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2. ADENTRANDO NA RELAÇÃO COM O SABER E O CORPO HUMANO

2.4. O Aluno e o Saber

Só aprende quem tem uma atividade intelectual. O aluno tem que se mobilizar intelectualmente para aprender (CHARLOT, 2000; 2005). Se não há atividade intelectual não existe aprendizagem.

Aprender a ler, a escrever, a mentir, a ser preguiçoso, a amar, aprender geografia, matemática, português, ciências e nas aulas do oitavo ano, o corpo humano. Os alunos aprendem sobre os sistemas, as células, os órgãos, tecidos e sobre sexualidade. Se o aluno estuda, tem a possibilidade de saber e levar para si e para seu intelecto tal conhecimento, mas depende do seu desejo e esforço intelectual para aprender. Qual é o sentido de saber sobre o corpo humano, de ir para a escola e passar horas sentadas em cadeiras que em sua maioria são duras e incomodam?

O aluno, segundo Charlot (2000; 2005), pode encontrar na escola ou na sala de aula uma mobilização para fugir dos problemas cotidianos da sua vida difícil, geralmente alunos de classes populares. Bordieu e Passeron (1975) falam que filhos de pais de classes menos intelectualizadas terão uma predisposição de estudar menos. Pode-se, então, perceber que, se o aluno fracassou na escola ou em alguma disciplina, esse fenômeno está ligado à sua origem social, na reprodução das suas diferenças e deficiências socioculturais. Contudo, Charlot (2005) afirma que, filhos de classes médias intelectualizadas também não gostam de estudar e percebe claramente em suas pesquisas feitas no Brasil e na França que os alunos de origens populares também triunfam e obtém êxito na escola, na universidade e na vida.

Um exemplo é relatado por Charlot, pelo fato de que alguns alunos de mesma classe ou condições sociais, com as mesmas relações sociais não terem uma mesma relação com o saber, pois todo sujeito é social, mas também singular e o sujeito deve

mobilizar-se para aprender (CHARLOT, 1996). Portanto, na Relação com o Saber o sujeito social e singular deve ser considerado simultaneamente (TRÓPIA; CALDEIRA, 2011).

Deve-se entender que no processo de ensino-aprendizagem é necessário valorizar os saberes e as concepções prévias do aluno, pois cada um traz consigo uma experiência empírica, um saber e os alunos aprendem de formas diferentes, pois são sujeitos singulares e sociais que devem ser considerados concomitantemente (CARVALHO, 1992; CHARLOT, 1996; 2000; 2005; TRÓPIA; CALDEIRA, 2011).

Percebe-se que Charlot (2005) traz outra questão além da origem sociocultural de Bourdieu e Passeron (1975), traz a questão do sentido, que foge de sua origem social e está intrinsicamente ligado à sua vida pessoal.

Um exemplo do que foi supracitado é aludido por Charlot (2005) de filhos de imigrantes mulçumanos na França que estudavam porque tinham uma vida difícil, fora da escola e encontravam nela sentidos para ter uma vida melhor, um bom emprego no futuro. Então, essa vida difícil, pode ser um motivo para que a escola mobilize tal aluno a querer estudar e não fracasse na escola e na vida.

É importante que seja compreendido que a escola é um lugar de socialização, e que a maioria dos alunos passa a maior parte do seu dia na escola, enfatizando-se aqui que a socialização é fundamental para os alunos. Mas na maioria das vezes não é pensado nela, mas pensa-se somente em ensinar conteúdos intelectuais, que não deixam de ser importantes, mas também a escola e o professor devem refletir sobre a socialização, o que ensina para seus alunos e o que isso leva a ser importante e interessante para a vida deles. Reiterando o que Charlot (2000; 2001; 2005; 2009) ratifica a questão do sentido, do desejo de saber e aprender está intrinsicamente ligado à vida pessoal do aluno, segundo sua experiência de vida, o que é constatado em suas pesquisas.

O aluno traz consigo sua experiência de vida, e à escola e ao professor cabem a tarefa de trazer essa experiência do aluno para a sala de aula, para seus conteúdos e disciplinas, e transformá-los em objeto de mobilização do discente para que tenha desejo e prazer em aprender tal assunto ou tema proposto na ministração em sala de aula. Deve-se fazer um adendo de que aprender exige um esforço, não existe aprendizagem sem ele, mas que essa atividade intelectual tenha sentido para o aluno e que gere um prazer em sua aprendizagem, tendo uma utilidade para sua vida, para seu dia a dia, fora da escola.

É abordada aqui, novamente, a questão citada no parágrafo anterior sobre o professor reflexivo, refletir sobre sua ação na sala de aula. Tentar compreender na lógica do aluno o que torna a aula interessante e como inseri-lo numa posição ativa no processo de ensino e aprendizagem, tentar tornar uma aula prazerosa, desejada e que não o torne somente mais um aluno que decorou mais um conteúdo, mas um aluno que constrói seu conhecimento de forma conjunta, ativa e concomitante com o professor e colegas na sala de aula. É importante salientar que esse fenômeno de construção do conhecimento ativo do aluno e da sua aprendizagem não está ligado diretamente à sua origem social, não considerar que esse seja um fator determinante para o êxito ou fracasso escolar, mas que existe uma correlação estatística entre a origem social do aluno e o fracasso escolar (CHARLOT, 2000; 2005).

Levar a experiência do aluno para sala de aula e torná-la importante na aprendizagem e na construção do saber, é de suma importância para a área da Educação e do Ensino de Ciências, que é a área de estudo e pesquisa em destaque. Percebe-se, dessa forma, que a didática do professor é e pode ser considerada um convite diário à reflexão de sua prática e à valorização das experiências dos alunos, que estão intrinsicamente ligadas às suas vidas pessoais, que devem ser levadas em conta no processo de ensino e aprendizagem (MOYSÉS, 1995; CARVALHO, 1992), do saber a aprender dos alunos, que são seres humanos e têm direitos à dignidade mesmo que eles fracassem.

É referido, neste momento, a todos os tipos de alunos, sejam eles crianças, jovens, adultos ou idosos, pois existe uma diversidade na escola e na sala de aula, em outras palavras, uma heterogeneidade de alunos, idades, sexos, raças e modalidades de ensino.

Pensa-se dessa forma, que não pode existir uma barreira ou bolha imaginária entre a escola e vida cotidiana dos alunos, que os separem, mas que ensino e aprendizagem sejam horizontalizados a tudo e a todos. Trocas de experiências entre alunos e professores mesclados com conteúdos e temas em sala de aula (CARVALHO, 1992). Entender, na lógica do aluno, que os mesmos podem aprender de formas diferentes da trivial e que a aula de um professor não reflexivo de suas práticas, que não consideram o saber que o aluno traz consigo, torna uma aula sem sentido, monótona, sem desejo e prazer do aluno e, sobretudo, sem a construção do conhecimento.

É necessário entender que cada aluno tem seu jeito (saber) e de acordo com cada jeito (saber) tem sua forma de aprender. Não se pode negar o papel do professor, que é

um mediador e fomentador do conhecimento na sala de aula. O saber do aluno é construído dentro e fora da escola, e é preciso que todos estes fatores (experiência, origem social, desejo de aprender, esforço intelectual, subjetividade e mobilização) que o envolvem, sejam considerados no processo de sua aprendizagem.

Além disso, o conhecimento que o aluno aprendeu precisa ser útil. O professor precisa perguntar e refletir: para que ensinar tal conteúdo? Para que ensinar sobre o corpo humano? Deve-se ter cuidado com o que se passa na sala de aula e que isso tenha relação de aplicabilidade para o aluno, que seja útil, e tenha sentido em aprender este ou aquele conteúdo, assunto ou tema.

Por isso, a escola deve ser vista como lugar de prazer, prazer do professor e prazer do aluno. E além de prazer, um lugar de sentido, que aprende aquilo que é útil e não somente aquilo que acha ou é importante e deve ser aprendido. Aprender para a vida, aprender sobre o mundo, para entender a si mesmo e o outro, pois são seres de relações. Vale a pena aprender para entender a si mesmo, quem eu sou, as relações com os outros e com o mundo (CHARLOT, 2000; 2005). Acredita-se que essas relações servem para responder aos questionamentos que estão no cotidiano.

Charlot (2005) confirma que, na maioria das vezes, o que se passa na escola e na sala de aula pode até ser importante, mas não é útil. É importante pensar na utilidade do que se passa em sala de aula, no que o aluno aprende e se consegue levar para a vida, fora da escola.

Pode-se considerar que existem na escola alunos que gostam de estudar, de aprender e de frequentá-la sem maiores esforços. Com desejo e prazer de saber e aprender tudo que seja importante ou útil, para que não chegue ao fracasso, pois entre esses dois extremos – aprender tudo e o fracasso - existem muitas coisas que são interessantes e importantes, que podem ser úteis para cada um deles.