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Na pesquisa qualitativa a análise de dados se diferencia da visão de pesquisa positivista onde todos os dados são primeiramente coletados e depois analisados separadamente em outra etapa. No estudo qualitativo, o pesquisador se depara com a necessidade de iniciar a análise já durante o período de coleta dos dados – é um estudo emergente, não se sabe todas as questões que serão perguntadas, se uma nova entrevista poderá ser feita ou para onde olhar em seguida sem analisar os dados sendo coletados, portanto palpites, opiniões fundamentadas e intuição também fazem parte desse processo recursivo e dinâmico tornando a análise mais intensa quando terminada a coleta (MERRIAM, 2009).

O processo de análise é fazer sentido do que foi coletado, consolidando, reduzindo e interpretando o que é dito pelos entrevistados, o que foi visto e ouvido pelo pesquisador. É um

processo complexo que envolve desde pequenos pedaços de dados até conceitos abstratos (MERRIAM, 2009).

Para a presente pesquisa, a Grounded Theory se apresentou como uma abordagem metodológica interessante ao passo que busca a construção indutiva de uma teoria assentada nos dados, por meio da análise qualitativa destes e que, agregada ou relacionada a outras teorias, poderá acrescentar ou trazer novos conhecimentos à área do fenômeno estudado (CASSIANI et al., 1996). Outro ponto que contribui para a escolha da Grounded Theory é apontado por Bandeira de Melo e Cunha (2006), que a destacam como uma abordagem influenciada pelo interacionismo simbólico, onde indivíduos ajem e reajem em função do significado atribuído às definições sociais coletivas, formadas por meio do processo de socialização. A sociedade é concebida como um processo, os indivíduos estão estreitamente inter-relacionados e o comportamento humano possui um aspecto subjetivo como uma parte necessária do processo de formação e dinâmica do grupo social. Isso permite caracterizar a Grounded Theory como uma metodologia interpretativista de pesquisa que busca compreender a realidade a partir dos significados atribuídos pelos indivíduos as suas experiências. Ela é um método de análise de dados que é fortemente dependente de contextos, permitindo a compreensão de determinadas situações. Assim, a teoria é descoberta, desenvolvida e verificada por meio da coleta e análise de dados referentes ao fenômeno propriamente ditos (STRAUSS; CORBIN, 1990).

A codificação dos dados coletados ocorreu segundo etapas propostas por Flick (2009), de Codificação Aberta, Axial e Seletiva, que visam expressar dados e fenômenos na forma de conceitos. Na Codificação Aberta os dados os dados foram primeiramente desmembrados e segmentados, criando-se unidades de significado (palavras avulsas ou pequenas sequências de palavras) para alocar a elas códigos dando início a um processo de categorização. Durante as outras etapas de codificação como Axial e Seletiva essas para refinar as categorias inicialmente encontradas em documentos, observações, conversas e entrevistas sendo mais proeminentemente exploradas nos tópicos específicos de análise. Para melhor compreensão do processo, a figura 9 ilustra as diferentes etapas envolvidas:

Figura 9 – Etapas de Codificação

Fonte:Elaborado pelo autor (2019)

Tal procedimento foi realizado em duas etapas dada a abrangência de conceitos que foram mencionados pelos entrevistados e a especificidade dos mesmos nos estudos dos autores utilizados como base teórica de análise dos resultados:

a) durante a etapa de caracterização do turista voluntário, conforme quadro 10;

Quadro 10 - Categorias de codificação - tipos de turistas voluntários

Codificação Aberta Codificação Axial Codificação Seletiva

1. Buscar experiências pensando no destino; interesse maior em conhecer determinado país do que participar das atividades do projeto; não participaria da viagem se fosse para outro destino; mais interesse no turismo do que no voluntariado.

2. Atividades de pouco impacto direto, sem interesse pela realidade do projeto social; trabalho e execução sem interação com o projeto social.

3. Sem qualificação ou experiência que possa ser relacionada com as atividades desenvolvidas no projeto social

4. Passividade; sem sugestões de melhorias; pouca interação com o projeto social; falta identificação dos desafios e problemas.

5. Não ficaria por mais tempo; experiência sem intensidade. 1. Destino 2. Contribuição Comunitária 3. Qualificações 4. Participação 5. Duração

Identificação de características que ora são presentes no turista voluntário profundo, ora são presentes no turista voluntário raso; ou que estejam em um nível intermediário entre as duas categorias.

Turista voluntário intermediário

1. Buscar experiências pensando no projeto; interesse maior em ajudar do que viajar para um local específico; participaria da viagem mesmo que para outro destino; identificação com a causa do projeto social.

2. Atividades com impacto explícito; conhecimento sobre o projeto social; envolve o projeto social no processo decisório.

3. Habilidade com pintura/desenhos conhecimento ou experiência com reformas, voluntariado, crianças, métodos pedagógicos, área da saúde, recreação.

4. Proatividade, interação com o projeto/comunidade; identificação e resolução de problemas; propor alternativas; criatividade.

5. Experiência intensa; ficaria por mais tempo.

Turista voluntário profundo

Fonte:Elaborado pelo autor (2019)

b) durante a etapa de levantamento das motivações, conforme quadro 11

Quadro 11 - Categorias de codificação - motivações

Codificação Aberta Codificação Axial Codificação Seletiva

1. Satisfação de desejos pessoais; compras; culinária; conhecer um par; imediatismo.; ir para um lugar específico; vontade de viajar; sonho de conhecer tal lugar; férias; descanso; fuga/escape; sair da rotina.

2. Foco no “eu”; melhorar como pessoa; autoconhecimento; evolução; currículo; profissão;

trabalho; vantagem

profissional; carreira.

3. Sair da rotina; adrenalina; acordar para a vida; difícil; desconhecido; medos; limites.

1. Busca pelo prazer, viajar, relaxar

2. Crescimento Pessoal/ Crescimento Profissional

3. Aventura, desafios, estimulação

1. Ajudar; doar; altruísmo; preservação; retribuir; foco no “outro”.

2. Novas visões; interação com lugares/realidades diferentes; interações profundas; entendimento mútuo.

3. Relações; conhecer pessoas; formar um grupo; rede de contato; laços.

1. Cuidado com o próximo, deixar um legado, dar algo em troca 2. Imersão cultural

3. Amizades

Interpessoal

Fonte:Elaborado pelo autor (2019)

Além disso, para que haja êxito no esforço de codificação algumas técnicas podem ser seguidas. A primeira delas é o recorte, que pode ser uma frase, uma palavra isolada, palavras em conjunto, que indiquem uma relevância para a análise. Por meio do recorte é que são selecionadas as unidades de registro e as unidades de contexto. Para as três etapas de codificação, também é sugerido que o pesquisador regularmente faça algumas perguntas básicas direcionadas ao texto (FLICK, 2009):

1. O que? – Qual é o problema aqui, qual fenômeno é mencionado?

2. Quem? – Quais pessoas, atores estão envolvidos? Qual papel eles têm e como

interagem?

3. Como? – Quais aspectos do fenômeno são mencionados ou não mencionados?

4. Quando? Por quanto tempo? Onde? – Tempo, percurso e local.

5. Quanto? Quão intenso? – Aspectos de intensidade

6. Porque? – Quais razões são dadas ou podem ser reconstruídas? 7. Para que? – Com quais intenções, por qual motivo?

8. Pelo qual? – Meios, táticas e estratégias para se atingir o objetivo.

Ao fazermos essas perguntas, o texto tende a se abrir e facilitar a categorização. Tais perguntas podem ser utilizadas para pequenas passagens ou para o caso inteiro. Além dessas questões, comparações entre os extremos de conceitos são maneiras possíveis de desmembrar mais ainda as dimensões e conteúdo de uma categoria.

O processo de codificação fortaleceu a relação entre os conceitos teóricos apresentados ao longo do trabalho e os relatos dados pelos entrevistados. Assim, a constante análise das teorias estudadas, da prática observada e dos dados coletados permitiram que fossem

identificadas compatibilidades que culminaram na criação de um framework teórico (Figura 10) capaz de avaliar não apenas o estudo de caso escolhido, mas aplicável a diferentes experiências de turismo voluntário, conforme apresentado no final do capítulo 4.

Figura 10 - Framework teórico de análise

Fonte:Elaborada pelo autor (2019)

Seguindo esses procedimentos, os resultados da presente pesquisa são apontados no capítulo a seguir.

6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

A categorização para a análise dos resultados exige, além do embasamento teórico, o processo de inferência por parte do pesquisador, levando em consideração o contexto e peculiaridades dessa viagem de turismo voluntário em grupo para a Índia. Os achados se devem a inúmeros fatores como momento de vida, pessoal e profissional, dos participantes, situação do projeto social auxiliado, constituição heterogênea do grupo, duração da viagem, roteiro elaborado e outras variáveis. Retratam a realidade e o resultados obtidos para essa experiência em específico, porém podem ser aplicados de maneira geral para o fenômeno de turismo voluntário como um todo, pois compartilham diversos elementos presentes em outras experiências – mesmo que com diferenças quanto a duração, objetivos e participantes etc.

Os respondentes que estão mais relacionados com aspectos do turista voluntário profundo, tendem a ter motivações interpessoais para a viagem, com emoções empáticas presentes durante a interação com o projeto social, fazendo uso de diferentes tipos de saberes e a soma desses elementos favoreceria a ocorrência de aprendizagens mais profundas. Prosseguindo com a análise, serão apresentadas a caracterização dos integrantes do estudo de caso (CALLANAN; THOMAS, 2005), suas motivações para buscarem o turismo voluntário (CHEN; CHEN, 2011), os tipos de saberes que foram utilizados durante a experiência e a emergência ou não do sentimento de empatia (SIPOS; BATTISTI; GRIMM, 2008; BATSON, 2002) e as mudanças que ocorreram frente às aprendizagens adquiridas (MEZIROW, 1978; TAYLOR, 1997, STERLING, 2011). Dessa maneira, veremos se os achados estão em consonância com a hipótese proposta.