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3.8 Espectroscopia de reflectˆ ancia por fibra ´ optica (FORS)

4.1.2 Amarelo de C´ admio

O pigmento amarelo de c´admio puro ´e composto por sulfeto de c´admio calcinado e possui ´ındice de cor PY37. O sal CdS foi descoberto em 1817 e sugerido como pigmento em 1819 por Friedrich Stromeyer; h´a registros de seu uso art´ıstico na Alemanha em 1829 [41, 71]. Existe tamb´em o pigmento amarelo-de-c´admio-zinco (PY35), que ´e um co-precipitado de sulfeto de c´admio e sulfeto de zinco calcinados. [41]

Figura 4.2: Exemplo de pigmento Amarelo C´admio Claro, do fabricante Kremer.

Existem dois m´etodos para a s´ıntese de sulfetos de c´admio: o seco e o ´umido. O processo seco envolvia originalmente o aquecimento de c´admio met´alico, ´oxido de c´admio ou carbonato com enxofre na ausˆencia de ar a temperaturas pr´oximas de 300-500◦C [71]. Uma etapa de moagem ´umida seguia-se, o que modificava a morfologia das part´ıculas e a cor final [71]. A principal modifica¸c˜ao moderna deste processo ´e a calcina¸c˜ao a temperaturas mais elevadas (700-800 ◦C) [71].

No m´etodo moderno do processo ´umido, inicia-se com uma solu¸c˜ao de cloreto de c´admio sem impurezas de ferro e n´ıquel, podendo-se adicionar baixos n´ıveis de cloreto de zinco [71]. Durante um per´ıodo de cerca de uma hora ou mais, adiciona-se uma solu¸c˜ao de sulfeto de b´ario para precipitar os sulfetos de c´admio/zinco, a uma temperatura de cerca de 70-90◦C. O precipitado resultante ´e calcinado a cerca de 650◦C [71].

O sulfeto de c´admio pode ocorrer em dois sistemas de cristais (c´ubico e hexagonal), bem como um tipo amorfo. Dois minerais de sulfeto de c´admio tamb´em s˜ao conhecidos: a greenockita comum, de forma hexagonal, e hawleyita, que tem a estrutura c´ubica. O m´etodo hist´orico comum de prepara¸c˜ao de sulfeto de c´admio que precipita o pigmento usando sulfeto de hidrogˆenio faz com que a forma c´ubica seja produzida [71]

A exposi¸c˜ao ao ar, `a umidade e `a radia¸c˜ao ultravioleta tˆem sido descritas como causado- ras de branqueamento devido `a convers˜ao do sulfeto em sulfato [71]. Os principais estudos sobre a degrada¸c˜ao do amarelo de c´admio s˜ao apresentados na tabela 4.2.

4.1 Pigmentos 75

Tabela 4.2: Principais estudos e resultados sobre degrada¸c˜ao do amarelo de c´admio

Ref. Contexto T´ecnicas Resultados

[80] Estudo do quadro

Nature morte au chou (1921) do pintor James Ensor2

XRD, µ-XANES

Em ´areas degradadas o enxofre,

originalmente na forma (S2−) no composto

CdS, ´e oxidado para (S6+). Gl´obulos

esbranqui¸cados possu´ıam CdSO4·H2O e [(N H4)2Cd(SO4)2]. Sugere-se a rea¸c˜ao

CdS + 2O2+ H2O → CdSO4· H2O. [24] Estudo de amostras do quadro Flores em um vaso azul (1886-87) de Van Gogh µ-XANES, µ-XRF, µ-FTIR

Transforma¸c˜ao de S2− em S6+. O verniz foi aplicado quando a oxida¸c˜ao de CdS estava em andamento, o que teria dissolvido o CdSO4, dispersando ´ıons Cd2+ e SO2−4 que podem ter se reprecipitado com os ´ıons C2O42− e P b2+ no verniz, formando PbSO4 e CdC2O4. [81] Estudo da obra Le Bonheur de vivre (1905-06) de Henri Matisse 3. µ-XANES, µ-FTIR, µ-XRF, SEM-EDS

CdCl2 pode ter sido material de partida da s´ıntese do amarelo de c´admio utilizado; regi˜oes que possuem este composto s˜ao mais fotossens´ıveis. O clareamento dessas regi˜oes deve-se aos compostos brancos

CdSO4· nH2O e CdCO3 .

[82] Imageamento por

SR-FTIR das amostras da obra anterior

SR-FTIR Tintas alteradas de amarelo c´admio continham CdCO3, CdSO4 e CdC2O4. As solubilidades relativas destes trˆes produtos de fotodegrada¸c˜ao s˜ao relevantes para as suas localiza¸c˜oes na pel´ıcula de tinta.

[83] Estudo da obra acima

e de Flower Piece (1906-07), de Matisse. µ-XRD, XRF, FTIR, XANES CdCO3, CdC2O4 e CdSO4· nH2O s˜ao produtos de degrada¸c˜ao e n˜ao de carga da tinta utilizada nas obras.

O levantamento bibliogr´afico sobre processos de degrada¸c˜ao no pigmento amarelo c´admio demonstra que, embora de forma geral concorde-se com a validade da equa¸c˜ao qu´ımica (4.1) como processo b´asico de fotodegrada¸c˜ao, outras rea¸c˜oes como a equa¸c˜ao (4.3) podem ainda ocorrer:

CdS + 2O2+ H2O → CdSO4· H2O (4.1)

2James Ensor (1860-1949) foi um pintor belga de figuras, composi¸oes religiosas, temas mitol´ogicos,

paisagens e natureza morta, al´em de gravador e lit´ografo. Influenciado pelo impressionismo francˆes da d´ecada de 1870, Ensor ´e colocado historicamente entre os p´os-impressionistas mais emotivos do final dos anos 1880 e 1890. [21]

3Henri Matisse (1869-1954) foi um mestre da escola francesa moderna, pintor not´avel al´em de escultor,

lit´ografo e designer de vitrais. L´ıder do grupo Fauve de 1905, o estilo de Matisse desenvolveu-se com os anos em uma rica apresenta¸c˜ao das possibilidades de express˜ao de cores. [21]

CdS + 2O2+ H2O + hν → CdSO4· H2O (4.2)

CdSO4· H2O + CO2 → CdCO3 + H2SO4 (4.3)

Al´em do mais, existe uma grande problem´atica em identificar se os compostos encontra- dos al´em do CdS s˜ao produtos da degrada¸c˜ao do mesmo ou se prov´em de outros processos, como da s´ıntese incompleta desse pigmento ou de aditivos encontrados em tintas comerciais. Em se tratando da s´ıntese da tinta, percebe-se em [81–83] o papel que a qualidade e o tipo de procedimento realizado na fabrica¸c˜ao desses materiais exercem na foto-degrada¸c˜ao. A an´alise de degrada¸c˜ao em obras de arte atinge um n´ıvel maior de complexidade quando s˜ao levados em conta outros materiais art´ısticos presentes na pintura al´em da tinta, como o caso da interferˆencia do verniz visto em [24].

Processos de degrada¸c˜ao f´ısicos, como craquelamento, parecem ter certa influˆencia sobre a fotodegrada¸c˜ao, conforme [83] em que ´e levantada a hip´otese de que devido `a forma¸c˜ao do craquelˆe, expˆos-se uma nova ´area de tinta ao ar o que promoveu sua oxida¸c˜ao e degrada¸c˜ao. Outras propriedades qu´ımicas como a solubilidade do material parece influenciar a disposi¸c˜ao dos produtos de degrada¸c˜ao ao longo da estratigrafia da tinta [82, 83].

Por fim, salienta-se a importˆancia de se estudar o mesmo fragmento por diversas t´ecnicas a fim de se obter uma an´alise que re´una as potencialidades de cada metodologia e permita uma conclus˜ao mais completa sobre os processos e produtos das rea¸c˜oes envolvidas. Essa metodologia foi adotada nos artigos pesquisados [24, 80–83], tendo sido utilizada extensi- vamente t´ecnicas baseadas em radia¸c˜ao s´ıncrotron, demonstrando sua importˆancia dentro dessa ´area na arqueometria.