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Prossigo com a análise, dedicando-me agora a outro tema: PS1 como aluno/a no primeiro grau normal. Como apresentei na sub-seção anterior, o contexto escolar foi estruturante da identidade de PS1. A análise que empreendo nesta sub-seção resulta na mesma impressão. A abordagem dos dados permitiu-me depreender alguns temas importantes para PS1: relacionamento amoroso, casamento; atitude ativa de sua parte quanto a suas preferências, opções e caminhos para sua realização profissional e pessoal; e, por fim, seu comportamento com relação ao cumprimento de obrigações.

PS1 frequentou o primeiro grau em uma escola normal, ou seja, dedicada à formação de professores/as. O fato de essa escola ser dedicada a discentes de um mesmo sexo apenas, o seu, incomodava muito a PS1, que não vislumbrava um futuro feliz no campo pessoal. Como sua consciência da realidade fora de casa não o/a levava além dos muros da escola, imaginava que, em se tornando professor/a, passaria o resto de sua vida convivendo com pessoas do mesmo

sexo. Isso o/a impediria de casar, já que não haveria chance de encontrar um/a parceiro/a do sexo oposto. O foco nesta sub-seção não é discutir a questão do casamento, propriamente dito, mas, por meio da discussão desse tema ao longo da análise, compreendo que a vivência escolar de PS1 é determinante para a constituição de sua identidade profissional, já que se foi um momento de relutância quanto à opção pela docência.

PS1 falava das questões familiares relacionadas às possibilidades financeiras determinantes de aquisição de material escolar para si e seus/suas irmãos/ãs. Acredito que, por falar sobre questões familiares, fez relação entre ser parte de uma família como filho/a e constituir uma família como esposo/a de alguém. Penso assim porque, no trecho que passo a analisar, PS1 procedeu a uma mudança de rumo em sua fala e passou a abordar a questão da docência de um modo que desembocou em questões pessoais relativas ao casamento. PS1 declarou que, após terminar os primeiros quatro anos de estudo, foi para um Curso Normal, que forma docentes para o Magistério. Eu, Pq, fiquei confuso nesse momento porque PS1 estava narrando sua experiência da quinta à oitava série. Nesse momento, digo a ele/a que imagino que o Normal seja para a formação de professores/as em nível médio, não em nível fundamental. Isso o/a motiva a fazer a seguinte declaração:

Exatamente, era pro Magistério. Exatamente. Mas, aí, naquela época, quando eu saí do colégio Normal, eu tava mais interessado/a em namorar do que em estudar. Então, aquilo me deixava... eu vou ser professor/a, eu vou ser professor/a... Não quero... eu não quero... Eu achava que eu ia ser professor/a de outros/as homens/mulheres. Tinha a impressão de que eu nunca mais fosse sair dali... daquele... e eu não queria aquilo. Eu ficava apavorada/o com a... com a... a possibilidade de... [Pq:] só dar aula pra homem/mulher. [PS1:] o tempo inteiro. Ali, ali, ali... [Pq:] estudar com homem/mulher, dar aula pra homem/mulher... muito/a homem/mulher (ambos rimos). [PS1:] Não é que eu não gosto de homem/mulher. Eu gosto. Mas é que... aquilo me deixava sufocado/a. Daí eu fui procurar outro colégio. Um colégio misto. [Pq:] Aí já pro ensino médio. Na época era o segundo grau. [PS1:] Isso, daí eu tinha o quê? Quinze anos. Fora de faixa, assim, eu nunca fui. Fui sempre certinho/a. Na época eu tinha uns quinze anos. A gente não tá nem pensando no que que vai ser, ainda.

PS1 inicia esse trecho por era pro Magistério. [...] eu vou ser professor/a, eu vou ser professor/a... Constata que se prepara para a docência e, em eu vou ser professor/a, eu vou ser professor/a... Não quero... eu não quero... nega veementemente essa perspectiva de futuro para si. Na sequência, PS1 enuncia

Eu achava que eu ia ser professor/a de outros/as homens/mulheres. Tinha a

aquilo. Eu ficava apavorado/a com a... com a... a possibilidade de... [Pq:] só dar aula pra homem/mulher. [PS1:] o tempo inteiro. Ali, ali, ali...,

Na formulação, destacamos Eu achava que eu ia ser professor/a de outros/as homens/mulheres. [...] Eu ficava apavorado/a com a [...] possibilidade. PS1 dá o motivo para não querer ser professor/a: não quer ser professor/a de outros/as homens/mulheres, indicando aqui que não quer ser professor/a de alunos/as do mesmo sexo que o seu. O enunciado todo citado mostra que, a partir de sua experiência, PS1 constrói uma representação para o/a profissional da docência que estava se tornando, devido ao fato de estar cursando o Normal. A sequência Eu achava que eu ia ser professor/a de outros/as homens/mulheres mostra que PS1 inferiu, dada sua experiência em um colégio para crianças do mesmo sexo que o seu, que lecionaria apenas para crianças do mesmo sexo que o seu.

Seu enunciado apresenta a formulação eu vou ser professor/a... Não quero... eu não quero... Eu achava que eu ia ser professor/a de outros/as homens/mulheres. Tinha a impressão de que eu nunca mais fosse sair dali... daquele... e eu não queria aquilo. Eu ficava apavorado/a com a... com a... a possibilidade de... Pela análise da sequência sublinhada, constatamos que PS1 oferece uma avaliação dessa visão para seu futuro como não positiva. A representação de PS1 para a docência é, então, de que lecionará somente para pessoas do mesmo sexo que o seu, algo que não considerava bom.

Há reforço para essa avaliação negativa no trecho naquela época, quando eu saí do colégio Normal, eu tava mais interessado/a em namorar do que em estudar. PS1 constrói o período nas bases de uma comparação – mais interessado/a [...] do que. O termo de comparação é seu interesse – interessado/a. Os termos comparados são os atos representados pelos verbos namorar e estudar. Concluí que PS1 inferia que, se seguisse a carreira do magistério, terminaria solteiro/a, já que só teria contato com pessoas do mesmo sexo que o seu e não conseguiria encontrar namorado/a. Para PS1, namoro e estudo deveriam ocorrer no mesmo lugar, mas não lhe pareciam possíveis de ocorrerem ao mesmo tempo no ambiente escolar em que se encontrava. A narrativa de PS1 revela que tem consciência de que concedia mais peso ao namoro do que ao estudo. Isso teve influência em seu percurso, como vemos na continuidade de seu enunciado.

A conclusão de PS1 oferece a oportunidade de explorarmos essa questão. Temos um/a adolescente que, como é comum, estava interessado/a pelo ingresso nos relacionamentos amorosos. Percebe-se, pelo uso do adjetivo ‘apavorado/a’, que o vislumbre uma vida segregada

ao convívio com o sexo que não o/a atraía, no âmbito do relacionamento amoroso, fazia com que a ideia do Magistério não lhe agradasse.

Continuo no trecho citado, em que PS1 se referiu a pessoas do mesmo sexo que o seu: Não é que eu não gosto de homem/mulher. Eu gosto. Mas é que... aquilo me deixava sufocado/a. Daí eu fui procurar outro colégio. Um colégio misto. Nessa sequência, PS1 apresenta a solução para a questão: procurou por um colégio em que pudesse conviver com crianças do sexo oposto ao seu, como havia feito no primário. O trecho está composto de orações em que PS1 é o referente do pronome Eu. Isso mostra seu posicionamento ativo quanto a questões pessoais, pois avaliava a situação em que se encontrava – eu não gosto, eu gosto; e, com base na observação de sua realidade – aquilo me deixava sufocado/a; tomou decisão – Daí; que ajustou seu percurso – eu fui procurar. Esse posicionamento pessoal forte parece ser característico de sua personalidade, já que aparece em outros momentos de sua narrativa quando narra momentos diferentes de sua vida em que decisões foram tomadas.

Para finalizarmos a abordagem do trecho citado, destacamos a sequência Fora de faixa, assim, eu nunca fui. Fui sempre certinho/a. O termo faixa tem como referente a relação entre idade do/a aprendiz e ano escolar. PS1 se refere à possibilidade de estar atrasado/a – Fora de faixa, como irreal – eu nunca fui. A formulação Fui sempre certinho/a representa sua avaliação de sua atitude como tendo sido constantemente correto/a ao longo de sua vida escolar. O uso dos advérbios sempre e nunca contribuem com um efeito de assertividade ao enunciado de PS1, por um lado, e de intensidade e constância, por outro, já que se localizam nos extremos de uma escala que vai de cem a zero por cento do tempo.

A consideração da questão de sua relutância quanto à possibilidade de seguir a docência, ao lado de sua decisão de procurar por um colégio misto, oferece elementos para continuarmos a traçar o perfil de sua identidade: temos uma pessoa que toma decisões para sua vida a partir da contemplação de sua experiência, fazendo ajustes no percurso à medida que se fazem necessários. São atos volitivos seus, reforçados por traços de intensidade, de agência e de independência.