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5 ATIVIDADE DE ENSINO, LÍNGUA INGLESA, EDUCAÇÃO, TRABA-

5.3 Atividade docente, material didático e trabalho

Como acabei de discutir, o exercício da cidadania por parte de PS e de seus alunos é impactado pela realidade da educação, que sofre pelo descaso com que é tratada e esse descaso aparece na formulação de PS4 que analisei no item anterior. Volto agora à mesma formulação para discutir a relação entre atividade docente, trabalho e material didático na escola pública de ensino básico. Os trechos que seguem são extraídos do mesmo ponto da gravação, mas meus grifos são diferentes. Eu poderia citar outros trechos, já que o problema de que trato neste item é retomado várias vezes. Minha decisão por revisitar os mesmos trechos é proposital. Quero mostrar que, em uma mesma fala, problemas de diferentes ordens se materializam e, simultaneamente, a partir de espaços discursivos diferentes, sustentam um enunciado que exibe a desestrutura da educação. PS4 está aqui metonimicamente representando o professorado da escola pública brasileira ao afirmar que

Então, a gente escolheu esse [livro didático] e veio, graças a Deus. Porque normalmente não vem. Geralmente... Você... Tem 3... Vota... Vem o que a gente menos votou, né? Toda vez é isso. E esse ano veio. E esse livro... [...] Eu acho que ele vai ajudar a gente a trabalhar tudo, [...].

Há um processo em que é oferecida aos/às professores/as a oportunidade de escolha de um dentre três livros didáticos pré-aprovados pelas instâncias competentes do governo federal no âmbito do PNLD, como apontado por PS4 na sequência Você... Tem 3... Vota.... Entretanto, PS4 denuncia a desatenção dispensada à educação pública ao dizer que a gente escolheu esse [livro didático] e veio, graças a Deus. Porque normalmente não vem. [...] Vem o que a gente menos votou, né? Toda vez é isso.

Nas sequências sublinhadas focalizo as partes da formulação de PS4 que revelam esse descaso. Por seu lado, o/a professor/a atende ao chamado de realizar uma escolha de livro didático – a gente escolheu esse [livro didático], mas já acreditando que são poucas as chances de receber o que escolheu – normalmente não vem. PS4 parece sentir que se brinca com o/a professor/a ao ironizar a situação em que é posto – Vem o que a gente menos votou. A posição

metonímica de PS4 em relação ao professorado está no ponto de sua fala em que diz a gente, posição essa reforçada em né?, partícula que materializa a convocação do testemunho dos PS presentes, já que todos/as vivenciam a mesma situação como professores/as da escola básica pública na Grande Maceió. PS4 encerra a denúncia de modo dramático ao declarar que essa situação tem se repetido – Toda vez é isso.

O corolário da desestrutura aparece quando PS4 concede ao livro que escolheu e recebeu o atributo de solução completa e final – E esse livro... [...] Eu acho que ele vai ajudar a gente a trabalhar tudo. Vejo aqui um momento que exibe a percepção de um sistema educacional falido, já que a crença no poder de um livro didático para ajudar a trabalhar tudo só pode existir em um espaço em que o/a professor/a se veja despossuído/a de outros meios para alcançar os objetivos de seu trabalho com seus alunos, como ambientes apropriadamente equipados para o trabalho docentes no contexto contemporâneo de uma educação que colabore para com a formação de um cidadão preparado para exercer seus deveres e direitos93. O que corrobora a discussão feita anteriormente a respeito do/a professor/a diminuir a importância de seu trabalho/ação de produção de conhecimentos, quando diz textinho para a produção dos/as alunos/as.

No trecho a seguir, grifo formulações em que a desestrutura reaparece em profusão:

No meu caso, nos primeiros anos, eu comecei trabalhando, apesar de grande dificuldade [...] E daí, porque não tava usando o livro. O livro não chegou pra todo mundo. Então... Ainda não tinha sido entregue... Então, eu levei... [...] Não tinha o livro ainda. Tinha na escola, mas não dava pra todos. Então, eu levei material, já sabendo que não ía dar pra todo mundo. Então, já comecei agora... depois de uma reunião... muita confusão... Alguns professores decidiram pegar. Não tem pra todo mundo. Vamos pegar 40 livros e botá no nosso armário. E os meninos vem buscar... quando a gente precisar, né?

Aparecem aqui repetidas referências à falta de livros no início do ano letivo – O livro não chegou pra todo mundo; Ainda não tinha sido entregue; Não tinha o livro ainda; Tinha na escola, mas não dava pra todos; não ía dar pra todo mundo; Não tem pra todo mundo. A desestrutura impacta na coordenação das atividades docentes, que faz com que os professores tomem decisões diferentes. Entendo que houve um encontro conturbado entre os/as professores/as – depois de uma reunião; muita confusão. Na oração Alguns professores decidiram pegar, entendo que os/as professores/as não chegaram a um consenso nesse

93 A Finlândia acaba de inaugurar uma escola moderna, até para seus padrões, omo se pode ver em <http://finland.fi/pt/vida-amp-sociedade/uma-escola-finlandesa-ainda-melhor>.

encontro. Alguns separa os/as professores/as em grupos diferentes – os que decidiram por pegar os livros e os que decidiram por não os pegar. O descaso que desestrutura a educação aparece em vários pontos. Esse é apenas um exemplo, com relação à atividade docente e o material didático, da perspectiva do trabalho do/a professor/a.

O problema da falta de material didático é generalizado. Essa percepção é revelada em diversos momentos dos encontros com os/as professores/as, como aconteceu em março de 2015, quando, a meu pedido, registraram por escrito suas impressões sobre as atividades do PIBID realizadas no ano de 2014 e expectativas para 2015. O/A professor/a PS2, discorrendo sobre suas expectativas para o ano de 2015, espera que [a]pesar dos problemas na educação, (segurança, ambiente de trabalho, falta de material...) que não seja motivo de deserção dos pibidianos [...].(sic) (grifo meu).

A preocupação de PS2 encontra eco em outros lugares. Em 2014 publiquei um artigo, que escrevi em coautoria (STELLA e CRUZ, 2014), relatando pesquisas realizadas em 2012 no âmbito do Projeto de Formação de Professores de Inglês no Estado de Alagoas do Núcleo Alagoas do Projeto de Formação de Professores nas Teorias dos Novos Letramentos e Multiletramentos94. Nesse artigo, abordamos questões relacionadas à identidade de alunos/as graduandos/as do curso de Licenciatura em Letras-Inglês da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas, ou seja, tratamos de licenciandos/as em situação pré-serviço, a mesma situação dos alunos bolsistas do PIBID, aos quais PS2 se refere. Naquele texto expressamos nossa preocupação com relação à possibilidade da suscetibilidade dos/as alunos/as graduandos/as às pressões do contexto árido do ensino público no estado. Afirmamos nesse artigo que “a identidade de professor de Inglês dos futuros professores é diretamente afetada pelo contexto, o que interfere diretamente em suas práticas de sala de aula. Os dados coletados indicaram um contexto bastante negativo”. Ou seja, trata-se da mesma preocupação de PS2. E é com essa impressão de PS2 que passo ao próximo item.

94 O Núcleo Alagoas faz parte do Projeto de Formação de Professores nas Teorias dos Novos Letramentos e Multiletramentos, também conhecido como Projeto Nacional de Formação de Professores, sediado na Universidade de São Paulo. O Núcleo Alagoas está ligado ao grupo de pesquisa Observatório da Linguagem em Uso (ObservU), liderado pela Profa. Dra. Roseanne Rocha Tavares, registrado no CNPq, que objetiva a produção de conhecimentos sobre as relações entre linguagem, cultura e formação de professores no estado. O Núcleo Alagoas também é mantido pelo Núcleo de Estudos em Línguas e Literaturas Estrangeiras (NELLE), cujo objetivo é produzir conhecimento sobre línguas e literaturas estrangeiras.