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1. INTRODUÇÃO

1.6. ALTERAÇÕES RESULTANTES E REPERCUSSÕES CLÍNICAS DA

A constrição prematura do ducto arterioso, com consequente alteração da dinâmica ductal, pode gerar repercussão importante na circulação fetal, causando insuficiência cardíaca, hidropisia e hipertensão pulmonar neonatal persistente, podendo resultar, até mesmo, em óbito fetal ou neonatal nos casos com evolução prolongada 108, 137.

A maior resistência no ducto arterioso ocasiona turbilhonamento do fluxo sanguíneo, evidenciado pelo aumento das velocidades sistólica e diastólica, e diminuição do índice de pulsatilidade ductal. Como consequência, ocorre dilatação do tronco da artéria pulmonar, do ventrículo e do átrio direito, insuficiência tricúspide e pulmonar, com disfunção sistólica e diastólica dos ventrículos 96, 138, 139.

Conforme descrito anteriormente, o ducto arterioso redireciona cerca de 90% do fluxo sanguíneo ejetado pelo ventrículo direito para a aorta descendente do feto 4. A constrição ductal prematura causa aumento da pressão da artéria pulmonar e do ventrículo direito e aumenta a pós-carga do ventrículo direito. Tendo em vista que a reserva cardíaca fetal é limitada 20, 140, o aumento da pós-carga resulta em diminuição do volume ventricular ejetado, aumento da pressão diastólica ventricular e atrial direita e consequente aumento do volume e hipertrofia do ventrículo direito 141.

A redistribuição de fluxo sanguíneo é caracterizado pela redução do fluxo ejetado do coração direito e aumento do shunt através do forame oval 137. O fluxo é direcionado através do forame oval para o átrio e o ventrículo esquerdo, causando sobrecarga volumétrica das cavidades esquerdas e dilatação da cavidade ventricular esquerda 89, 142. Há um aumento no débito do ventrículo esquerdo e no fluxo arteriolar pulmonar. Essa redistribuição de fluxo mantém a perfusão periférica e pode explicar

os achados da experiência clínica que demonstram que a constrição ductal grave é bem tolerada por 2 a 3 dias no feto humano. Entretanto, pode haver evolução para descompensação cardíaca, uma vez que o aumento compensatório do débito ventricular esquerdo é menor do que a redução no débito ventricular direito 87, 129, 143,

144

. O débito ventricular direito diminui aproximadamente 70% e o débito ventricular esquerdo aumenta cerca de 20%, com queda no débito ventricular combinado em torno de 35% 98. Na constrição ductal aguda e grave, a área diastólica e sistólica final dos ventrículos pode estar aumentada, associado à diminuição na fração de ejeção ventricular direita 96, 138.

Os ventrículos, durante o período fetal, apresentam menor complacência 22 e qualquer estado patológico que resulte em aumento de volume ou pressão nas cavidades direitas cardíacas pode estar associado com hipertensão venosa sistêmica e contribuir para o desenvolvimento de edema sistêmico 144. A relação de hidropisia fetal não-imune e a constrição prematura do ducto arterioso foi descrita em necropsia realizada em feto com diagnóstico de constrição ductal e sinais de insuficiência cardíaca, além de marcada dilatação das cavidades direitas e da artéria pulmonar 142.

A constrição parcial do ducto arterioso fetal pode aumentar a pós-carga do ventrículo direito e causar alterações transitórias na fração de encurtamento e diâmetro do ventrículo. O aumento na pós-carga do ventrículo direito, que está associada em alguns casos com regurgitação tricúspide 100, pode interferir no balanço hemodinâmico entre os ventrículos e através desse mecanismo causar dilatação do ventrículo esquerdo 117. O aumento nas dimensões cardíacas em fetos com constrição ductal parece ser mais proeminente nos casos que cursam com regurgitação tricúspide concomitante 94. A constrição ductal intra-uterina pode causar insuficiência tricúspide transitória ou permanente. Sugere-se que o aumento súbito da pressão e da demanda

do ventrículo direito resulte em mudanças da arquitetura miocárdica, afetando os músculos papilares da valva tricúspide. O desaparecimento da regurgitação tricúspide após a redução da pós-carga sustenta essa hipótese 145.

A repercussão hemodinâmica pode ser variável conforme a gradação da constrição ductal. Geralmente o comprometimento hemodinâmico leve cursa com regurgitação leve da valva tricúspide e/ou pulmonar, sem dilatação das cavidades cardíacas. A repercussão moderada apresenta regurgitação valvar tricúspide com dilatação das cavidades, sem hipertrofia e/ou disfunção contrátil do ventrículo direito. No caso do comprometimento grave, constata-se regurgitação valvar tricúspide ou pulmonar importante, atresia pulmonar funcional, dilatação das cavidades associada à hipertrofia ventricular direita e/ou alteração da função contrátil do ventrículo direito. Também foi classificado como repercussão grave a presença de oclusão total do ducto arterioso, hidropisia fetal e, alternativamente, a presença de um índice de pulsatilidade menor do que 1, associado a qualquer repercussão hemodinâmica, como já comentado

137, 146, 147

.

A administração de indometacina, conforme descrito anteriormente, pode ocasionar constrição ductal 109. Foi demonstrado em estudo de fetos entre 28 e 32 semanas de idade gestacional, após uso de indometacina, que a medicação apresenta efeito constritivo sobre o ducto arterioso com redução significativa do índice de pulsatilidade. Há associação com alterações secundárias, especialmente no ventrículo direito, devido ao aumento da pós-carga. Essas alterações estavam relacionadas com o aumento do diâmetro diastólico final de ambos os ventrículos e significativa redução da fração de encurtamento do ventrículo direito. As alterações foram observadas após cerca de 4 horas da administração da droga e a normalização dos parâmetros ocorreu aproximadamente 24 horas após a suspensão da medicação 117.

A normalização das velocidades ductais em fetos com constrição ductal estabelecida pode ocorrer em até 12 horas após a suspensão da indometacina 34. Embora a constrição ductal induzida por indometacina seja reversível, a terapia prolongada por mais de duas semanas pode levar a constrição irreversível do ducto arterioso 148. É importante ser ressaltado que a presença do ducto arterioso patente, sem alteração no fluxo ductal após 24 a 72 horas do uso de indometacina, pode sugerir que não ocorra comprometimento do funcionamento ductal fetal, porém a ação deletéria pode ocorrer após várias semanas 149.

Estudo experimental em ratas grávidas submetidas à administração de indometacina, com aumento de pós-carga secundário à constrição ductal, demonstrou que, inicialmente, o coração fetal apresenta crescimento proliferativo. Entretanto, com o passar do tempo, a hiperplasia é substituída por apoptose e hipertrofia cardíaca com aumento de até 1.4 vezes o volume dos cardiomiócitos, além de adquirir um padrão fenotípico de crescimento hipertrófico por sobrecarga de volume 150. Essas alterações decorrentes do uso de indometacina corroboram os achados de aumento do volume ventricular direito e esquerdo em estudos experimentais 151.

O fechamento prematuro do ducto arterioso intra-uterino associado ao uso de inibidores da prostaglandina pode resultar em insuficiência cardíaca 142, 152-156. Se houver constrição aguda grave, por exemplo, pode ocorrer alteração do fluxo sanguíneo placentário e da performance miocárdica, resultando em óbito fetal 157. Existem relatos de casos de morte fetal causada por insuficiência cardíaca após uso materno crônico de indometacina 158.

Sugere-se que as alterações hemodinâmicas secundárias à constrição ductal evoluem com dilatação do ventrículo direito e, posteriormente, sinais de insuficiência cardíaca e finalmente hipertrofia concêntrica, com diminuição da cavidade ventricular

direita por aumento da massa, associada à dilatação e hipertrofia ventricular esquerda. Após a ocorrência de insuficiência cardíaca fetal, as anormalidades funcionais do ventrículo direito podem persistir no período neonatal, mesmo nos pacientes com boa evolução clínica 108, 159.

Associado com o desenvolvimento de insuficiência cardíaca, a hipertensão pulmonar pode ocorrer em mais da metade dos neonatos expostos à indometacina após 32 semanas de gestação, frente ao aumento do fluxo pulmonar e elevação da pressão diastólica do ventrículo direito em razão da constrição ductal 99, 105, 109. Estudos demonstraram que a constrição prematura do ducto arterioso farmacológica

160, 161

ou mecânica pode acometer o ventrículo direito e resultar em mudanças morfológicas da vasculatura pulmonar, com alteração do leito vascular pulmonar 99. Esse pode ser o mecanismo fisiopatológico da hipertensão pulmonar neonatal persistente ocasionado pela constrição ductal 98, 145, 162.

A ligadura mecânica ductal em fetos de ovelhas resulta em um aumento de aproximadamente 200% no fluxo sanguíneo pulmonar e 22% de aumento na pressão da artéria pulmonar 163. Se o feto tolerar a constrição ductal, há risco substancial de desenvolver hipertensão pulmonar crônica pós-natal 145, 164-166. A constrição ductal foi utilizada como modelo experimental de hipertensão pulmonar fetal e neonatal na maioria dos estudos visando aprofundar o conhecimento sobre essa patologia 145.

O número de vasos periféricos pulmonares, durante a 2a metade da gestação, aumenta cerca de 40 vezes, enquanto o peso pulmonar aumenta somente 4 vezes, portanto o número de vasos pulmonares periféricos por unidade pulmonar aumenta em 10 vezes. Entretanto, o fluxo sangüíneo através das artérias pulmonares mantém- se inalterado. Acredita-se que a manutenção da resistência vascular pulmonar elevada seja resultante de uma vasoconstrição mediada, sendo a hipóxia o principal fator

determinante. Dentre os fatores fisiológicos responsáveis pela manutenção da resistência vascular pulmonar elevada durante a vida fetal estão a acidose, a estimulação nervosa simpática, as catecolaminas, os metabólitos do ácido aracdônico e a endotelina 167. A predominância do aumento na espessura da camada muscular e da massa da via aérea, em relação à vasoconstrição arteriolar, é uma característica resultante da constrição ductal, e é menos descrita na hipertensão pulmonar do recém- nascido secundária a outra etiologia 168, 169.

Em estudos experimentais, a constrição do ducto arterioso pela ação de inibidores de prostaglandinas pode gerar alterações das arteríolas pulmonares e resultar em hipertensão pulmonar fetal 145, 162, 170, 171. O bloqueio da síntese de prostaglandinas tem um efeito direto nas arteríolas pulmonares de fetos de mamíferos

17, 172

. A constrição crônica do ducto arterioso redistribui o fluxo sangüíneo para o leito vascular pulmonar constrito, podendo causar remodelamento do leito vascular periférico, dos brônquios terminais até os ácinos 161, 173. Na presença de constrição ductal moderada ou crônica pode haver hipertensão pulmonar arterial resultante da proliferação anormal da camada muscular lisa arterial e constrição das arteríolas pulmonares 173. A resposta de hipertrofia da musculatura lisa vascular pulmonar frente à alteração da dinâmica ductal pode iniciar precocemente, em um período que varia de 2 a 4 dias 101, 118, 145.

Conforme descrito em necropsia de natimorto hidrópico, a constrição ductal prematura pode resultar em hipertensão pulmonar grave com evidência histológica de arterite pulmonar necrotizante e hipoplasia pulmonar. Essas lesões pulmonares são consequência do aumento significativo de fluxo sanguíneo no leito vascular pulmonar fetal 174.

O uso de anti-inflamatórios não-esteróides durante a gestação, particularmente aspirina, ibuprofeno e naproxeno está associado significativamente com hipertensão pulmonar neonatal persistente 175-177. Casos mais severos de hipertensão pulmonar no recém-nascido foram associados ao uso de naproxeno e do ibuprofeno, por serem aparentemente inibidores mais potentes da ciclo-oxigenase 129.

A hipertensão pulmonar persistente no recém nascido é uma das mais sérias condições encontrada em neonatos que resulta grande morbidade e mortalidade 178. É uma das mais sérias doenças pulmonares neonatais, atingindo uma taxa de mortalidade de aproximadamente 11% 179. A hipertensão pulmonar persistente neonatal caracteriza-se por hipoxemia severa no período pós-natal imediato, ausência de cardiopatia congênita cianótica, hipertensão pulmonar importante e vasorreatividade pulmonar com shunt extrapulmonar direita-esquerda através do ducto arterioso e/ou forame oval. Devido ao aumento da resistência vascular pulmonar, há desvio parcial do fluxo pulmonar através do forame oval, dificultando a adequada oxigenação sanguínea. O aumento da hipóxia causará maior vasoconstrição pulmonar, gerando um ciclo vicioso 109.

O diagnóstico de hipertensão pulmonar neonatal persistente é feito pela constatação de labilidade de oxigenação do neonato e evidência ecocardiográfica de aumento da pressão pulmonar 180. As alterações morfológicas vasculares pulmonares são similares ao padrão evidenciado em estudos experimentais com hipoxemia intra- uterina 181 ou inibidores das prostaglandinas 145, 182. Esses achados sugerem que a hipertensão pulmonar neonatal persistente tem origem pré-natal e pode estar relacionada com um quadro de hipoxemia ou alteração do tônus vascular fetal secundário a alteração do metabolismo das prostaglandinas 176, 183.

O quadro de hipertensão pulmonar persistente no recém-nascido, com anatomia cardíaca normal, segundo estimativas, ocorre em aproximadamente 1,9/1000 nascidos vivos 179. Os fatores predisponentes para a manifestação dessa patologia são múltiplos: aspiração meconial, asfixia, síndrome do desconforto respiratório e pneumonia por Streptococo tipo B. Entretanto, não se identifica a etiologia em aproximadamente 25% dos casos 175, podendo ser devido à não identificação de constrição prematura do ducto arterioso. No diagnóstico etiológico diferencial de hipertensão pulmonar persistente “idiopática” no período neonatal, deve ser fortemente considerada a possibilidade de constrição ductal intra-uterina.

A incidência de persistência do ducto arterioso patente no período pós-natal aumenta com o uso de indometacina. A gravidade da repercussão clínica dessa patologia é maior em fetos expostos ao uso materno dessa medicação 184, 185. É considerado um fator de risco mais importante do que a idade gestacional, peso ao nascimento, ou uso materno pré-natal de corticóide para o diagnóstico de persistência do canal arterial 185.

Após constrição ductal intra-uterina, a habilidade do ducto de se contrair ativamente em resposta ao oxigênio ou à indometacina no período pós-natal é limitada, possivelmente refletindo dano isquêmico da camada muscular interna 186. Foi descrito o aparecimento de necrose citolítica da camada média ductal após constrição fisiológica ductal precedendo o fechamento anatômico 187. Essas alterações podem explicar a maior incidência de ducto arterioso patente entre o grupo de neonatos expostos à indometacina. Além disso, a perda da responsividade do ducto desses neonatos pode justificar a resposta inadequada ao manejo neonatal com indometacina e a necessidade de fechamento cirúrgico do ducto arterioso patente 184 .

Estudo experimental realizado em ovelhas evidenciou que o ducto arterioso no período neonatal apresenta função contrátil limitada ao ser exposto ao oxigênio ou a uma combinação de oxigênio e indometacina, se o mesmo foi previamente constrito com uso de indometacina intra-útero. Os achados sugerem que existem dois mecanismos distintos que podem explicar a contratilidade alterada do ducto. O primeiro seria o aumento na produção de óxido nítrico; o segundo, a perda de células de músculo liso. Quando a indometacina causa constrição ductal intra-útero, há um grande aumento da espessura da zona avascular que está associado à perda de células de músculo liso e migração dessas células para a porção neointimal. Esse processo gera redução significativa na distensibilidade e capacidade máxima de contração ductal. A patência ductal deixa de ser controlada primariamente pelas prostaglandinas frente às alterações estruturais do ducto arterioso 28.

A persistência do canal arterial no pós-natal pode resultar em desconforto respiratório, insuficiência cardíaca congestiva e aumenta o risco de isquemia intestinal subsequente levando à enterocolite necrotizante, displasia broncopulmonar, hipoperfusão renal e/ou isquemia cerebral 188.

Outro problema decorrente do uso pré-natal de indometacina , uma vez que 60 a 80% dos fetos em uso dessa medicação desenvolvem constrição prematura do ducto arterioso 99, é o risco potencial de constrição ductal em cardiopatias fetais ducto- dependentes 189. A patência ductal é fundamental em patologias como a obstrução das vias de saída, coarctação da aorta e síndrome de hipoplasia do coração esquerdo, que necessitam do canal arterial amplo e patente no período neonatal 190. A constrição ductal intra-uterina provocada pelo uso materno de inibidores das prostaglandinas pode prejudicar as chances de sobrevida desse recém-nascido 191.

O uso de inibidores das prostaglandinas gera constrição ductal resultando em alterações e repercussões clínicas significativas no período fetal e neonatal. O uso consciente dessas medicações e a avaliação ecocardiográfica seriada dos pacientes permitem a adequada evolução da gestação e a prevenção de desfechos que podem cursar com aumento de morbidade e mortalidade.

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