreversíveis da gliconeogênese estão destacadas em azul. As setas verdes representam os genes induzidos em resposta ao tratamento, os números em cada reação fazem referência à Tabela 3, na qual são listados os genes de M. perniciosa que codificam as enzimas que catalisam as reações induzidas em destaque. Observa-se a indução de genes que catalisam reações irreversíveis da gliconeogênese, o que suporta a hipótese de que na condição imposta pelo tratamento, esta via possa estar favorecida em detrimento da glicólise.

Tabela 3 – Genes da via de gliconeogênese diferencialmente induzidos – Lista das enzimas da via da

gliconeogênese que compõem a categoria GO:0006094, a qual mostrou-se enriquecida na análise das amostras do fungo tratado com Azoxistrobina. Os números nos círculos fazem referência às reações mostradas na figura 12. Os pontos do tempo nos quais os genes encontram-se diferencialmente expressos (FDR≤0.01) encontram- se destacados em verde.

Em um estudo recente com Fusarium kyushuense, foi constatado que diante da inibição por Azoxistrobina, a glicose do meio de crescimento não é metabolizada (Wang et

al., 2015). No caso específico de M. perniciosa, é intrigante notar que a glicólise possa estar

desfavorecida, uma vez que genes do ciclo de Krebs e da respiração celular mostram-se induzidos. Neste cenário, é possível que ocorra um rearranjo metabólico diante da ação da droga, o qual deve alterar as fontes geradoras de intermediários que alimentam o Ciclo de Krebs.

2.4. Inibição da via respiratória principal induz genes necessários para a