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Direito humano de migrar ou direitos humanos dos migrantes?

3 FLUXOS IMIGRATÓRIOS PELO MAR E SEGURANÇA DE FRONTEIRAS: EXERCÍCIO REGULAR DA SOBERANIA ESTATAL OU OFENSA AO

4 MIGRANTES PELO MAR: TITULARES DE UM DIREITO HUMANO DE MIGRAR OU DE DIREITOS IMIGRATÓRIOS?

4.1 Direito humano de migrar: realidade ou utopia no Direito Internacional?

4.1.2 Direito humano de migrar ou direitos humanos dos migrantes?

A Declaração Universal de Direitos Humanos, dentre outros temas, trata do fenômeno das migrações e dos movimentos transfronteiriços de pessoas, contudo, tal matéria restou consagrada em apenas três artigos, artigos 13 ao 15, nos quais garante-se, respectivamente, a liberdade para emigrar, o direito de se buscar proteção e asilo em outros países, em casos de perseguição e, por fim, o direito de possuir uma

nacionalidade645.

Apesar da Declaração Universal de Direitos Humanos consagrar a existência dos direitos apontados nos seus artigos 13 a 15, o documento não prevê

645

LUNARDI, Thamirys Mendes. A política migratória do Mercosul: entre discurso e efetividade (1991-2014). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópilis, 2016, p. 32-33.

obrigações correspondentes aos Estados, em razão disso não há em nenhum dos artigos

indicados, uma garantia explícita quanto a existência de um direito à imigração646.

O estudo do fenômeno da mobilidade humana passa necessariamente pela análise do direito universal à liberdade de locomoção do indivíduo, contudo, conforme acima destacado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, ao consagrar em seu artigo 13º tal direito, garantiu de forma expressa apenas o direito de todo indivíduo deixar o país em que se encontra, inclusive o próprio, e a este regressar, não incluindo um direito a ingressar e permanecer no país de destino, pelo menos que possa ser considerado universal e que garanta a todos os indivíduos, independentemente de se encontrarem em situação de perseguição ou não, a possibilidade de exercê-lo livremente647-648.

Apenas em relação ao refúgio observa-se no direito internacional a existência de um direito de solicitação de entrada e permanência no território de outro Estado, desde que preenchidos os requisitos legais, situação em que, ainda assim, não há

garantias de que a solicitação seja aceita649.

Esta distinção entre os solicitantes de refúgio e os demais imigrantes deve- se às condições de extrema vulnerabilidade em que aqueles devem se encontrar, por sofrerem perseguições em razão da raça, religião, nacionalidade, grupo social, opiniões

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LUNARDI, Thamirys Mendes. A política migratória do Mercosul: entre discurso e efetividade (1991-2014). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópilis, 2016, p. 33.

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MERIGUETI, Diego Souza. A dimensão subjetiva do direito humano de migrar. In: Encontro da ANDHEP - Direitos Humanos, Sustentabilidade, Circulação Global e Povos Indígenas, 9, 2016, Vitória.

Anais do 9º Encontro da ANDHEP - Direitos Humanos, Sustentabilidade, Circulação Global e Povos Indígenas, Vitória: UFES, 2016, p. 03-04. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:QU41i6LZNxkJ:www.andhep2016.sinteseevent os.com.br/arquivo/downloadpublic%3Fq%3DYToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNDoiYToxOntzOjEwOi JJRF9BUlFVSVZPIjtzOjM6IjUzNiI7fSI7czoxOiJoIjtzOjMyOiIyZjA5ZDcwNzE2MTViMTBlZWM4Mz U2OGY1ZmFhNmNjOSI7fQ%253D%253D+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso em 20 ago. 2018.

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O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos consagrou dispositivo semelhante em seu artigo 12 (2), em que garante o direito de deixar o território de qualquer país, mas também falhou no que tange à previsão de uma obrigação recíproca, ou seja, a garantia do direito de imigrar, sendo apenas garantido o direito de entrar em seu próprio país.

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MERIGUETI, Diego Souza. A dimensão subjetiva do direito humano de migrar. In: Encontro da ANDHEP - Direitos Humanos, Sustentabilidade, Circulação Global e Povos Indígenas, 9, 2016, Vitória.

Anais do 9º Encontro da ANDHEP - Direitos Humanos, Sustentabilidade, Circulação Global e Povos Indígenas, Vitória: UFES, 2016, p. 03-04. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:QU41i6LZNxkJ:www.andhep2016.sinteseevent os.com.br/arquivo/downloadpublic%3Fq%3DYToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNDoiYToxOntzOjEwOi JJRF9BUlFVSVZPIjtzOjM6IjUzNiI7fSI7czoxOiJoIjtzOjMyOiIyZjA5ZDcwNzE2MTViMTBlZWM4Mz U2OGY1ZmFhNmNjOSI7fQ%253D%253D+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso em 20 ago. 2018.

políticas ou grave e generalizada violação a direitos humanos650, a fim de serem

considerados aptos a receber a proteção internacional na condição de refugiados651.

Mesmo diante da situação de vulnerabilidade dos solicitantes de refúgio, e de serem considerados bastante consolidados os direitos humanos reconhecidos à essas pessoas e aos refugiados, os Estados têm encontrado formas de não honrar tais direitos652.

O direito internacional dos refugiados representa uma exceção à regra de soberania estatal, que garante aos Estados a liberdade de decidir quem pode cruzar as suas fronteiras. No que concerne aos seus nacionais, o Estado tem uma obrigação, de acordo com o disposto no artigo 13 da declaração universal de direitos humanos, de admiti-los, contudo, em relação às demais admissões em seu território as decisões são discricionárias, com exceção dos casos em que a pessoa consegue apresentar o seu pedido de refúgio de forma fundamentada, razão pela qual os Estados têm articulado

uma série de medidas, na tentativa de mitigar tal exceção653.

O direito ao refúgio deveria ser o meio por intermédio do qual os indivíduos em situação de vulnerabilidade teriam acesso a uma série de direitos, dentre eles direitos políticos, civis e sociais, no entanto, atualmente, o que se observa é o esvaziamento

dessa noção654-655.

650

Em relação a grave e generalizada violação de direitos humanos, tal hipótese de concessão do status de refugiado é reconhecida pelos países, assim como o Brasil, que adotaram o conceito ampliado de refugiado, proposto pela Declaração de Cartagena de 1984.

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MERIGUETI, Diego Souza. A dimensão subjetiva do direito humano de migrar. In: Encontro da ANDHEP - Direitos Humanos, Sustentabilidade, Circulação Global e Povos Indígenas, 9, 2016, Vitória.

Anais do 9º Encontro da ANDHEP - Direitos Humanos, Sustentabilidade, Circulação Global e Povos Indígenas, Vitória: UFES, 2016, p. 03. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:QU41i6LZNxkJ:www.andhep2016.sinteseevent os.com.br/arquivo/downloadpublic%3Fq%3DYToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNDoiYToxOntzOjEwOi JJRF9BUlFVSVZPIjtzOjM6IjUzNiI7fSI7czoxOiJoIjtzOjMyOiIyZjA5ZDcwNzE2MTViMTBlZWM4Mz U2OGY1ZmFhNmNjOSI7fQ%253D%253D+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso em 20 ago. 2018.

652

PARASHAR, Archana. Human Rights of Refugees. In: ISLAM, M. Rafiqul; BHUIYAN, Jahid Hossain (Ed.). An Introduction to International Refugee Law. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, p. 357-378, 2013, p. 376.

653

DAUVERGNE, Catherine. Making people illegal: what globalization means for migration and law. New York: Cambridge University Press, 2008, p. 62.

654

DENARO, Chiara. How to Re-conceptualize The Right to Asylum in the lethal Sea-crossing age?

Refugee Review: Re-conceptualizing Refugees and Forced Migration in the 21st Century, v. 2, n. 1,

p. 201-203 , Jun. 2015, p. 202. Disponível em: https://refugeereview2.wordpress.com/discussion- series/how-to-re-conceptualize-the-right-the-asylum-in-the-lethal-sea-crossing-age-by-chiara-denaro/ Acesso em 25 set. 2018.

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―This happens firstly through the politics of the externalization of asylum to so-called ‗safe third countries‘, which are often characterized by a structural lack of protection and hosting systems. This ―emptying process‖ also occurs through regulations, such as the Dublin Regulation, aimed at preventing ―asylum shopping‖ by stopping people in Southern European countries where the welfare state is weaker and stressed by prolonged economic crisis‖. DENARO, Chiara. How to Re-conceptualize The Right to

É fato que a proteção internacional tornou-se mais inclusiva desde o fim da segunda Guerra mundial, no entanto, ainda permanecem algumas barreiras significativas, como, por exemplo, a manutenção, mesmo após quase setenta anos de sua edição, da perseguição como cláusula de inclusão, de acordo com a Convenção de 1951656.

Além disso, até o presente momento, nenhum documento internacional consagrou, pelo menos expressamente, a obrigação dos Estados de conceder asilo – entendido aqui na sua concepção lato sensu, o que inclui também o direito de solicitar refúgio, nos termos da Convenção de 1951.

Acrescente-se que, embora alguns Estados tenham programas para aqueles que requerem proteção internacional emergencial e não conseguem deixar seu país de origem, os pedidos de refúgio não costumam ser aceitos, pois as vítimas de perseguição

precisam atravessar uma fronteira para apresentar a sua solicitação657.

Tendo em vista a adoção de medidas com o intuito de restringir e dificultar a concessão da proteção internacional às pessoas que se enquadram nas cláusulas de inclusão para o reconhecimento da condição de refugiadas, pessoas oriundas de países considerados ―produtores de refugiados‖, em muitos casos, são impedidas de obter

vistos de entrada658

.

Logo, solicitantes de refúgio são obrigados a enfrentar a segurança interna dos Estados receptores, muitas vezes de competência das forças armadas ou de guardas de fronteira, o que faz com que muitas pessoas nessa situação sejam levadas a buscar redes criminosas de contrabando de pessoas, não tendo outra alternativa senão a de

suportar a indignidade do mar e o risco de mais perseguição discriminatória659. Tal

Asylum in the lethal Sea-crossing age? Refugee Review: Re-conceptualizing Refugees and Forced

Migration in the 21st Century, v. 2, n. 1, p. 201-203, Jun. 2015, p. 202. Disponível em:

https://refugeereview2.wordpress.com/discussion-series/how-to-re-conceptualize-the-right-the-asylum-in- the-lethal-sea-crossing-age-by-chiara-denaro/ Acesso em 25 set. 2018.

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MILLS, Ben. Continental Drift: Realigning the Humanitarian Purpose and Practical Reality of International Refugee Law in Western States. Refugee Review: Re-conceptualizing Refugees and

Forced Migration in the 21st Century, v. 2, n. 1, p. 42-58, Jun. 2015, p. 50-51. Disponível em:

https://refugeereview2.wordpress.com/articles/continental-drift-b-mills/ Acesso em 25 set. 2018. 657

MILLS, Ben. Continental Drift: Realigning the Humanitarian Purpose and Practical Reality of International Refugee Law in Western States. Refugee Review: Re-conceptualizing Refugees and

Forced Migration in the 21st Century, v. 2, n. 1, p. 42-58, Jun. 2015, p. 50-51. Disponível em:

https://refugeereview2.wordpress.com/articles/continental-drift-b-mills/ Acesso em 25 set. 2018. 658

DAUVERGNE, Catherine. Making people illegal: what globalization means for migration and law. New York: Cambridge University Press, 2008, p. 54.

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MILLS, Ben. Continental Drift: Realigning the Humanitarian Purpose and Practical Reality of International Refugee Law in Western States. Refugee Review: Re-conceptualizing Refugees and

Forced Migration in the 21st Century, v. 2, n. 1, p. 42-58, Jun. 2015, p. 50-51. Disponível em: