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Verifica-se que pesquisas na área de Educação e, especificamente, em Ensino de Ciências e Biologia, têm abordado a questão do corpo humano e refletem a preocupação sobre qual tipo de corpo é abordado no Ensino de Ciências e da Biologia. Portanto, investigar o que é referenciado nos livros didáticos, diretrizes curriculares e nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN sobre esse tema é considerado como relevante para pesquisas que envolvem Ensino de Ciências.

Nesta pesquisa é analisado o livro didático utilizado nas aulas de ciências, mesmo que parcial, pois ele pode trazer ideias dos conteúdos que os alunos foram submetidos no ano letivo de 2015, além de verificar se os assuntos elencados pelos alunos entrevistados estão contidos no livro didático e de que forma se apresentam. Assim, é realizada uma breve análise do livro didático, na qual se destacam os assuntos que são mais abordados nas entrevistas. Em alguns estudos feitos em ensino de ciências verificam que o livro didático traz conteúdos voltados à fisiologia e à anatomia do corpo, um corpo elaborado no cartesianismo da educação formal (TRIVELATO, 2005).

O corpo humano é ensinado nas aulas de ciências em proporção de porções maiores (cabeça, tronco e membros) para menores (células e cromossomos), do macro ao micro. Desde o primeiro ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio. O corpo humano é ensinado e aprendido aos pedaços. Muitas vezes isso faz com que o aluno não compreenda que todos os órgãos do corpo trabalham juntos, integradamente. (TRIVELATO, 2005).

Segundo Talamoni (2007) conceitua, o corpo humano é esquartejado na Educação e no Ensino de Ciências. E esse mesmo corpo é esquartejado pela Ciência, mapeando-o, fragmentando-o e considerando como objeto de estudo para pesquisas no campo acadêmico e médico (TALAMONI, 2007).

É comum em livros didáticos e em paradidáticos, uma abordagem do corpo humano mecânico, incluindo os que são estudados no oitavo ano do ensino fundamental. Mas é possível perceber que essa concepção de corpo humano é fruto de influências do contexto histórico, no qual ele e a ciência estão inseridos. Sendo assim, observam-se várias concepções que não podem ser julgadas como certas ou erradas, sem que sejam discutidas de forma mais profunda. Deve ser salientado que ao longo da história humana, foram e estão sendo construídas diferentes concepções de corpo e essas estão inseridas no contexto escolar (TALAMONI, 2007; USBERCO et al., 2012; BARROS; PAULINO, 2012).

Os alunos estudam os sistemas, os órgãos, as células. Quando sobe o grau de escolaridade o corpo humano vai sendo visto de uma dimensão maior para uma menor. Isso pode ser observado no terceiro ano do ensino médio, como exemplo: genética, que aborda o assunto em dimensão microscópica, diferentemente dos anos iniciais do fundamental, que tem dimensão do corpo humano macro como cabeça, tronco e membros (TRIVELATO, 2005). Ou seja, quanto maior o nível de anos que o aluno percorre na vida escolar, passando de uma série para outra, maior a complexidade do corpo humano estudado em termos microscópicos.

O corpo, assim, acaba perdendo sua identidade como corpo humano, como sistema integrado. Mas, segundo Talamoni (2007, p.49), “a partir das décadas de 1970 a 1980” a visão do corpo começou a tomar outra dimensão, a abordagem interdisciplinar do corpo começou a ser valorizada, passando, a partir de reflexões e experimentações acadêmicas à valorização do corpo humano integrado, um corpo holístico.

Verifica-se que, a partir das décadas de 70 e 80 as investigações sobre o corpo humano em pesquisas acadêmicas, ganham ênfase e há cada vez mais preocupação em representá-lo de alguma forma, um passo importante tanto para educação e também para a medicina, pois conhecer o próprio corpo é uma questão de saúde e educação.

Em contrapartida, vê-se um grande investimento para estudos genéticos e moleculares no fim do século XX, quando os cientistas começam a mapear o genoma humano, tentando decifrar a genética humana, sendo considerada a linguagem de Deus. E através destes estudos tentam descobrir origens de doenças e a cura dessas (BERTOLLI FILHO, 2012; DAVIES, 2002). Voltando, assim, à abordagem reducionista, tentando entender a compreensão da vida e a sua razão. A abordagem desta temática traz consigo valores morais e éticos da ciência sobre o corpo humano.

Mesmo com diretrizes que tentam fomentar um ensino de corpo integrado, holístico, as práticas curriculares na sala de aula de ciências continuam reducionistas, cartesianas, com o corpo humano sendo apresentado com aspectos sistemáticos e funcionais, como adotados nos livros didáticos e pelos professores de ciências (TRIVELATO, 2005).

Os professores reproduzem e ensinam nas aulas de ciências o que aprenderam na sua formação inicial ou até mesmo continuada, um corpo cartesiano, mecânico, como pode ser verificado por pesquisas feitas por Shimamoto e Lima (2006), que investigaram 108 professores de ciências naturais do sexto ao nono ano do ensino fundamental de escolas da rede pública da cidade de Uberlândia/MG. Os professores relatam que na sua formação inicial aprenderam o corpo humano de forma fragmentada, por sistemas, um corpo mecânico, cartesiano e não um corpo integrado, biocultural.

Esses professores reproduziam o corpo humano em suas aulas da mesma forma para seus alunos, pois, também, os livros didáticos trazem o mesmo modelo de corpo humano de sua formação, ficando sugerido a ser ensinado como é abordado no livro. Não obstante, o professor, em suas aulas, tem a possibilidade de trazer a abordagem do corpo integrado, que não precisa necessariamente estar no livro didático (SHIMAMOTO; LIMA, 2006).

Enxergar o corpo e a ciência com essa visão, contextualizada no parágrafo anterior, é ir contra os objetivos que tratam os PCN, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 - LDB e diretrizes curriculares. Esses documentos consideram a formação de indivíduos capazes de ter atitudes e práticas responsáveis acerca do corpo e das representações da sociedade que os cerca. Tem o objetivo de formar alunos conscientes de seus corpos, com autonomia e responsabilidade que cumpram com o exercício da sua cidadania diante da sociedade em que vivem (BRASIL, 1996; BRASIL, 1998a).

Essa preocupação de que corpo humano está sendo abordado no ensino de ciências, instiga vários pesquisadores como Trivelato (2005), Shimamoto e Lima (2006), Talamoni (2007), Bertolli Filho e Talamoni (2009) e Moras e Guizzetti (2016) dentre outros. Esses pesquisadores discutem problemáticas sobre que tipo de corpo humano é ensinado, bem como quanto às representações, percepções de alunos e professores sobre o corpo humano.

Segundo Talamoni (2007, p.51), “o corpo humano tem sido retirado dos espaços culturais que ocupa, sendo tratado nos livros didáticos como máquinas”, objetos, sendo

reduzido ao mecânico, funcional, um corpo esquartejado. Então, nos currículos de ciências pode-se perceber que tentam mostrar os seres humanos como idênticos universalmente, esquecendo os alunos como sujeitos, que têm suas experiências próprias, sendo corpos alterados pela sua cultura os quais se referem à sua historicidade, suas experiências singulares, um corpo biocultural (TALAMONI, 2007; MORAES; GUIZZETTI, 2016).

Sendo assim, o corpo humano não deveria ser ensinado na escola e nos livros somente numa dimensão biomédica, mecanizado, com limitações anatômicas e fisiológicas como conteúdo programático ou tema das aulas de ciências (TRIVELATO, 2005), mas sim como um corpo real, integrado, que está além dos livros, das aulas de ciências e dos muros da escola. Um corpo reconhecido tanto pelos professores que ensinam, quanto pelos alunos, os quais aprendem.

O processo de ensino e aprendizagem deve auxiliar ao aluno a reconhecer o corpo como a si próprio e o do outro. Um corpo que seja aprendido, vivido, concomitantemente. Isso, se levado em consideração a competência do professor em sala de aula, pois o livro didático é apenas um guia, sendo que o corpo pode ser abordado de uma forma mais próxima da realidade do aluno, da sua cultura e das suas experiências de vida.

Portanto, o corpo humano, nas aulas de ciências, pode ser abordado como um corpo que tem uma cultura, uma história, percepções, sentimentos, que pode ser aprendido e vivenciado ao mesmo tempo pelos alunos nesse processo de ensino e aprendizagem. Se possível, junto ao corpo biomedicalizado, cartesiano, maquinizado proposto por livros didáticos e em paradidáticos, chegando próximo à proposta sugerida por diretrizes educacionais, as quais mencionam uma abordagem do corpo humano integrado e dentro da contextualização de onde vivem (TALAMONI, 2007; MORAES; GUIZZETTI, 2016).

Dando continuidade ao tema desta seção, na seguinte, será discutido o corpo na base epistemológica da Relação com o Saber, com o objetivo de explanar sobre o sentido de aprender sobre o corpo humano.