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Começo meu percurso pelos documentos, abordando o decreto presidencial número 7.219 de 24 de junho de 2010, publicado no Diário Oficial da União de 25 de junho de 2010, que dispõe sobre o PIBID68. Nesta sub-seção cito os trechos do decreto que caracterizam o PS do PIBID, seja direta ou indiretamente, contribuindo para a construção da identidade desse professor. Inicio a análise apresentando o artigo primeiro, já que oferece a caracterização do PIBID:

Art. 1o O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID,

executado no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, tem por finalidade fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria de qualidade da educação básica pública brasileira.

A análise desse artigo já dá uma pista de como o PS é visto no âmbito do projeto. Ao definir a melhoria da educação básica pública brasileira como uma das contribuições do programa, o decreto, e também o programa sobre o qual dispõe, não fazem, aparentemente, nada além do que pode se dizer que a autoridade máxima da educação de um país deva fazer. Dito de outro modo, não parece estranho ver que o governo de um país persiga constantemente a melhoria de seu sistema educacional. Aliás, pareceria estranho se não o fizesse.

É importante ler esse texto como a materialização de um aspecto do discurso da educação e sobre a educação na relação com outros discursos que o atravessam no contexto nacional e mundial, e, portanto, constituem-no. Há o discurso da educação como algo a se melhorar, há o discurso da iniciação à docência como algo a se fomentar. Um país que não se mantenha procurando por meios e caminhos para a melhoria da educação que oferece a seus

cidadãos seria, provavelmente, mal visto. Como, no contexto nacional, os cidadãos são obrigados a irem à escola para terem seu nível educacional reconhecido, é necessária a existência de docentes. Daí decorre a necessidade que o decreto aponta para o fomento da iniciação à docência.

Entretanto, a ação do decreto, com a força legislativa que tem, de afirmar que institui um programa para fomentar a iniciação à docência, pressupõe que as ações existentes não são suficientes. Como ações já existentes, penso que já há cursos de Licenciatura e esses cursos já contam com horas de estágio supervisionado obrigatório. Há, nesse sentido, críticas ao PIBID que o confrontam por acreditarem que esse programa seja redundante e faça algo que já está previsto na legislação educacional. A diferença está em que esse programa prevê bolsas para os sujeitos dessa ação: professores da escola básica pública (os PS), alunos da graduação, coordenadores de área e coordenadores institucionais. A questão está instituição de bolsas para que os sujeitos alvo desse programa façam aquilo que já deveriam fazer como parte de suas atribuições legais.

O entendimento desse estado de coisas demanda a percepção de outros discursos que, na relação com outros espaços discursivos, permitem que o decreto tenha razão de existir e faça sentido. Considerando-se que as ações previstas pelo PIBID já são contempladas no estágio supervisionado obrigatório que os cursos de licenciatura devem oferecer ao aluno e que o PIBID oferece como diferencial as bolsas que paga aos sujeitos participantes, volto meus olhos para esse diferencial e procuro por possíveis razões para sua existência. É nesse momento que outros discursos precisam ser identificados. Há muito tempo é debatida a situação financeira dos sujeitos da educação, especialmente a dos contemplados no PIBID. O salário dos professores em geral e, por conta do foco desta pesquisa, especialmente da educação pública, seja do ensino básico, seja do ensino superior, está aquém do desejável. Por conta de salários baixos, a situação financeira desses sujeitos está sempre posta em questão a ser resolvida. No caso da educação pública, é o poder público que deve comparecer com soluções.

Adentro aqui outra região do interdiscurso que precisa ser observada para que possamos entender a razão de existir do PIBID: a econômica. O governo se debate com a saúde econômica pública nas diferentes esferas: federal, estadual e municipal. Especialistas apontam o peso do funcionalismo público como uma das fontes de problemas, especialmente no que diz respeito à previdência pública. Caso o governo atenda às exigências de aumentos salariais dos professores, haverá, segundo especialistas, impacto nas contas do governo que, segundo esses mesmos

especialistas, vem se agravando, já que aumentos salariais implicariam em aumentos outros, como no décimo terceiro salário, abonos de férias e, especialmente, na aposentadoria. Para contornar essa questão, acredito, o governo oferece bolsas. Bolsas não geram gastos extras, como abonos e não causam impacto na previdência privada, já que não são computadas para efeito de aposentadoria.

Sem observar esses discursos circulantes na contemporaneidade, não encontro explicação para a existência do PIBID. A observação deles permite compreender a motivação da criação desse programa, dada sua sobreposição com o estágio supervisionado obrigatório dos cursos de licenciatura. Posso, então, fazer leituras menos ingênuas ao longo da análise empreendida nesta pesquisa. De outro modo, corro o risco de uma abordagem do PIBID como sendo apenas mais uma ação com a finalidade de uma constante procura da melhoria da educação. Está na estrutura educacional, precária em todos os sentidos, o ponto que mantenho em mente durante esta análise. Continuo, então, com a análise do decreto.

Outro discurso que perpassa e constitui o discurso do decreto é aquele que afirma que a educação pública é inferior à educação oferecida em instituições privadas. Percebo esse discurso em quatro pontos do decreto: o primeiro ponto é percebido no trecho do artigo primeiro, que define a intenção de contribuir para “a melhoria de qualidade da educação básica pública brasileira” (grifo meu). O segundo ponto está no artigo sétimo, que afirma que “[o] PIBID deverá ser executado exclusivamente em escolas de educação básica das redes públicas de ensino [...]. O terceiro ponto aparece no parágrafo terceiro do artigo quinto, que fala que os projetos deverão ser acompanhados para que seja aferido o “impacto na rede pública de educação básica”. Por fim, tenho a terceira menção às escolas públicas no artigo oitavo, sempre como espaço a ser melhorado:

Art. 8o A CAPES coordenará a implantação, o acompanhamento, a

supervisão e a avaliação dos projetos institucionais do PIBID, buscando o aprimoramento de processos e tecnologias de ensino e aprendizagem das instituições participantes e escolas públicas envolvidas.

Discuto anteriormente a percepção de que qualquer governo deva perseguir a melhoria de seu sistema educacional. No caso brasileiro, há um discurso corrente que defende que a escola básica privada é melhor que a escola básica pública. Pode-se ver nesse discurso a justificativa para essa restrição do decreto. Ao não mencionar a melhoria da educação básica privada, deixa implícito que a educação básica privada está bem. Esse tema daria uma discussão

alongada por si. Basta agora considerar a constatação da circulação desse discurso para compreender as bases em que o PIBID está fundado.

Feito o levantamento de discursos que sustentam o decreto, passo à caracterização do PS, de interesse imediato desta pesquisa. Esse decreto, em seu artigo segundo, caracteriza o PS, que é o interesse direto desta pesquisa. Segundo o artigo segundo, o PS do PIBID é “o docente da escola de educação básica das redes públicas de ensino que integra o projeto institucional, responsável por acompanhar e supervisionar as atividades dos bolsistas de iniciação à docência”. Como parte da caracterização do PS, o decreto estabelece que faz jus ao recebimento de bolsa em seu artigo quarto:

Art. 4o O PIBID cumprirá seus objetivos mediante a concessão de bolsa de

iniciação à docência a alunos de cursos de licenciatura que exerçam atividades pedagógicas em escolas públicas de educação básica, bem como aos professores responsáveis pela coordenação e supervisão destas atividades.

Ao instituir que “o PIBID cumprirá seus objetivos mediante a concessão de bolsa”, estabelece textualmente o pagamento de bolsas como meio para atingir o fim a que se propõe. A importância das bolsas no âmbito do programa é reforçada pela presença do termo ‘bolsa’ por nove vezes num texto relativamente curto. É, portanto, um ponto significativo. O pagamento dessas bolsas é abordado no parágrafo único do artigo quarto de modo a determinar as modalidades de bolsas que serão concedidas, fazendo menção específica ao PS em seu inciso quarto.

Na sequência do decreto, temos a disposição do modo de organização e acompanhamento dos projetos vinculados ao PIBID. Assim como dito anteriormente, esse trabalho é proposto de modo redundante ao que se espera a partir da vida acadêmica dos licenciandos e dos docentes dos níveis básico e do superior, especialmente no que diz respeito ao estágio supervisionado obrigatório.

Se, por um lado, o PIBID aparece como ação a fomentar a formação de alunos de licenciatura, ele pode acabar por ter o efeito inverso em quem não está no programa. Afinal, se o pagamento de bolsas para os sujeitos do PIBID realizarem as ações que já são esperadas como parte de suas obrigações, o que esperar, senão desmotivação, dos professores que supervisionam estágio obrigatório e dos alunos que são obrigados a realizarem esse estágio obrigatório sem receberem bolsas? Esse procedimento, acredito, está vinculado a um modo neoliberal individualista de ver o mundo.

Nesta sub-seção, analiso o decreto que institui o PIBID. Observo como ele representa o PS, que é de interesse direto desta pesquisa e levanto discursos circulantes que são sua razão de ser do modo como está redigido. Passo agora à apresentação do PIBID disponível no sítio do