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1. INTRODUÇÃO

1.5. O PAPEL DOS ANTI-INFLAMATÓRIOS NA GÊNESE DA

A ação dos anti-inflamatórios não-esteróides (AINES) decorre da inibição da síntese de prostaglandinas, efetuada mediante inativação da ciclo-oxigenase. O sítio catalítico dessa reação pode ser inibido irreversivelmente pelo ácido acetilsalicílico ou reversivelmente por indometacina e outros AINES que competem com o ácido aracdônico. A COX-1 e a COX-2, conforme já referido, são enzimas envolvidas na biossíntese das prostaglandinas, da prostaciclina e do tromboxano. Esse mecanismo inibitório faz com que não seja sintetizada a prostaglandina intermediária G2, precursora das prostaglandinas 109, 110. A ação inibitória dos glicocorticóides sobre o metabolismo das prostaglandinas ocorre devido à inibição da fosfolipase A2, resultando em diminuição da produção do ácido aracdônico e bloqueio subsequente da biossíntese dos eicosanóides. A ingestão materna dos inibidores da produção das prostaglandinas durante o terceiro trimestre da gestação está relacionada com a constrição ductal intra-uterina 111. (Quadro II)

O uso de drogas anti-inflamatórias durante a gestação para o tratamento do trabalho de parto prematuro, da pré-eclâmpsia ou do retardo do crescimento intra- uterino, através da inibição da síntese das prostaglandinas, permitiu o estudo da relação entre a constrição ductal e os inibidores da ciclo-oxigenase. A indometacina é a droga inibidora da síntese das prostaglandinas usada na terapia tocolítica mais amplamente descrita na literatura 109. A indometacina atua inibindo as contrações uterinas e prolonga o trabalho de parto por pelo menos 24 à 48 horas, tempo necessário para ser feito uso de corticóide buscando o benefício dessa intervenção 112. Pode ser administrada por via oral ou retal, atingindo o pico da concentração sangüínea na gestante em aproximadamente 2 horas. A metabolização ocorre no

fígado e cerca de 15% são excretados diretamente na urina 113. A meia vida é de aproximadamente 14 horas no neonato a termo e maior ou igual a 24 horas no feto pré-termo devido à imaturidade hepática.

QUADRO II

Mecanismo de Ação dos Anti-Inflamatórios

Fonte: Modificado de Macones e colaboradores 114.

Foi demonstrado, em contraste com estudos experimentais, que a transferência através da barreira placentária da indometacina ocorre durante o transcorrer de toda a gestação, entretanto há aumento da sensibilidade do ducto arterioso à droga à medida que aumenta a idade gestacional 115. A droga atravessa a placenta rapidamente, sendo documentada na circulação fetal após cerca de 15 minutos da ingestão materna 116. Em aproximadamente 2 horas, o nível sérico fetal corresponde a 50% do materno e após cerca de 5 horas os níveis materno e fetal se equilibram. Esse achado corrobora a

observação de que a constrição ductal ocorre cerca de 4 horas após a administração dessa droga 117.

A constrição prematura do ducto arterioso após o uso da indometacina é um efeito adverso conhecido 118, 119. Aproximadamente 25 a 50% dos fetos expostos à indometacina irão apresentar constrição ou potencial fechamento ductal 120. O efeito constritor da indometacina sobre o ducto arterioso inicia aproximadamente com 27 semanas de gestação e não há correlação entre a incidência de constrição ductal e o nível sérico fetal de indometacina 115. O menor valor sérico da droga necessário para gerar esse efeito é desconhecido 99. O ducto torna-se mais sensível à indometacina com o aumento da idade gestacional, ocorrendo constrição ductal em 5 a 10% dos fetos com menos de 27 semanas, 15 a 20% dos fetos entre 27 e 31 semanas, 50% dos fetos na 32a semana, podendo chegar em 100% acima da 34a semana de gestação. A ocorrência de constrição ductal antes da 27a semana é incomum, porém há casos descritos em fetos com até 22 semanas 121.

A indometacina inibe a enzima ciclo-oxigenase reversivelmente, persistindo a inibição até que a droga seja excretada 122. Pode ocorrer constrição ductal transitória mesmo após curto período de exposição à droga e há reversão do quadro na maioria dos casos em aproximadamente 24 horas após suspensão da medicação 99, 117, 123, 124. Entretanto, há relatos de irreversibilidade com evolução para hidropisia e óbito fetal

120

. A resposta é individual em cada feto, podendo somente um feto ser acometido em gestações gemelares, sugerindo suscetibilidade individual ou diferenças na maturação do ducto arterioso 105, 107, 114, 116, 121.

Em ensaio clínico randomizado comparando indometacina com um agente simpaticomimético, a incidência de constrição ductal foi de 86% e a incidência de regurgitação tricúspide foi de 22% no grupo exposto à indometacina. Houve relação

linear significativa com a exposição à indometacina e o avanço da idade gestacional

89

. Sugere-se que seja realizada monitorização ecocardiográfica fetal semanal seriada em todos os fetos expostos a inibidores das prostaglandinas com o objetivo de diagnosticar precocemente a constrição ductal e suspender imediatamente o uso da medicação 105, 125.

Existem diversos anti-inflamatórios não-esteróides, além da indometacina, que são potenciais causadores de constrição do ducto arterioso, como a nimesulida 126, o diclofenaco 127, a aspirina, o metamizol, o ibuprofeno 128, entre outros. Momma e colaboradores realizaram estudo experimental, avaliando a ação dos anti-inflamatórios não hormonais sobre o ducto arterioso fetal. O efeito constritivo é dose-dependente na maioria dos anti-inflamatórios e há progressão da constrição com a manutenção do uso da medicação 111. A potência das diferentes drogas foi definida conforme a magnitude do efeito constritor sobre o ducto arterioso fetal. Dentre os anti- inflamatórios que apresentaram potência severa estavam a indometacina, o diclofenaco, o ibuprofeno, o naproxeno, o cetoprofeno e o ácido mefenâmico. Os considerados com potência moderada foram a betametasona, o piroxicam e o sulindaco. Por fim, os medicamentos com potência leve incluíam o acetaminofeno, a aspirina, a hidrocortisona e a prednisolona 111.

Foi observado em um estudo subsequente realizado em ratos que o diâmetro ductal diminui em até 70% após o uso de ibuprofeno e em cerca de 30% após uso de indometacina. A ação da indometacina, entretanto, foi mais duradoura do que a do ibuprofeno. Nos casos que apresentaram constrição ductal após uso de ibuprofeno ou indometacina, houve aparecimento de sinais de insuficiência cardíaca com dilatação e posterior hipertrofia de ambos os ventrículos. O efeito constritivo após a

administração de aspirina ou acetaminofeno foi leve e houve diminuição de apenas 10% no diâmetro ductal 129.

Outras drogas inibidoras das prostaglandinas, como o sulindaco, têm sido usadas para tratamento do trabalho de parto prematuro de forma experimental e também causam constrição ductal, com efeitos aparentemente mais leves do que a indometacina 117. Inibidores seletivos da COX-2, como o rofecoxib, também têm demonstrado efeito constritivo sobre o ducto arterioso de fetos em estudos experimentais 67, 130.

Glicocorticóides são hormônios sintéticos que mimetizam ações do cortisol endógeno, hormônio secretado pela zona glomerular da glândula adrenal. Os glicocorticóides também apresentam efeito sobre a patência ductal 131. Assim como a maioria dos outros anti-inflamatórios, o efeito dos glicocorticóides sobre o ducto arterioso é dose-dependente. A constrição ductal ocorre cerca de 1 a 4 horas após infusão da droga 132. Ocorre inibição da fosfolipase A2, com consequente redução da liberação enzimática de ácido aracdônico, bloqueando a síntese de prostaglandinas 133, e aparente redução na sensibilidade do ducto arterioso à PGE2. A infusão por 48 horas de hidrocortisona, em estudo experimental, resultou em constrição ductal. O ducto era mais amplamente patente nos fetos controles. Nesse experimento, não houve redução significativa das concentrações da PGE2 sérica em ambos os grupos 63. Apesar de ocorrer tendência ao fechamento prematuro do ducto arterioso, o mecanismo de ação parece estar relacionado com uma alteração primária do vaso, diminuindo a reatividade vascular aos efeitos relaxantes da PGE2, sem alterar a sua síntese 134, 135.

Foi demonstrado que os anti-inflamatórios não esteróides, seletivos ou não para as ciclo-oxigenases, possuem efeito sinérgico se usados em associação com os glicocorticóides 67. A betametasona pode causar constrição ductal leve, em cerca de

20% dos fetos, 4 a 5 horas após sua administração, regredindo esse efeito dentro de aproximadamente 30 horas. A associação de corticóide com indometacina demonstrou um efeito sinérgico na frequência e na severidade da constrição ductal. A incidência de constrição ductal pode até dobrar quando essas drogas são associadas 136.

A atuação dos anti-inflamatórios na rota de formação e atenuação da ação das prostaglandinas confere a essas substâncias papel importante na gênese da constrição ductal prematura fetal.

1.6. ALTERAÇÕES RESULTANTES E REPERCUSSÕES CLÍNICAS

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