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A Austrália e uma nova interpretação do direito internacional dos refugiados

3 FLUXOS IMIGRATÓRIOS PELO MAR E SEGURANÇA DE FRONTEIRAS: EXERCÍCIO REGULAR DA SOBERANIA ESTATAL OU OFENSA AO

3.1 A Securitização dos vulneráveis no mar: A conformação do direito de locomoção pela noção de segurança estatal

3.1.3 A Austrália e uma nova interpretação do direito internacional dos refugiados

A Austrália mantém uma política muito agressiva e restritiva no que tange à entrada ilegal de solicitantes de refúgio em seu território, apesar de muitos desses

solicitantes serem provenientes de locais devastados por guerras419

.

Desde a década de 70 a costa Australiana enfrenta a questão das migrações pelo mar, os números de chegada, no entanto, só passaram a ser significativos no triênio

417

LEGOMSKY, Stephen H. The USA and the Caribbean Interdiction Program. International Journal

of Refugee Law, v. 18, nº 3-4, September 2006, pp. 677–695, p. 694. Disponível em:

https://academic.oup.com/ijrl/article-abstract/18/3-4/677/1537973 Acesso em 21 dez. 2018. 418

LEGOMSKY, Stephen H. The USA and the Caribbean Interdiction Program. International Journal

of Refugee Law, v. 18, nº 3-4, September 2006, pp. 677–695, p. 686. Disponível em:

https://academic.oup.com/ijrl/article-abstract/18/3-4/677/1537973 Acesso em 21 dez. 2018. 419

É necessário destacar a posição contraditória que a Austrália adota sobre o tema, tendo em vista que ao mesmo tempo em que o país tenta restringir a chegada de solicitantes de refúgio à sua costa em busca do reconhecimento de proteção internacional, participa do programa de reassentamento do Alto Comissariado das Nações Unidas, sendo inclusive um dos maiores per capita dentro do órgão. THE CONVERSATION. FactCheck: Does Australia take more refugees per capita through the UNHCR

than any other country? Disponível: http://theconversation.com/factcheck-does-australia-take-more-

de 1999-2001, quando nos três anos somados mais de 12.000 pessoas entraram na

Austrália de forma clandestina utilizando-se de rotas marítimas420.

Em 2001 o Parlamento australiano revisou as políticas nacionais em matéria imigratória e aprovou uma série de medidas legais a fim de restringir a imigração para a

Austrália, lançando as bases para o atual regime de refúgio vigente no país 421.

As modificações introduzidas na legislação imigratória nacional foram editadas como uma resposta direta ao incidente envolvendo o cargueiro M/V Tampa, em Agosto de 2001, quando 433 solicitantes de refúgio – a maioria de origem Afegã, que fugiam do regime Talibã – foram resgatados em alto mar pelo referido cargueiro, tendo se instalado uma controvérsia diplomática a respeito de onde os resgatados

deveriam desembarcar, tendo em vista a negativa australiana de receber essas pessoas422

. Saliente-se que o pedido de desembarque dos resgatados pelo cargueiro na ilha de Christmas, território australiano, estava de acordo com as normas de direito internacional do mar, tendo em vista aquele ser o porto seguro mais próximo para

desembarque423

.

Para evitar o desembarque dos passageiros a Austrália fechou seu mar territorial, enviando tropas do Serviço Especial Aéreo Australiano para impedir que o navio entrasse nas águas territoriais da Austrália, com o intuito de evitar que os

solicitantes de refúgio pudessem apresentar seu pedido de refúgio no país424

.

Destaque-se que o governo utilizou um discurso securitizador para justificar a situação, retratando aqueles a bordo como ameaças à segurança da Nação australiana, sendo identificados como migrantes ―ilegais‖, a despeito do fato da maioria das pessoas a bordo do M/V Tampa serem afegãs e a Austrália ter um histórico de 85% (oitenta e

420

PHILLIPS, Janet. Boat arrivals and boat „turnbacks‟ in Australia since 1976: a quick guide to the

statistics. Parliament of Australia. Disponível em:

https://www.aph.gov.au/About_Parliament/Parliamentary_Departments/Parliamentary_Library/pubs/rp/rp 1617/Quick_Guides/BoatTurnbacks#_Table_1:_Boat Acesso em 22 dez. 2018.

421

HAMLIN, Rebecca. Let Me Be a Refugee: Administrative Justice and the Politics of Asylum in the United States, Canada, and Australia.New York: Oxford University Press, 2014, p. 55.

422

GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 101.

423

CONVENÇÃO Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimos = INTERNATIONAL Convention

on Maritime Search and Rescue. 27 abril 1979. Disponível em:

https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/sar_consolidada_emd_jul2010.pdf Acesso em 25 jan. 2018.

424

DAUVERGNE, Catherine. Making people illegal: what globalization means for migration and law. New York: Cambridge University Press, 2008, p. 52.

cinco por cento) de aprovação das solicitações de refúgio apresentadas por nacionais do

Afeganistão425.

O impasse foi resolvido graças a um acordo celebrado com a Nova Zelândia e Nauru, que concordaram em receber os solicitantes de refúgio resgatados e EM

processar os seus pedidos de refúgio426.

Assim, em resposta ao referido incidente a Austrália, ainda em 2001, emendou sua legislação imigratória, a fim de validar de forma retroativa a resposta executiva dada diante da controvérsia envolvendo o cargueiro M/V Tampa e com o fito de evitar que futuros solicitantes de refúgio que chegassem à costa australiana tivessem

acesso a procedimentos legais de refúgio vigentes no país427

.

A nova política sobre refúgio ganhou o nome de ―Solução do Pacífico‖, tendo como base quatro ações, das quais merecem destaque: a exclusão de mais de 4.000 (quatro mil) ilhas australianas da zona de migração, por meio de atos

parlamentares428

; a transferência dos centros de detenção para fora do território da Austrália, ou seja, para além do seu mar territorial, onde não estariam submetidos à lei australiana 429

.

Aqueles que chegassem a uma das ilhas excluídas da zona de imigração sem

um visto válido era declarado como "pessoa de entrada offshore"430

, podendo ser enviada para um "país declarado", ficando impedida de requerer um visto de entrada para a Austrália.

425

DAUVERGNE, Catherine. Making people illegal: what globalization means for migration and law. New York: Cambridge University Press, 2008, p. 52.

426

GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 101.

427

GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 101-102.

428

Na prática esta medida significava que a Austrália não estaria obrigada a processar os pedidos de refúgio de ninguém que ingressasse em uma dessas ilhas. HAMLIN, Rebecca. Let Me Be a Refugee: Administrative Justice and the Politics of Asylum in the United States, Canada, and Australia.New York: Oxford University Press, 2014, p. 56.

429

HAMLIN, Rebecca. Let Me Be a Refugee: Administrative Justice and the Politics of Asylum in the United States, Canada, and Australia.New York: Oxford University Press, 2014, p. 56.

430

Em inglês, ―offshore entry person‖. De acordo com a emenda migratória editada em 2001 em referência à legislação imigratória de 1958 pelo governo australiano, é considerado como tal aquele que: a) entrou na Austrália em um lugar offshore excluído após o tempo de exclusão para aquele local no mar; e b) tornou-se um estrangeiro ilegal por causa dessa entrada. AUSTRALIA. Migration Amendment

(Excision from Migration Zone) Act 2001, 27 september 2001. Disponível em: https://www.legislation.gov.au/Details/C2004A00887 Acesso em 23 dez. 2018.

Nos territórios estrangeiros considerados como ―país declarado‖ não era

aplicável a legislação australiana de migrações431, assim como foram introduzidas

também medidas que proibiam que uma "pessoa de entrada offshore" tivesse acesso às

Cortes australianas432.

A Austrália firmou acordos com Nauru e Papua Nova Guiné que tinham por escopo o estabelecimento de centros de detenções offshore nos respectivos territórios dos países mencionados, para onde as ―pessoas de entrada offshore‖ poderiam ser transferidas, a fim de viabilizar a remoção e o envio para outro país daqueles que

entrassem no território excluído da zona de imigração australiana433

.

Além das medidas já comentadas, foi desenvolvido também, no mesmo período, um programa de interdição de embarcações não autorizadas que eram interceptadas pela marinha australiana, quando estas ainda estavam em alto mar.

A operação foi chamada de ―Operação Relex‖ e baseava-se em um memorando de entendimento firmado entre a Austrália e a Indonésia, com base no qual as embarcações interceptadas eram escoltadas de volta para a Indonésia, de onde se

originavam 434

.

Caso a tentativa de retorno falhasse, os solicitantes de refúgio seriam detidos e transferidos para o processamento de suas solicitações de refúgio nos centros de detenção offshore estabelecidos em Nauru ou em Papua Nova Guiné, conforme a política para imigrantes irregulares que se utilizavam de rotas marítimas vigente à época.

Assim como ocorreu no incidente com os resgatados pelo M/V Tampa, o governo australiano buscou legitimar as medidas adotadas de securitização dos movimentos imigratórios pelo mar pela utilização do discurso de securitização das

431

AUSTRALIA. Migration Amendment (Excision from Migration Zone) Act 2001, 27 september 2001. Disponível em: https://www.legislation.gov.au/Details/C2004A00887 Acesso em 23 dez. 2018. 432

GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 101-102.

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GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 102.

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GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 102.

questões imigratórias, discurso este bastante reforçado pelo momento internacional

vivido pós 11 de setembro435.

Observou-se uma queda nos números de chegadas a partir de 2002436, mas

apenas em fevereiro de 2008, quando o partido trabalhista assumiu o governo australiano após apresentar como uma de suas promessas eleitorais o fim do que ficou conhecido como ―Solução do Pacífico‖, foi anunciado o fechamento do centro de detenção ainda em funcionamento nas ilhas Nauru, sendo mantido somente o centro de

detenção instalado em território australiano, nas ilhas Christmas437

.

Ressalte-se, no entanto, que as ―pessoas de entrada offshore‖ continuavam a ser impedidas de ter acesso ao processo de determinação do status de refugiadas vigente na Austrália, sendo submetidas a uma forma de processamento diferenciado, em que as

garantias eram mitigadas438

.

Entre os anos de 2009 e 2013 a quantidade de migrantes pelo mar atingiu um novo recorde, acumulando o total de mais de 50.000 (cinquenta mil) pessoas que chegaram à Austrália de forma irregular por meio de rotas marítimas, 20.587 (vinte mil, quinhentas e oitenta e sete) pessoas só no ano de 2013, ano em que houve o maior

número de ocorrências439

.

Somado ao crescimento no número de chegadas, dois outros acontecimentos desencadearam a re-instauração da ―Solução do Pacífico‖. O primeiro deles foi a decisão histórica da Suprema Corte Australiana que reconheceu que as ―pessoas de entrada offshore‖ tinham direito, conforme as leis do país, de ter acesso às cortes nacionais e de ter os seus pedidos de refúgio revisados para determinar se os mesmos

435

DAUVERGNE, Catherine. Making people illegal: what globalization means for migration and law. New York: Cambridge University Press, 2008, p. 52.

436

PHILLIPS, Janet. Boat arrivals and boat „turnbacks‟ in Australia since 1976: a quick guide to the

statistics. Parliament of Australia. Disponível em:

https://www.aph.gov.au/About_Parliament/Parliamentary_Departments/Parliamentary_Library/pubs/rp/rp 1617/Quick_Guides/BoatTurnbacks#_Table_1:_Boat Acesso em 22 dez. 2018.

437

HAMLIN, Rebecca. Let Me Be a Refugee: Administrative Justice and the Politics of Asylum in the United States, Canada, and Australia.New York: Oxford University Press, 2014, p. 57.

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GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 103-105.

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PHILLIPS, Janet. Boat arrivals and boat „turnbacks‟ in Australia since 1976: a quick guide to the

statistics. Parliament of Australia. Disponível em:

https://www.aph.gov.au/About_Parliament/Parliamentary_Departments/Parliamentary_Library/pubs/rp/rp 1617/Quick_Guides/BoatTurnbacks#_Table_1:_Boat Acesso em 22 dez. 2018.

haviam sido decididos com a observância da lei, inclusive das regras de common law sobre justiça440.

A outra circunstância que provocou o reestabelecimento de tal política foi a eclosão de uma rebelião no centro de detenção localizado nas ilhas Christmas, em decorrência das péssimas condições em que os imigrantes eram mantidos, por conta,

dentre outros fatores, da superlotação das instalações441.

Em 2012, após determinar a realização de um painel de experts para tratar sobre formas de prevenir que solicitantes de refúgio arriscassem suas vidas em perigosas travessias pelo mar em direção à Austrália, o governo australiano adotou uma série de medidas para lidar com o aumento do número de embarcações que chegavam à

costa australiana com pessoas tentando obter refúgio no país442

.

Entre as medidas adotadas fundadas nas recomendações dos experts destaca-se a negociação pelo governo australiano de novos memorandos de entendimento para a reabertura dos centros de detenção em Nauru e em Papua Nova Guiné. Com isso, foi reaberto em agosto de 2012 o centro de detenção instalado em

Nauru443

e em setembro de 2012 as instações localizadas em Papua Nova Guiné – PNG, o objetivo era transferir para tais países os solicitantes de refúgio que tentassem entrar

em território australiano pelo mar444

.

Para evitar que a Suprema Corte Australiana contestasse tais medidas, foram aprovadas mudanças legislativas que excluíram os limites anteriormente existentes quanto aos acordos para transferência e processamento dos pedidos de refúgio offshore445.

O novo processamento extraterritorial instituído a partir de 2012 pela Austrália, difere do regime proposto originariamente para a ―Solução do Pacífico‖ em

440

AUSTRALIA. High Court of Australia, Plaintiff M61/2010E v Commonwealth of Australia and Plaintiff M69 of 2010 v Commonwealth of Australia, [2010] HCA 41, 11 November 2010. Disponível em: http://eresources.hcourt.gov.au/downloadPdf/2010/HCA/41 Acesso em 23 dez. 2018.

441

HAMLIN, Rebecca. Let Me Be a Refugee: Administrative Justice and the Politics of Asylum in the United States, Canada, and Australia.New York: Oxford University Press, 2014, p. 57.

442

HAMLIN, Rebecca. Let Me Be a Refugee: Administrative Justice and the Politics of Asylum in the United States, Canada, and Australia.New York: Oxford University Press, 2014, p. 58.

443

HAMLIN, Rebecca. Let Me Be a Refugee: Administrative Justice and the Politics of Asylum in the United States, Canada, and Australia.New York: Oxford University Press, 2014, p. 58.

444

PAPUA NOVA GUINÉ. Suprema Corte de Justiça de Papua Nova Guiné. 2016. Sentença de 26 de abril, Belden Namah v. ministro de assuntos estrangeiros e imigração, o Conselho Nacional

Executivo e o Estado independente de Papua Nova Guiné. Disponível em: http://www.rilc.org.au/Policy-and-Law-Reform/ManusJudgment.pdf Acesso em 08 dez. 2018.

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GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 105-106.

2001 em vários pontos importantes. Entre as mudanças implementadas chama atenção a expansão das categorias de pessoas que passaram a estar sujeitas à transferência para países terceiros, com a inclusão de todos que cheguem em embarcações não autorizadas, o que incluí chegadas aos territórios declarados como fora da zona de imigração, bem

como àqueles que não receberam tal classificação446.

Em 2013, o novo governo eleito não só continuou a política de processamento extraterritorial em Papua Noa Guiné e em Nauru, como reintroduziu a política de interdição e retorno dos solicitantes de refúgio para a Indonésia, sempre que

era possível447

.

Em dezembro de 2014, o parlamento australiano aprovou a controversa Lei de Migração e Regulamentação dos Poderes Marítimos, que introduziu mudanças substanciais no tocante ao tratamento empregado aos solicitantes de refúgio na

Austrália, com implicações específicas para os migrantes por via marítima448

.

A Lei de Migração e Regulamentação dos Poderes Marítimos promoveu mudanças na legislação imigratória de 1958, excluindo desta a maioria das referências que antes constavam sobre a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, assim como estabeleceu novos paradigmas para uma interpretação australiana da

referida Convenção quanto às obrigações assumidas pelo país inerentes à mesma449

. No que tange a nova interpretação estabelecida pela legislação australiana a respeito das obrigações decorrentes da Convenção de 1951, a lei previu como irrelevante a obrigação de non-refoulement no que concerne aos ―não-cidadãos

ilegais"450, bem como dispõs acerca do dever dos oficiais responsáveis pela proteção das

446

AUSTRALIA. Migration Legislation Amendment (Regional Processing and Other Measures) Act

2012, 17 august 2012. Disponível em: https://www.legislation.gov.au/Details/C2012A00113 Acesso em

23 dez. 2018. 447

GHEZELBASH, Daniel. Lessons in Exclusion: Interdiction and Extraterritorial Processing of Asylum Seekers in the United Satates and Australia. In: GAUCI, Jean-Pierre; GIUFFRÉ, Mariagiulia; TSOURDI, Evangelia Lilian (Ed.). Exploring the boundaries of refugee law: current protection challenges. Leiden: Hotei Publishing, p. 90-117, 2015, p. 105-106.

448

EDIS, Bayan. Seaborne Asylum Seekers in the 21stCentury: An Australian‘s Perspective. Refugee

Review: Re-conceptualizing Refugees and Forced Migration in the 21st Century, v. 2, n. 1, p. 195-

197, Jun. 2015, p. 195-196. Disponível em: https://refugeereview2.wordpress.com/discussion- series/seaborne-asylum-seekers-in-the-21st-century-an-australians-perspective-by-bayan-edis/ Acesso em 30 nov. 2018.

449

EDIS, Bayan. Seaborne Asylum Seekers in the 21stCentury: An Australian‘s Perspective. Refugee

Review: Re-conceptualizing Refugees and Forced Migration in the 21st Century, v. 2, n. 1, p. 195-

197, Jun. 2015, p. 195-196. Disponível em: https://refugeereview2.wordpress.com/discussion- series/seaborne-asylum-seekers-in-the-21st-century-an-australians-perspective-by-bayan-edis/ Acesso em 30 nov. 2018.

450

Tal designação foi a adotada pela Lei de Migração e Regulamentação dos Poderes Marítimos, em inglês ―unlawful non-citizen‖.

fronteiras de removerem tais pessoas do território australiano, mesmo que essas busquem proteção internacional na condição de refugiadas e independentemente de

qualquer violação das obrigações de não-devolução da Austrália451.

Outro trecho da nova lei que desafia normas de direito internacional é a previsão que trata do poder dado ao Ministro da Imigração e Proteção de Fronteiras de, sem direito a recurso, determinar a detenção de solicitantes de refúgio no mar e sua remoção para outros lugares.

A lei previu que a pessoa, aeronave ou embarcação podem ser levadas para um destino que não precisa ser considerado território de um país, o que incluíria a possibilidade de serem levadas para local bem no limite externo da fronteira de outro

Estado452

, ou seja, em zonas para além do mar territorial e águas arquipelágicas453

. A nova legislação também limitou o acesso a qualquer tipo de recurso quanto ao exame de mérito das decisões dos pedidos de refúgio, especialmente para solicitantes que cheguem irregularmente ao país, principalmente por meio de rotas marítimas454-455

.

451

―197C Australia‟s non-refoulement obligations irrelevant to removal of unlawful non-citizens

under section 198 (1) For the purposes of section 198, it is irrelevant whether Australia has

non-refoulement obligations in respect of an unlawful non-citizen. (2) An officer‘s duty to remove as soon as reasonably practicable an unlawful non-citizen under section 198 arises irrespective of whether there has been an assessment, according to law, of Australia‘s non-refoulement obligations in respect of the non-citizen‖. AUSTRALIA. Migration and Maritime Powers Legislation Amendment (Resolving

the Asylum Legacy Caseload) Act 2014, 24 april 2015. Disponível em: https://www.legislation.gov.au/Details/C2015C00219 Acesso em 23 dez. 2018.

452

―75C Additional provisions about destination to which a vessel, aircraft or person may be taken. (1) To avoid doubt: (a) the destination to which a vessel, aircraft or person is taken (or caused to be taken) under section 69 or 72: (i) does not have to be in a country; and (ii) without limiting