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EVOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS TIPOS DE ESTUDO E INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS NA PREVENÇÃO DO HIV/SIDA

ESQUEMA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

II. INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA E SOCIAL NA INFECÇÃO PELO HIV/SIDA

2.2 EVOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS TIPOS DE ESTUDO E INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS NA PREVENÇÃO DO HIV/SIDA

O principal objectivo das intervenções preventivas da infecção pelo HIV/SIDA, em especial por via sexual, em destaque no presente trabalho, consiste na eliminação de comportamentos que colocam riscos de infecção e na adopção de comportamentos que envolvem um risco mínimo ou a sua ausência. Os comportamentos preventivos mais importantes dizem respeito, como atrás se referiu, ao uso sistemático do preservativo nas interacções sexuais, ao conhecimento do próprio estado serológico e do parceiro antes de ocorrerem relações sexuais não protegidas e, durante algum tempo, foi considerado um comportamento preventivo importante a redução do número de parceiros sexuais.

As acções de prevenção tiveram inicialmente como destinatários os indivíduos mais afectados, ou seja, homossexuais e bissexuais, tendo a prevenção sido alargada a

outros indivíduos em risco37 como aqueles que se injectam com drogas e prostitutas. A prevenção estendeu-se rapidamente a indivíduos considerados mais vulneráveis, como os adolescentes e os estudantes universitários, pela iniciação da actividade sexual, previsível inexperiência e mudança de parceiros sexuais. As intervenções raramente se destinaram a indivíduos com menos de 12 anos ou com um nível de instrução inferior ao 7º ano de escolaridade (Fisher e Fisher, 1992).

A evolução das formas de compreensão e respectiva intervenção nos comportamentos de prevenção face à infecção pelo HIV/SIDA, em particular no uso do preservativo, caracterizou-se pela primazia dada à informação e ao seu papel na adopção do comportamento preventivo. A esta sucedeu a exploração de variáveis demográficas e psicossociais que pudessem estar associadas à utilização do preservativo e, por fim, a aplicação de modelos psicológicos de tomada de decisão a este comportamento protector (Moatti, Hausser e Agrafiotis, 1997; Sheeran et al., 1999).

Numa tentativa de controlar o mais rapidamente possível a proliferação do HIV recorreu-se, inicialmente, à difusão de conhecimentos acerca da doença, informando sobre modos de transmissão, situações de maior risco e estratégias protectoras mais eficazes. Na sequência deste tipo de intervenção, os esforços para se identificarem os factores responsáveis pela mudança de comportamento, no sentido da protecção face à infecção, centraram-se em estudos que exploravam a relação entre o conhecimento e o comportamento preventivo.

Embora a consciência do risco constitua um pré-requisito óbvio para a prevenção, a ausência de uma mudança comportamental significativa decorrente dos conhecimentos adquiridos e de pouca percepção de risco ou vulnerabilidade pessoal, em particular, nos indivíduos heterossexuais (Baldwin e Baldwin, 1988; DiClemente et al., 1990; Fisher e Fisher, 1992), conduziu a um segundo grupo de estudos orientado para variáveis demográficas e psicossociais dos indivíduos em risco. As tentativas de compreensão orientaram-se para a exploração de variáveis demográficas (e.g., sexo,

37 Os indivíduos em risco foram no início da infecção conhecidos pelo grupo dos quatro H

idade, nível de escolaridade, crenças religiosas) na sua relação com a utilização do preservativo numa tentativa de encontrar relações mais significativas entre variáveis pessoais e o comportamento preventivo em causa. Às variáveis demográficas associaram-se, para além da avaliação dos conhecimentos sobre a doença e das práticas sexuais, a avaliação de atitudes e crenças face à SIDA, nos estudos que ficaram conhecidos por estudos KABP38. Estas investigações foram consideradas necessárias para uma avaliação prévia da situação das populações e das suas necessidades em matéria de intervenção, à semelhança do que foi realizado para outros comportamentos prejudiciais à saúde, como o tabaco e as doenças cardiovasculares (Moatti et al., 1997; Santos-Lucas, 1993).

Os conhecimentos sobre a doença não se revelaram como o único factor a apresentar fracas correlações com os comportamentos preventivos, em particular com a utilização do preservativo e, quer as atitudes e crenças gerais sobre a SIDA, quer a maioria das variáveis demográficas exploradas não se mostraram um preditor importante da adopção desta protecção por parte dos indivíduos. Estes estudos, embora motivados pela compreensão das razões pelas quais as pessoas se continuavam a envolver em comportamentos de risco, apesar das consequências decorrentes, centraram-se em elementos relativamente estáticos e não atenderam aos processos psicológicos envolvidos na tomada de decisão de um risco sexual (Wulfert e Wan, 1993). Alguns destes estudos podem considerar-se explorações pragmáticas e de ensaio e erro de variáveis, com o objectivo de dar respostas mais rápidas às mudanças de comportamento necessárias por parte da população, que se valeram de conceptualizações informais e ad hoc com rara aplicação sistemática de teorias psicológicas formais.

Só num terceiro momento se tentaram elucidar os processos cognitivos utilizados pelos indivíduos e se adoptou uma série de modelos psicológicos de tomada de decisão e mudança do comportamento, aplicando-os à compreensão e intervenção, em particular, do uso do preservativo. A identificação de determinantes psicológicos capazes de influenciar o comprometimento do indivíduo para com este comportamento risco quaisquer indivíduos que não obedeçam aos comportamentos de protecção referidos na terceira nota de rodapé da Introdução e não grupos estanques e particulares.

de protecção valeu-se de algumas teorias da psicologia social, da psicologia da saúde e da psicologia clínica, muitas das quais adeptas das teorias normativas da decisão para as quais o comportamento se baseia na maximização da utilidade esperada que serve como base racional para se tomarem as decisões adequadas. Referimo-nos à teoria da acção ponderada de Fishbein e Ajzen (Ajzen e Fishbein 1980) e à sua actualização, a teoria do comportamento planeado (Ajzen, 1985; Ajzen e Madden, 1986) e ainda à teoria sócio-cognitiva de Bandura (1977, 1986) e o seu modelo de auto-eficácia (Bandura, 1990), ao modelo normativo mais conhecido aplicado à saúde, o modelo de crenças sobre a saúde (Becker, 1974), à teoria da motivação para a protecção de Rogers (1975, 1983) e a alguns modelos oriundos da psicologia clínica, como o modelo do processo de adopção da precaução de Weinstein (1988) e o modelo transteórico da mudança de Prochaska, DiClemente e colaboradores (Prochaska e DiClemente, 1983; Prochaska, DiClemente e Norcross, 1992).

Uma vantagem imediata da utilização destes modelos para a compreensão dos comportamentos de risco e prevenção do HIV/SIDA prendeu-se com o facto de ter permitido ultrapassar uma abordagem relativamente frequente nos primeiros anos do seu estudo, focada em conceptualizações informais e a posteriori. Estas, raramente eram movidas pela aplicação de teorias psicológicas formais que ajudassem a identificar com maior precisão os factores envolvidos e os elementos da intervenção conducentes à mudança dos comportamentos sexuais de risco (Fisher e Fisher, 1992; Fisher, Fisher e Rye, 1995).

A investigação orientada pelas teorias permitiu não só realizar uma triagem das variáveis mais importantes para o comportamento de prevenção - apesar de persistirem dúvidas quanto aos modelos e/ou variáveis mais adequadas para a adopção do comportamento preventivo face à saúde (Conner e Norman, 1996; Weinstein, 1993) - mas também desenvolver intervenções mais específicas, em alternativa à focalização no conhecimento da doença enquanto prevenção. Esta nova abordagem possibilitou um avanço face às intervenções que se limitavam a apresentar informação e que se baseavam em variáveis dispersas (Abraham e Sheeran, 1993; Conner e Norman, 1996).

Na posse desta informação foi possível, mais tarde, conceptualizar modelos especificamente dedicados à infecção pelo HIV/SIDA e explorar variáveis alternativas. As principais variáveis detectadas no âmbito destes modelos revelaram a importância para o uso do preservativo das atitudes, normas sociais, percepção de auto-eficácia, competências de comunicação, obstáculos e benefícios das medidas protectoras e intenções comportamentais. Permitiram, igualmente, discriminar o papel menos importante do conhecimento sobre a doença, da percepção da ameaça (i.e. percepção de vulnerabilidade, percepção da gravidade da doença e preocupação pela infecção) e das variáveis demográficas para o uso do preservativo (Sheeran et al., 1999; Sheeran e Taylor, 1999).

Nos últimos anos, tem aumentado a consciência da imagem parcial dos determinantes dos comportamentos sexuais de risco fornecida pelas teorias e modelos referidos (Abraham e Sheeran, 1993; Marín, 1996; Norman e Conner, 1996), pelo que têm vindo a ser sugeridos modelos interactivos e menos individuais que incluam variáveis pessoais, interpessoais e situacionais e que devem estar na base do desenvolvimento dos programas de intervenção futuros.

Em síntese, a aplicação de modelos sócio-cognitivos nas intervenções para a promoção do uso do preservativo permitiu um avanço importante face à simples difusão de informação e mudanças ao nível das crenças e atitudes face à SIDA. Esta aplicação ajudou a clarificar o papel de outras variáveis cognitivas e motivacionais (e.g., percepção de vulnerabilidade, percepção de auto-eficácia, relação entre ameaça percebida e estratégias para lidar com ela) e ainda, comportamentais (e.g., competências de negociação e comunicação interpessoal). A consciência do carácter interactivo da protecção sexual e dos contextos culturais e situacionais onde a protecção ocorre tem incentivado à exploração de novas variáveis e à sua inclusão nos programas de intervenção.