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ALTERNATIVAS AOS PROCESSOS DELIBERADOS E/OU TIDOS COMO DE RACIONALIDADE ILIMITADA NA TOMADA DE DECISÃO

ESQUEMA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

III. AUTOMATISMOS E COMPORTAMENTOS SEXUAIS DE RISCO

3.1 ALTERNATIVAS AOS PROCESSOS DELIBERADOS E/OU TIDOS COMO DE RACIONALIDADE ILIMITADA NA TOMADA DE DECISÃO

Na procura dos antecedentes psicológicos dos comportamentos de saúde e dos seus processos subjacentes, privilegiaram-se modelos da psicologia social inspirados em teorias da decisão racional, como se enfatizou no Capítulo II. Estas teorias, não só pressupõem que o indivíduo adopta determinado comportamento em resultado de processos de raciocínio e de julgamento conscientes, como consideram que a escolha reflecte julgamentos lineares e normativos, ilustrativos de uma reflexão racional e normativamente óptima.

Assim, no que diz respeito à deliberação dos processos de tomada de decisão, os modelos específicos, desenvolvidos em consonância com estes princípios, pressupõem que o tipo de processamento em que o indivíduo se envolve, quando assume uma determinada conduta, se caracteriza pela consciência das acções, pela intencionalidade e controlo do comportamento, bem como pela possibilidade de dispor de recursos de atenção para o fazer. Uma vez que a natureza deliberada do comportamento é enaltecida, a intenção comportamental constitui, em muitos modelos, o antecedente mais próximo do comportamento adoptado pelo indivíduo. Nesta medida, as decisões tomadas relativamente à saúde, incluindo as escolhas relativas à protecção sexual, são fruto de uma reflexão consciente e deliberada para a qual contribuem diversas variáveis que influenciam a motivação ou intenção da pessoa para levar avante o comportamento planeado. As teorias e modelos apresentados no segundo capítulo e adoptados para o HIV/SIDA estão em consonância com esta perspectiva, com excepção para a teoria do comportamento interpessoal de Triandis, como foi destacado no capítulo anterior.

Relativamente ao conceito de racionalidade subjacente à maioria dos modelos aplicados ao comportamento protector, pressupõe-se que o indivíduo é racional nas suas escolhas, ou seja, é capaz de enunciar todas as alternativas possíveis de uma decisão, atribuindo probabilidades às consequências de cada alternativa e avaliando a valência dessas consequências. Pressupõe-se ainda que os indivíduos são capazes de combinar probabilidades e valências num único índice (isto é, utilidade esperada) de forma consistente e agir com vista a maximizar a utilidade esperada das suas escolhas

(Edwards, 1954; Neumann e Politzer, 1992; Simon, 1986). Perante o facto das pessoas avaliarem mal os riscos envolvidos e tomarem decisões aquém do que seria possível e desejável, acredita-se que estes desvios e perdas de racionalidade podem ser corrigidos. A maioria dos modelos aplicados, ou desenvolvidos para a promoção do comportamento protector, constitui um exemplo de ajuda específica baseada nas teorias normativas, em particular na teoria da utilidade esperada, com vista a ultrapassar dificuldades ao nível do desempenho, conduzindo as pessoas através de determinados passos que as ajudam a tomar decisões mais adequadas.

A acumulação de provas de que as decisões se desviam sistematicamente da forma preconizada por estas teorias levou à suspeita de que a ocorrência de desvios decorresse da impossibilidade das teorias normativas descreverem o comportamento dos indivíduos. Por um lado, o carácter sistemático do erro levou a que se entendessem as estratégias empregues como meramente satisfatórias e não óptimas (Simon, 1959). Nesta perspectiva, os processos de inferência utilizados continuam a ser considerados racionais, dando, no entanto, origem a erros resultantes das limitadas capacidades do indivíduo, que o impedem de os poder explorar amplamente, preferindo falar-se em racionalidade limitada. Por outro lado, a identificação e análise dos enviesamentos típicos nos julgamentos impulsionadas, em particular, pelos trabalhos de Tversky e Kahneman (Kahneman et al., 1982) continuaram a abalar a visão dos indivíduos como processadores racionais da informação. Os enviesamentos tornaram evidente que o decisor possuía capacidades de processamento limitadas e puseram em causa o uso de processos racionais, ao mostrar como o indivíduo se vale de heurísticas para lidar com o processo de tomada de decisão (Kahneman, et. al., 1982; Sherman e Corty, 1984). Estas posições não invalidam as teorias normativas nem significam que as pessoas não devam tomar decisões da forma por elas preconizada, apenas que não o fazem e, como tal, não descrevem adequadamente o comportamento dos indivíduos.

Deste modo, a existência de desvios de racionalidade e a persistência de inconsistências no comportamento dos indivíduos criam dúvidas quanto à adequação dos modelos habitualmente aplicados ao comportamento protector e abrem, pelo menos, a hipótese de um outro tipo de racionalidade que não o das teorias da decisão

mostrem muito úteis na redução da complexidade das tarefas, conduzem a erros importantes, quer na selectividade no acesso à informação, quer no tipo de processamento cognitivo envolvido, os erros sistemáticos podem ser entendidos como exemplos de irracionalidade ou de racionalidade limitada.

O mundo real dos riscos envolve probabilidades ambíguas, dependência entre probabilidades e utilidades, contextos e efeitos de enquadramento cujo papel é importante nas escolhas que se realizam. Os modelos alternativos propostos têm passado pela aplicação menos rígida de alguns axiomas da teoria da utilidade esperada, permitindo que certos padrões de preferência inconsistentes sejam tomados em consideração. Têm passado, igualmente, pela inclusão de factores psicológicos nos modelos de tomada de decisão com vista a enriquecê-los, conscientes de que a redução de certos estados psicológicos, como o arrependimento ou o desapontamento, podem levar as pessoas a tomarem decisões mais “seguras”, embora não sejam as que tragam necessariamente maior utilidade. Têm passado igualmente, como atrás se referiu, pela proposta de uma racionalidade limitada, em que as decisões tomadas satisfazem mais do que optimizam uma situação e, noutros casos, pela integração nos modelos de decisão de heurísticas que são utilizadas naturalmente pelos indivíduos como forma de simplificar os problemas encontrados (ver Neumann e Politser, 1992; Simon, 1959, 1986). Sabe-se, por exemplo, que as heurísticas são empregues quando há grande pressão de tempo ou sobrecarga no sistema de processamento cognitivo e, apesar de se julgar que tenderão a ser mais utilizadas para julgamentos pouco importantes, resultados há que mostram como um grande envolvimento pessoal conduz à mobilização de princípios heurísticos (Sherman e Corty, 1984).

Langer (1994) vai mais longe relativamente às características dos processos de tomada de decisão e considera que muitas teorias, ao proporem uma racionalidade limitada, seja as que propõem decisões que satisfazem mais do que optimizam, seja as referentes a decisões aparentemente irracionais em resultado da utilização de heurísticas, continuam a implicar um cálculo sistemático e deliberado de vários elementos, embora sobre informação diferente. Ao contrário de considerar o processo de tomada de decisão como algo racional ou irracional, Langer propõe uma terceira alternativa que o entende como não racional. Esta ausência de razão resulta do facto de se utilizar informação organizada em estruturas de conhecimento ou guiões que, ao

reduzirem a incerteza sobre o passo seguinte, tornam a decisão desnecessária e passível de ser satisfeita por um processo mecânico. As decisões resultariam, assim, de compromissos cognitivos não afectados pelo contexto, e que, uma vez detectados, dão origem a escolhas que decorrem mecanicamente, sem cálculos ou reflexões.

Quando as pessoas enfrentam uma situação com frequência, esta experiência cria oportunidades e encoraja a percepção da estrutura típica, ou seja, daquilo que se repete, e organizam-se esquemas mentais para os diferentes conteúdos sociais com que se deparam. Estes podem passar por acções esperadas em determinadas situações, até traços de personalidade associados a determinados comportamentos, bem como categorias sociais. Com a exposição à situação, a estrutura emerge e presta-se cada vez menos atenção ao conteúdo da actividade, mobilizando o conhecimento esquemático pré-existente quando se detectam semelhanças na estrutura (Langer, 1978; Langer et al., 1978).

A mera existência de uma resposta bem aprendida, ou seja, de um hábito, também é utilizada para se compreenderem as tomadas de decisão menos deliberadas e mais espontâneas (Aarts et al., 1998; Ronis et al., 1989; Verplanken et al., 1997, 1998). A prática e a consistência de determinada actividade, subjacente à construção de muitos dos guiões, também permite organizar cadeias de comportamentos, reveladoras da forma habitual do indivíduo se comportar na situação. Se a resposta se repete frequente e consistentemente, o processamento cognitivo que a inicia e controla torna- se automático em face de sinais consistentes do meio. As cadeias comportamentais automáticas, que constituem os hábitos, relacionam-se com os guiões na medida em que podem estar representadas neles. Perante determinada situação é activada a representação mental que despoleta as reacções comportamentais mais esperadas para a situação, habitualmente instigadas pelos objectivos a que se associam (Aarts et al., 1998; Verplanken et al., 1997, 1998).

O facto das pessoas se basearem em representações estereotipadas (com destaque para os guiões, hábitos, categorias e teorias implícitas da personalidade), para desempenharem comportamentos em situações que se repetem, tem implicações para os processos de tomada de decisão em que os indivíduos se envolvem. Segundo Langer (1978, 1994), os processos de tomada de decisão, ao assentarem em guiões,

automáticos ou mindlessness, como a autora os caracteriza. Mais concretamente, esta forma de funcionamento caracteriza-se por ser realizada em estado de atenção reduzida, no qual o indivíduo se apoia em categorias e distinções anteriormente formadas (Langer, 1989). No guião encontram-se representados compromissos cognitivos, de que o indivíduo se socorre para diferenciar alternativas ao tomar uma decisão, muitos deles baseados em informação adquirida na infância, outros construídos nas primeiras interacções com a situação e que constituem, nas palavras da autora, frozen or rigidly held beliefs that unwittingly are unmodulated by context (Langer, p. 34, 1994). Uma vez adoptados, os compromissos induzem o indivíduo a deixar de escrutinar a informação sem perceber que a sua validade é condicional. Como os compromissos cognitivos se impõem tão fortemente (e.g., é bom adiar a gratificação; no início de uma relação a dois o romantismo deve estar presente a todo o custo), a procura de informação ocorre mais para justificar uma decisão do que para a tomar e, por este facto, a maioria dos processos considerados conducentes à decisão, como integrar e pesar a informação numa análise de custo/benefícios é, muitas vezes, um fenómeno que, a ocorrer, tem lugar após a decisão ter sido tomada (Langer, 1994).

De igual modo, quando o hábito está presente, o processo de tomada de decisão caracteriza-se por um processamento mais espontâneo, por menor elaboração, e diminui a quantidade de informação a considerar antes da decisão ser tomada (Aarts et al., 1998; Ronis et al., 1989; Verplanken et al., 1997, 1998).

Referindo-se a áreas como a das atitudes, dos estereótipos e da atribuição, Bargh também constata que “what were once described in terms of deliberative and sophisticated steps of conscious reasoning were found to be “top-of-the-head”, heuristic-based, spontaneous, and finally automatic reactions to the behavior of others (Bargh, p.5, 1997)”, mostrando como a ausência de deliberação e a descoberta de automatismos, onde antes se julgavam existir consciência e actos de vontade, ilustra o processo de evolução dos determinantes do pensamento, dos sentimentos e das respostas comportamentais. Deste modo, quando estão presentes sinais relacionados com determinadas categorias sociais ou traços de personalidade, estes despoletam um conjunto de percepções, avaliações e reacções comportamentais automáticas sem que o indivíduo se envolva num pensamento deliberado.

O aspecto que importa salientar da perspectiva de Langer, e que se pode estender ao papel das teorias implícitas da personalidade e ao hábito, reside na conceptualização e constatação de decisões automáticas ou mecânicas, assentes em informação pré-determinada, em lugar de decisões reflectidas e ponderadas, levando a autora a sugerir que talvez devêssemos assumir que quando chegamos à idade adulta

atingimos um estado de “ignorância” em que virtualmente todos os comportamentos podem ser desempenhados sem consciência e tendem, na maioria das vezes, a serem realizados desta forma, a não ser que surjam circunstâncias especiais ( Langer, p. 40,

1978). O facto das escolhas baseadas nestes compromissos cognitivos serem menos satisfatórias do que as que implicam uma decisão mais pensada, não invalida o contributo principal desta perspectiva, ao alertar para a possibilidade das decisões sobre os comportamentos protectores serem mais automáticas do que deliberadas48.

A constatação de processos automáticos na percepção, avaliação e cursos de acção dos indivíduos ajuda a repensar o papel da mediação consciente nas decisões tomadas (Bargh, 1997; Bargh e Chartrand, 1999; Bargh, Chen e Burrows, 1996; Uleman et al., 1996; Zajonc, 1980). O carácter secundário, que lhe é atribuído, não resulta da ausência de qualquer papel que caiba à cognição ou à representação cognitiva na relação estabelecida entre estímulo e resposta, como na perspectiva comportamental (Watson, 1924), mas de uma mudança dos pressupostos que obrigavam os mecanismos cognitivos a exercerem a sua acção de forma consciente e reflectida. Ao considerar que diferentes funções psicológicas podem ser postas em funcionamento, em simultâneo, por sinais do meio, sem haver necessidade dos

48 O facto de Bargh (1984) se ter insurgido contra a possibilidade de confusão entre automatismo e irracionalidade, devido à atribuição de um carácter negativo ao modo de funcionamento mindlessness (Langer, 1978), levou Langer a clarificar a sua perspectiva e a tentar distinguir claramente entre os processos propostos e os processos automáticos (Langer, 1989). Esta necessidade de clarificação terá resultado de Langer acentuar o carácter limitado e não racional dos processos mindlessness, ilustrativos de compromissos passados e pouco sensíveis a contextos particulares, ao contrário de Bargh, que enaltece o facto dos automatismos representarem a melhor alternativa possível em face dos recursos limitados, que caracterizam as possibilidades de processamento do homem. Contudo, as diferenças não devem ofuscar a importância das semelhanças que ambas as perspectivas comportam e que se revelam importantes no contexto deste trabalho. Quer constituam decisões aquém das óptimas, quer representem a melhor alternativa possível em virtude das condições de processamento, em ambas as situações se opera em condições de pouca deliberação e/ou automatismo. É o carácter mecânico ou não deliberado que aproxima as duas perspectivas e traduz uma racionalidade limitada decorrente de, nestas condições, os processos serem pouco abstractos, flexíveis e adaptáveis.

processos de raciocínio e de julgamento surgirem após a percepção da situação e precederem as respostas que são dadas, cessam os impedimentos teóricos a que os processos conscientes não medeiem as reacções perceptivas, avaliativas e comportamentais. A substituição de modelos de estádios sequenciais por modelos paralelos no funcionamento da cognição vai ao encontro da explicação de fenómenos

incompreensíveis, como o carácter espontâneo e não consciente característico dos

julgamentos atribucionais, das reacções afectivas que ocorrem sem reconhecimento do estímulo e da activação de intenções, objectivos e comportamentos sem orientação nem escolha conscientes (Bargh, 1997).

Contudo, estes esquemas e as respectivas reacções espontâneas, ou automatismos, não se constroem sem esforço, envolvimento e consciência dos passos que têm de ser realizados e, por esta razão, os processos conscientes são imprescindíveis para o seu desenvolvimento. Sem estes processos e sem o uso frequente e consistente das operações cognitivas num processo de ensaio e erro, estas estruturas e reacções comportamentais não se desenvolveriam. Desta forma, os processos conscientes continuam a revelar-se importantes, apenas se redimensionam, e a sua função torna-se mais circunscrita do que tradicionalmente se supunha. Acresce ainda o facto do papel dos processos conscientes não se limitar à construção dos automatismos e contribuir, também, para a sua modificação ou eliminação, ajudando desta forma a preservar o carácter adaptativo que, segundo se crê, os automatismos ocupam na vida dos indivíduos.

No início de qualquer actividade canaliza-se uma atenção consciente para os pormenores da situação, de forma a poder realizar o comportamento necessário. A repetição favorece a abstracção de regularidades da situação e a construção da estrutura típica da actividade, incluindo objectivos e cursos de acção, que lhe estão associados. A frequência e a consistência entre respostas internas, tais como os componentes dos processos mentais utilizados, e respostas externas, como sejam as circunstâncias do meio, criam relações estreitas entre os sinais do meio e as interpretações, objectivos e acções inerentes à estrutura de conhecimento ou guião da situação. Na presença de redundância com o passado, e na activação de objectivos que mobilizam intenções, cognições e comportamentos que lhe estão associados, os processos de mediação ou de auto-regulação consciente tornam-se supérfluos e são

canalizados para actividades não rotineiras, que ainda necessitam de uma monitorização consciente. Criam-se, desta forma, automatismos não limitados a estruturas perceptivas, mas extensivos a objectivos, a avaliações e a respostas comportamentais passíveis de dar lugar a decisões simplificadas e espontâneas. Por isso, na presença de certas características do meio, são activadas representações mentais que dão origem a respostas perceptivas, afectivas e comportamentais imediatas, cujo funcionamento não depende de uma reflexão cuidada e deliberada no momento da interacção com a situação, mas do facto destas respostas terem sido regularmente realizadas no passado, podendo ser postas em prática de uma forma quase mecânica.

Considera-se, assim, que, em muitas decisões comportamentais, a utilização de regras de tomada de decisão simplificadas, espontâneas ou automáticas não só pode como deve ter lugar (Bargh e Chartrand, 1999; Norman e Conner, 1996; Ouellette e Wood, 1998), constituindo para alguns mesmo uma inevitabilidade (Langer, 1994). Em particular, quando se executam comportamentos que se repetem ou se tornaram habituais, os processos cognitivos automáticos são utilizados, em lugar dos processos de decisão elaborados (Aarts et al., 1998; Langer et al., 1978; Ronis et al., 1989). Perante a mesma situação, os guiões, as categorias e teorias implícitas da personalidade e os hábitos comportamentais são activados, aumentando a probabilidade de se reagir com base em informação já aprendida. Isto é, tomam-se decisões com base numa estrutura esquemática das actividades típicas, nas relações estabelecidas entre traços ou numa cadeia de comportamentos e não, num processamento activo da informação recebida. Assim sendo, estas respostas mais automáticas podem resultar de antecedentes diferentes dos explorados nos modelos mais utilizados da psicologia social para a previsão do comportamento futuro, que enfatizaram a importância de um raciocínio reflectido e deliberado sobre a informação disponível.

Em síntese, o entendimento do decisor, enquanto ser com capacidades de processamento ilimitadas, capaz de tomar decisões racionais e lógicas, se devidamente informado e orientado, deu lugar à visão de um indivíduo cujas decisões se valem de atalhos ou heurísticas cognitivas como forma de lidar com as suas restritas capacidades

Num segundo momento, os limites de racionalidade, a par da ausência de deliberação devido à possibilidade de decisões mindlessness ou mais automáticas, em particular as resultantes do envolvimento frequente e consistente com uma dada situação, conduziram a que, na presente investigação, se considerassem as decisões numa perspectiva de racionalidade diferente da que é habitualmente considerada nos modelos tradicionais da psicologia social sobre a previsão do comportamento.

A existência de um processamento em estado de atenção reduzida em situações de interacção social, bem como a possibilidade de automatismos, são entendidas como alternativas aos processos deliberados e/ou tidos como de racionalidade ilimitada. Tal decorre de permitirem considerar a possibilidade de um funcionamento menos consciente e deliberado, passível de ocorrer em situações sociais complexas e que, em resultado desta menor consciência, alertam para uma racionalidade aquém da óptima que as decisões, em tais circunstâncias, inevitavelmente comportam.

Pelo facto das decisões serem tomadas com base em processos mais automáticos e mindlessness, por definição menos sensíveis aos contextos, podem revelar uma adequação, uma lógica (uma racionalidade) aquém da ideal. Por esta razão, os processos mindlessness são considerados desvantajosos por ilustrarem comportamentos rígidos, que não se adaptam às situações (Langer, 1989), embora em contextos estáveis, esta ausência de adaptação se possa mostrar favorável, permitindo não estar continuadamente em esforço (Langer, 1978)49. Assim, se bem que a racionalidade de uma acção possa depender do contexto, aos automatismos, por serem processos pouco abstractos, flexíveis e adaptáveis (características estas descritas mais extensamente no ponto seguinte), subjaz muitas vezes uma racionalidade aquém da considerada normativamente óptima, pelo facto de se manterem inalterados em função do contexto.

Tomando o processo utilizado para chegar a uma decisão, e tendo como ponto de referência os modelos normativos que pressupõem recursos cognitivos ilimitados, mais uma vez as decisões sob o efeito de automatismos ou realizadas sem deliberação revelam uma racionalidade aquém da ideal, por se valerem de um processo que não

49 Mais tarde a autora passou a considerar qualquer processo mindlessness como desfavorável (Langer,