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O alto mar: liberdade de navegação, segurança marítima e liberdade de locomoção

3 FLUXOS IMIGRATÓRIOS PELO MAR E SEGURANÇA DE FRONTEIRAS: EXERCÍCIO REGULAR DA SOBERANIA ESTATAL OU OFENSA AO

1. Numa zona contígua ao seu mar territorial, denominada zona contígua, o Estado costeiro pode tomar as medidas de fiscalização

3.2.3 O alto mar: liberdade de navegação, segurança marítima e liberdade de locomoção

O conceito contemporâneo do que se considera como alto mar é resultado de inúmeras transformações ocasionadas pela evolução histórica da disciplina jurídica dos espaços marítimos, tendo sofrido uma significativa redução especialmente com a edição da Convenção de Direito do Mar de 1982, tendo em vista o disciplinamento da zona econômica exclusiva e o aumento da extensão do mar territorial de 03 (três) para

12 (doze) milhas náuticas547-548

.

Com a edição da CNUDM o alto mar passou a ser compreendido, no que tange aos seus limites verticais, tão somente pela superfície, pela coluna d‘água e pelo

espaço aéreo sobrejacente549

. Horizontalmente, o alto mar situa-se a começar da orla exterior das ZEE‘s dos diferentes Estados costeiros, ou seja, a 200 milhas marítimas da

linha de base a partir da qual se mede a extensão do mar territorial550

.

Atualmente o alto mar é definido pela exclusão das faixas de mar que se encontram sobre algum grau de jurisdição dos Estados costeiros, como se pode inferir do artigo 86 da CNUDM, ―As disposições da presente Parte aplicam-se a todas as partes do mar não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas águas

interiores de um Estado, nem nas águas arquipélagicas de um Estado arquipélago‖.

A Convenção de Direito do Mar consagrou formalmente o princípio da liberdade dos mares, superando a histórica disputa entre os defensores do Mare clausum

vs. Mare liberum. Assim, nenhum Estado pode legitimamente buscar usar poderes além

das zonas estratificadas e que estejam sob sua jurisdição, sendo o alto mar considerado como um espaço coletivo comum, em que os Estados possuem direitos idênticos, vedada a invocação de qualquer direito preferencial por parte de algum país, que não

esteja consagrado na Convenção551

.

A respeito da definição do regime jurídico aplicável ao alto mar é importante destacar que muitas foram as teorias desenvolvidas sobre o tema,

547

MENEZES, Wagner. O direito do mar. Brasília: FUNAG, 2015, p. 114. 548

BECKER, Michael A. The Shifting Public Order of the Oceans: Freedom of Navigation ant the Interdiction of ships at sea. Harvard International Law Journal, v. 46, n. 1, p. 131-230, Dez./Mar. 2005, p. 171. Disponível em: http://www.harvardilj.org/wp-content/uploads/2011/03/HILJ_46- 1_Becker.pdf Acesso em 20 jan. 2018.

549

O leito e o subsolo marinho não integram mais o alto mar, passando a integrar o que foi chamado de área.

550

ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de Direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013, p. 233. 551

destacando-se a res nullius e a res communis. O entendimento contemporâneo majoritário é no sentido de considerar superada a teoria da res nullius, tendo em vista que a CNUDM consagrou o princípio da liberdade dos mares, logo, é inaceitável admitir que o alto mar seria apropriável pelo primeiro ocupante, o que, inclusive, favoreceria às superpotências econômicas, tendo em vista a sua maior capacidade bélica552.

Apesar de sofrer algumas críticas553

, a teoria que mais se aproxima do regime jurídico estabelecido pela Convenção de Montego Bay é a da res communis, haja vista que, conforme já comentado, o alto mar foi regulado pela Convenção como um espaço coletivo comum, aberto a todos, pertencente a todos, sem estar sob a jurisdição

de nenhum Estado específico554

.

O posicionamento ora apresentado baseia-se no disposto no artigo 89 da referida Convenção, que dispõe que ―Nenhum Estado pode legitimamente pretender

submeter qualquer parte do alto mar à sua soberania‖555

.

É possível também observar a predominância de tal regime jurídico em relação ao alto mar quando são estudados os princípios aplicáveis a esse, em especial aqueles relacionados com a pesquisa ora desenvolvida, são eles: liberdade de uso, igualdade de uso e uso pacífico.

A liberdade de uso do alto mar fundamenta-se no disposto no artigo 87 da CNUDM, que estabeleceu a regra de que referido espaço marítimo está aberto a todos os Estados, quer costeiros quer sem litoral. Tal liberdade de uso compreende, dentre outras, a liberdade de navegação, a liberdade de sobrevoo, a liberdade de colocar cabos e dutos submarinos, a liberdade de construir ilhas artificiais e outras instalações permitidas pelo direito internacional, a Liberdade de pesca e a liberdade de investigação científica556.

552

ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de Direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013, p. 235. 553

―Critics might suggest that the res communis attitude is a cloistered virtue at this point, because access to the heavens is as limited now as it was for the high seas when the classical writers were trying to clarify the status of the oceans‖. GRIEVES, Forest L. Classical writers of International Law and the environment. Boston College Environmental Affairs Law Review, Boston, v. 4, n. 2, p. 309-322, jan. 1975, p. 319. Disponível em: https://lawdigitalcommons.bc.edu/ealr/vol4/iss2/5/ Acesso em 20 jan. 2018. 554

MENEZES, Wagner. O direito do mar. Brasília: FUNAG, 2015, p. 114. 555

CONVENÇÃO das Nações Unidas sobre o Direito do Mar = CONVENTION on the law of the sea. 10 dezembro 1982. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12- marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em 18 jan. 2018.

556

CONVENÇÃO das Nações Unidas sobre o Direito do Mar = CONVENTION on the law of the sea. 10 dezembro 1982. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12- marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em 18 jan. 2018.

No que concerne à igualdade de uso, esta igualdade não deve ser interpretada em termos materiais, mas sim formais, no sentido de que todos os Estados, inclusive aqueles sem litoral e os desfavorecidos geograficamente, possuem os mesmos

direitos de fruição e os mesmos deveres sobre o alto mar557-558.

O artigo 88 da Convenção de Direito do Mar prevê que o alto mar deve ser utilizado para fins pacíficos, contudo, apesar do projeto inicial da Convenção ter previsto como fins ―exclusivamente‖ pacíficos, o texto final adotou a expressão genérica ―fins pacíficos‖. Em razão disso, não restaram proibidos exercícios militares, experimentos ou testes de armas bélicas em tal faixa marítima, desde que não se caracterizem como uma ofensa aos direitos dos outros Estados, por ser um espaço

marítimo que deve ser usado para fins voltados à manutenção da paz entre os Estados559

. Ademais, a Convenção manteve as regras de direito consuetudinário quanto à imunidade dos navios e aeronaves militares e o poder de polícia dos navios de guerra para a repressão da prática de atos ilícitos em alto mar560

, o que inclui a repressão do contrabando de pessoas, prática a qual muitos imigrantes, inclusive solicitantes de refúgio recorrem, na tentativa de chegar aos Estados Costeiros.

Ainda discutindo as liberdades em alto mar consagradas na CNUDM, tendo em vista o tema do presente trabalho, merece uma análise mais aprofundada a questão da liberdade de uso quanto à navegação, disciplinada no artigo 90 da Convenção.

A Convenção reconheceu o direito de navegação para qualquer Estado, quer costeiro ou quer sem litoral, assim como também estendeu tal direito aos navios arvorando a bandeira das Nações Unidas, das agências especializadas das Nações

Unidas e da Agência internacional de energia atômica561.

Ressalte-se que a influência da liberdade de navegação é percebida, inclusive, para além do alto mar, tendo em vista o instituto da passagem inocente, direito este exercido pelas embarcações independentemente do espaço marítimo.

Em relação aos Estados o direito de navegação impõe a estes o dever de regular a relação ou o atributo da personalidade aos navios, conferindo-lhes a

557

ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de Direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013, p. 241. 558

BECKER, Michael A. The Shifting Public Order of the Oceans: Freedom of Navigation ant the Interdiction of ships at sea. Harvard International Law Journal, v. 46, n. 1, p. 131-230, Dez./Mar. 2005, p. 169.

559

MENEZES, Wagner. O direito do mar. Brasília: FUNAG, 2015, p. 125. 560

ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de Direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013, p. 242. 561

CONVENÇÃO das Nações Unidas sobre o Direito do Mar = CONVENTION on the law of the sea. 10 dezembro 1982. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12- marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em 18 jan. 2018.

nacionalidade e o poder/dever de arvorar sua bandeira, criando com a embarcação um

vínculo jurídico, passando esta a se submeter à jurisdição daquele562.

Os navios devem trafegar com a bandeira de um só Estado, que o identifique e lhe dê personalidade, só se submetendo à jurisdição deste, não podendo mudar de bandeira, exceto em caso de mudança de propriedade e registro, cabendo aos Estados o estabelecimento de mecanismos para regular e fiscalizar tal mudança e aos atores privados o respeito a esta regra, a fim de ter garantido o exercício do direito de

liberdade de navegação563

.

Este poder/dever conferido aos navios de arvorar a bandeira de um determinado Estado é um dos principais mecanismos para efetivar o que se entende por liberdade de navegação. Referida liberdade deve ser interpretada como proibição de interferência, em tempos de paz, de um Estado sobre outro, o que resulta na impossibilidade de uma embarcação, ainda que militar, que arvore uma bandeira de interferir na navegação de outro navio com bandeira diversa do seu pavilhão, ainda que

esta última embarcação seja privada564

.

A liberdade dos mares não exclui por completo a chamada autodefesa ou autoproteção, havendo posicionamento na doutrina no sentido de autorizar a possibilidade de interferência de um Estado de pavilhão em outro pavilhão, quando o objetivo for a defesa. Observa-se que, em casos de ameaça à segurança nacional, pode haver o exercício de uma jurisdição autoprotetora, que dá o direito de visita a um navio

em alto mar e de submetê-lo a julgamento565-566.

Ressalte-se que o alto mar não é um espaço totalmente livre, além da lei do pavilhão, aplicam-se também normas internacionais, não sendo admitida a utilização deste espaço marítimo para a prática de ações criminosas. Logo, considerando a existência de restrições à livre navegação consagradas em tratados e convenções internacionais, cabe aos Estados cooperar na repressão de atividades ilícitas por meio da

562

MENEZES, Wagner. O direito do mar. Brasília: FUNAG, 2015, p. 116. 563

MENEZES, Wagner. O direito do mar. Brasília: FUNAG, 2015, p. 117. 564

ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de Direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013, p. 247. 565

ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de Direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013, p. 248. 566

Sobre este tema André Panno Beirão comenta a postura controversa dos Estados Unidos, que reforça essa possibilidade de autoproteção: ―A posição dos EUA tem sido basear suas ações no Direito Internacional dos Conflitos Armados, sob a presunção da legítima defesa coletiva, mais que sobre o Direito do Mar de Montego Bay. Assim, a despeito da presunção de legalidade nesse tipo de operação visando o bem comum em reprimir possíveis ações terroristas, trata-se de nova construção legal ainda em latente consolidação, mais pelo costume que pela previsão legal‖. BEIRÃO, André Panno. ―Segurança no mar‖: que segurança? In: BEIRÃO, André Panno; PEREIRA, Antônio Celso Alves (Org.). Reflexões

fiscalização realizada por navios de guerra sobre as embarcações não militares que

arvorem sua bandeira e até mesmo, em certos casos, sobre embarcações estrangeiras567-

568

.

Assim como, cabe aos capitães das embarcações não militares a observância das normas internacionais, devendo cuidar para que os navios sob seu comando se abstenham da prática de qualquer ação considerada criminosa em alto mar.

A CNDUM prevê expressamente a repressão da prática em alto mar de atividades consideradas ilícitas, são elas: a pirataria, o tráfico de escravos, o tráfico de estupefacientes, as transmissões de rádio e televisão não autorizadas.

Uma das formas de repressão à prática de ilícitos em alto mar se dá por meio do direito de visita, consagrado no artigo 100 da Convenção de Direito do Mar. Esse direito é atribuído aos navios de guerra sempre que houver a suspeita de prática de um dos ilícitos acima mencionados, ou, ainda, quando o navio não tem nacionalidade ou tem a mesma nacionalidade que o navio de guerra, embora arvore bandeira estrangeira ou se recuse a içar a sua bandeira, tratando-se nessa hipótese de uma espécie de

jurisdição universal569

.

Acrescente-se que se trata de um poder de polícia reconhecido a todos os Estados de fiscalizar o alto mar contra qualquer ato considerado ilícito neste espaço marítimo, contudo, apesar de qualquer Estado gozar de legitimidade, por meio de um navio de guerra, de se aproximar, fiscalizar e investigar uma embarcação, a regra é que o Estado estrangeiro não tem jurisdição para julgar os infratores, devendo entregá-los às

autoridades competentes do Estado de pavilhão570.

Importante destacar que, mesmo tendo um regime jurídico próprio, por força do disposto no artigo 58.2, aplicam-se as mesmas restrições e possibilidade de exercício do poder de polícia na zona econômica exclusiva e, consequentemente, tendo em vista a sobreposição das duas faixas, também sobre a zona contígua, o que é de

567

ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de Direito do mar. Curitiba: Juruá, 2013, p. 263. 568

―Any freedom that is to be exercised in the interests of all entitled to enjoy it must be regulated. Hence, the law of the seas contains certain rules, most of them already recognized in positive international law, which are designed not to limit or restrict the freedom of the high seas but to safeguard its exercise in the interests of the international community‖. UNITED NATIONS. Report of the International Law

Commission Covering the Work of its Seventh Session 2 May - 8 July 1955, Official Records of the

General Assembly, Tenth Session, Supplement No. 9 (A/2934). Yearbook of the International Law

Commission, vol. II, 1955, p. 22. Disponível em:

http://legal.un.org/ilc/documentation/english/reports/a_cn4_94.pdf Acesso em 03 jan. 2019. 569

BECKER, Michael A. The Shifting Public Order of the Oceans: Freedom of Navigation ant the Interdiction of ships at sea. Harvard International Law Journal, v. 46, n. 1, p. 131-230, Dez./Mar. 2005, p. 204.

570

especial importância quando se trata desta última, uma vez que a sua existência justifica-se na promoção da segurança do território e do mar territorial do Estado

ribeirinho contra a prática de ilícitos que venham a ofender seus interesses nacionais571.

Não se deve, no entanto, considerar as hipóteses de atividades ilícitas a serem reprimidas em alto mar previstas na Convenção como um rol taxativo, haja vista que o ambiente marítimo, por sua falta de fiscalização ostensiva e por sua própria imensidão, propicia a prática de outros ilícitos, dentre estes se destaca, em razão do tema desta tese, o contrabando de migrantes, como já mencionado.

O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao combate ao tráfico de migrantes por via terrestre, marítima e aérea estabelece como sendo dever dos Estados Partes da referida Convenção, exercer o poder de polícia no sentido de fiscalizar embarcações suspeitas, podendo abordá-las e revistá-las, desde que os navios suspeitos arvorem o seu pavilhão, invoquem o registro da matrícula neste Estado, não tenham nacionalidade ou sejam equiparados a navios sem nacionalidade, ou, ainda, quando autorizado pelo Estado do

pavilhão572

.

No que concerne aos navios sem bandeira, ou seja, sem nacionalidade, geralmente o meio de transporte utilizado por solicitantes de refúgio, o direito de visita desfrutado em relação aos mesmos por todos os Estados tem sua extensão discutida pela doutrina, sem um consenso sobre o tema.

A polêmica sobre a extensão de tal direito consiste na existência ou não de poderes adicionais, além de abordar a embarcação e verificar sua nacionalidade, se

abrangeria ainda poderes de detenção e interdição573.

O posicionamento majoritário da doutrina internacional é no sentido de defender que poderes excepcionais como esses devem estar expressamente previstos em

571

Importante destacar que, conforme já analisado no subtópico anterior, no incidente envolvendo o M/V Enrica Lexie, a Índia descumpriu tal regra, tendo a Suprema Corte do país reconhecido a competência do país para julgar os dois marinheiros italianos que supostamente atiraram em duas pessoas por tê-las confundido com piratas, assim como a Corte reconheceu a possibilidade de aplicação do Código Penal indiano ao caso.

572

PROTOCOLO Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea = PROTOCOL against the Smuggling of Migrants by Land, Sea and Air, supplementing the Convention against Transnational Organised Crime. 12 dezembro 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/decreto/d5016.htm Acesso em 03 jan. 2019.

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MORENO-LAX, Violeta. The interdiction of asylum seekers at sea: law and (mal)practice in Europe and Australia. Policy brief, v. 4, May 2017, p. 05. Disponível em: http://www.kaldorcentre.unsw.edu.au/sites/default/files/Policy_Brief4_Interdiction_of_asylum_seekers_a t_sea.pdf Acesso em 10 maio de 2017.

Convenções ou em Tratados, estando este tipo de poder coercitivo e o direito de visita regulados em cláusulas distintas na Convenção de Montego Bay, previstos apenas em relação à pirataria e às transmissões não autorizadas a partir do alto mar, logo, pressupondo-se que o direito de visita referente às embarcações sem bandeira não

incluiria também o poder de detenção e de interdição574.

O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao combate ao tráfico de migrantes por via terrestre, marítima e aérea garante expressamente o direito de visita ao Estado Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio sem nacionalidade – ou equiparado a um navio sem nacionalidade – se encontra envolvido no tráfico de migrantes por via marítima, assim como prevê que se forem encontradas provas que confirmem a suspeita, esse Estado Parte poderá tomar as medidas apropriadas em conformidade com o direito

interno e internacional aplicáveis575

.

Tais medidas apropriadas devem, no entanto, nos termos do próprio Protocolo, preservar e proteger os direitos das pessoas que foram objeto dos atos criminosos, sem prejuízo dos direitos e garantias consagrados no direito internacional humanitário e no direito internacional relativo aos direitos humanos e, em particular, quando aplicáveis, na Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto

dos Refugiados e ao princípio do non-refoulement neles enunciado576

.

Portanto, ações como apreender um navio e deter aqueles a bordo, ordenar que uma embarcação modifique seu curso, ou conduzir um navio ou os passageiros deste para um país terceiro ou entregá-lo às autoridades de um terceiro Estado, não

seguem os termos dos tratados aplicáveis577.

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MORENO-LAX, Violeta. The interdiction of asylum seekers at sea: law and (mal)practice in Europe and Australia. Policy brief, v. 4, May 2017, p. 05. Disponível em: http://www.kaldorcentre.unsw.edu.au/sites/default/files/Policy_Brief4_Interdiction_of_asylum_seekers_a t_sea.pdf Acesso em 10 maio de 2017.

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PROTOCOLO Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea = PROTOCOL against the Smuggling of Migrants by Land, Sea and Air, supplementing the Convention against Transnational Organised Crime. 12 dezembro 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/decreto/d5016.htm Acesso em 03 jan. 2019.

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PROTOCOLO Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea = PROTOCOL against the Smuggling of Migrants by Land, Sea and Air, supplementing the Convention against Transnational Organised Crime. 12 dezembro 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/decreto/d5016.htm Acesso em 03 jan. 2019.

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MORENO-LAX, Violeta. The interdiction of asylum seekers at sea: law and (mal)practice in Europe and Australia. Policy brief, v. 4, May 2017, p. 05. Disponível em: http://www.kaldorcentre.unsw.edu.au/sites/default/files/Policy_Brief4_Interdiction_of_asylum_seekers_a t_sea.pdf Acesso em 10 maio de 2017.

O fato de os barcos utilizados por solicitantes de refúgio muitas vezes estarem sem bandeira e não terem uma nacionalidade não confere aos Estados poderes