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6.4 EMPATIA

6.4.3 Altruísmo com empatia

A empatia acaba sendo percebida em relatos da maioria dos participantes, até mesmo de alguns que foram classificados como turistas voluntários intermediários, como VI3 e VI6. No caso de VI3, o último dia de interação com as crianças do orfanato foi o momento mais intenso da experiência e onde ela pôde ter esse sentimento:

Aquele episódio que a gente teve no final, de perguntar o que eles esperavam do futuro e vários ali querendo as profissões mais diversas, de engenheiro a dançarino. Mostram que eles pensam que existe um fio de esperança por uma vida melhor e eu acho isso sensacional, foi o que mais impactou, ver elas numa situação bem complicada e mesmo assim com muita esperança, com otimismo e felicidade. [...] Acho que ali deu pra se colocar no lugar delas de verdade,aquela atividades, todo mundo dançar junto, falar, ficou todo mundo no mesmo nível, sabe? Eu achei, foi o momento que me marcou (VI3).

Benson (2010) já trazia relatos de indivíduos que declararam posturas menos egoísticas no pós-experiência, principalmente no que diz respeito ao trato com o próximo – seja em ambientes familiares, como em profissionais ou comunitários. Semelhante situação é encontrada no relato de VI3. Também, o fato desse episódio ter ocorrido no último dia no orfanato é algo poderia ter sido organizado também para a chegada. Foi um evento de agradecimento e despedida, mas algo similar poderia ter ocorrido nos primeiros dias, quando o grupo estava conhecendo o projeto, para reforçar as oportunidades de surgimento de emoções empáticas e de conexão com os atendidos pelo orfanato. Como VI3 já tinha participado de outra viagem de turismo voluntário, aproveitou-se a oportunidade depois dessa resposta para questionar a diferença entre as duas experiências no sentido de empatia e sentimentos que ambas despertaram:

Eu acho que na outra viagem eu fiquei mais próxima das crianças do que dessa vez, mas eu acho que dessa vez teve uma imersão cultural um pouco maior, até pela questão do turismo. Até sobre isso, acho que aí você consegue conhecer um pouco do país e isso pode favorecer o impacto que você deixa na comunidade, quem sabe? Então você perde de um lado, mas ganha de outro também. Mas voltando, em Gana o foco era só o projeto, você acaba vendo o projeto como se fosse o país, entende? Os sentimentos eram mais intensos, até pelo tipo de atividade que era focada na criança e não na estrutura física do projeto. Mas é importante saber que há diversas maneiras de ajudar e de se doar e acho que as duas experiências têm o seu mérito e valor. O importante é querer ajudar eu acredito (VI3).

Pela resposta vemos que VI3 percebeu uma conexão emocional mais forte com o projeto durante outra viagem de turismo voluntário, enquanto a da Índia permitiu uma visão mais ampla da cultura e realidade do país. Há, portanto, pontos positivos nas atividades fora do projeto, visto que também podem proporcionar uma visão de realidades diferentes, imersão cultural e

consequentemente reflexões sobre isso. Mais uma vez, tal resposta apresenta mais um reforço na ideia de que o agente intermediador é, de fato um agente – com poder de agência – nas interações entre ele, os turistas voluntários e a comunidade local do destino da viagem, não podendo se contentar a atuar meramente como operador comercial nesse tipo de serviço.

Para VI6, questionada sobre o que a viagem despertou em termos de sentimentos e emoções, comenta sobre a alteridade, conceito que identifica a existência do “eu” a partir do “outro”, podendo ser relacionado diretamente com a empatia:

Acho a questão da alteridade, que eu tinha essa questão de olhar para outra cultura mesmo, para poder ver como que nós somos diferentes culturalmente, digamos assim, o ser humano é o mesmo, mas algumas coisas culturalmente são diferentes. Acho que a gente está falando muito nesse sentido de ter essa capacidade dos laços. Porque eu, de ver os meninos lá, a gente fica com vontade de levar os meninos para o Brasil e botar eles num canto bom (VI6).

Elaborando um pouco mais a questão de trazer os meninos para o Brasil, comentou “Não que na Índia eles não poderiam ter mais oportunidades com as pessoas de lá, é que a gente pensa no que nós poderíamos fazer pessoalmente, e aqui é onde temos como ajudar mais (VI6).”

Tanto VI3 como VI6 haviam sido classificadas como turistas voluntárias intermediárias, com uma mistura de motivações interpessoais e pessoais, mas que, durante as atividades e convivência no projeto, demonstraram sentimentos empáticos e altruísticos. O contexto pessoal, conforme Taylor (2007), é chave no processo de AT – que retira de si o foco da sua visão de mundo – e, portanto, pode-se inferir que também é capaz de influenciar no surgimento dessas emoções. Como já havia sido mencionado, VI3 ajuda na coordenação de uma ONG em paralelo ao seu trabalho profissional, que é voltado para o setor de políticas públicas de uma empresa privada e já realizou outras experiências de turismo voluntário, além de residir em outro país durante sua pós-graduação. Esses fatores podem contribuir para que desenvolva um olhar mais empático e atitudes mais altruístas, assim como VI6 que já fazia trabalho voluntário no Brasil e tinha bastante interesse na questão da adoção, fato descoberto apenas durante a entrevista pós viagem:

Eu sempre tive muitas voltas com essa questão da adoção, até por isso que eu escolhi o orfanato mesmo, mas uma coisa que eu sinto depois que eu voltei da viagem, que era uma ideia que eu estava namorando há um tempo, é procurar saber, porque a lei relacionada com adoção no Brasil está mudando, tanto o governo quanto ONGs estão fazendo um movimento de implementar outras medidas que melhore, que facilite o processo de adoção (VI6).

Assim, a identificação da situação das crianças do orfanato alinhada com um desejo pessoal e compreensão sobre o assunto pode estimular o surgimento desses sentimentos e atitudes. Como oposto, assim como relatado nos estudos de Kilgore e Bloom (2002), o contexto pessoal pode atuar como inibidor e poderia explicar os relatos de VI5, pois a depressão, a falta de realização profissional e o falecimento da mãe ainda parecem influenciar nas suas motivações e, consequentemente, emoções e atitudes.

Como VI2 também já havia participado de diferentes experiências de turismo voluntário, foi perguntada como essa da Índia a marcou:

Eu achei que marcou muito mais essa viagem pelo fato de que eu nunca tinha ficado tanto tempo em um orfanato. Ter conhecido as crianças e o estilo de vida delas, mesmo que foi pouco tempo eu acho que marcou muito. É muito diferente. Foi uma experiência que eu vou levar para o resto da minha vida. Um lugar muito especial com uma energia muito boa. Mesmo que as crianças passem por muita necessidade e muita dificuldade, elas são muito felizes, são muito unidas. Achei muito bonito isso. Acho que a união das pessoas, no meio de tanta dificuldade, elas se ajudam muito. E foi uma coisa que eu vi muito na África do Sul também. Eu achei os países parecidos nessa parte (VI2).

Antes, havia atuado em creches e em uma escola, sendo essa a primeira viagem para um orfanato. A resposta acima não evidencia o altruísmo dela nessa viagem, mas a sua percepção de que ele está presente nas pessoas que estão envolvidas com os projetos, algo que não tinha sido relatado até então por outros participantes. Aqui, reconhece as qualidades e força de vontade para superação dos problemas que parte deles mesmos e não graças ao auxílio dos turistas voluntários, contrariando as possíveis interações com enfoque neocolonialistas mencionadas por Palacios (2010). A presença de empatia e altruísmo também ficam evidentes no relato abaixo:

Eu tenho esse negócio de me colocar no lugar do outro. Se eu estivesse aqui, eu gostaria que as pessoas viessem me ajudar. Eu vi coisas que eu fiquei triste. Ontem, mesmo que tenha sido um momento muito feliz, eu fiquei com vontade de chorar de ver essas crianças maravilhosas e elas não terem oportunidade. Às vezes, eu vejo as pessoas com tanta oportunidade, até na minha faculdade, mas não estão nem aí. Você vê eles (as crianças) e alguns já são mais velhos, e você pensa “Provavelmente, essa pessoa não vai ter uma família no futuro”. Eu me sinto muito mal às vezes de ter que ir embora. É muito bom você ajudar se você vai trazer alguma mudança para a vida da pessoa, mas depois eu fico pensando “E depois, a vida inteira dele ele vai ter que passar assim?”. [...] Eu espero, realmente, que a gente tenha trazido um pouco de felicidade para essas crianças. Por exemplo, ontem que a gente escutou o que elas queriam ser. Espero que elas tenham ficado felizes que a gente teve um tempo de sentar com elas, escutar, aplaudir, incentivar de alguma forma a seguir os sonhos delas mesmas. Se a gente incentivar elas a correrem atrás do que elas querem, talvez no futuro elas consigam ter uma vida melhor, que elas consigam sair daqui e, talvez, ajudar o orfanato depois, de alguma forma (VI2).

A preocupação com mudanças que tenham um impacto duradouro e a vontade de ajudar também estão relacionadas à classificação de turistas profundos e motivações interpessoais. Além disso, identifica a reflexão do tipo de auxílio que é prestado, do momento posterior a saída dos turistas voluntários e a consciência de que os problemas sociais do local irão persistir caso não haja uma continuidade do trabalho por outros atores. Para VI8 a reflexão também ocorreu a partir do trabalho realizado, porém para um lado mais do autoconhecimento, também apresentando surgimento de empatia e altruísmo:

Então, acho problemas assim tem por tudo, saca? Mas lá eu pude ver que é muito uma coisa de perspectiva, porque eu no lugar deles não sei se ia ter esse otimismo e alegria que eles tinham. Foi muito maneiro, te faz repensar algumas coisas. E acho que, no final, eu saí com um sentimento de missão cumprida, de ter conseguido ajudar da maneira que eu podia, com os desenhos, com a arte. Olha que loucura né, a gente nem sabe que pode ajudar desse jeito às vezes, mas foi (VI8).

Assim como VI8, para VI4 as atividades desenvolvidas e o trabalho concluído tiveram ligação direta com o sentimento de empatia:

O que mais me marcava era quando eles vinham da escola, subiam e viam a pintura progredindo. Os olhos deles brilhavam e eles tentavam se comunicar com a gente. Teve um que falava comigo, mas o inglês dele era bem fraco e eu fingia até que eu entendia, mas eu não entendia, mas ele sorria sempre e eu fiquei imaginando depois eles todos estudando lá, podendo aproveitar isso para o desenvolvimento deles. Isso foi o que mais me tocou, pois deu a sensação de que estava ajudando mesmo (VI4).

Esse relato também pode ser ligado ao conceito de alteridade, mencionado antes por VI6, pois mostra a interdependência do “outro” e do “eu” na interação entre VI4 e as crianças do orfanato. Além disso, interessante evidenciar que VI2, VI4 e VI8 eram os que possuíam as habilidades necessárias para atuarem no projeto dentro do que havia sido proposto (pintura e renovação) e foram os que relacionaram o trabalho que foi feito com o altruísmo/empatia. No caso, VI2 fez essa relação na entrevista pré-viagem, conforme mostrada na seção de avaliação das habilidades para classificação no framework de Callanan e Thomas (2005), enquanto VI4 e VI8 a fizeram na entrevista pós-viagem, mostrada nessa seção. Isso mostra que pode haver uma relação entre habilidades do turista voluntário, trabalho realizado e os sentimentos evocados por causa dessa atuação. Se confirmada, também reforçaria a importância que deve ser dada para o alinhamento de habilidades e necessidades entre participantes e projetos.