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O propósito deste capítulo era fazer uma apresentação consistente dos elementos conceituais presentes no período dos chamados artigos de metapsicologia, que consistem em uma tentativa malograda de síntese teórica da psicanálise efetivada ao longo do ano de 1915.

25 Conferir o capítulo 6 desta tese.

Para tanto, investigamos detalhadamente alguns textos fundamentais do período, discutindo os conceitos apresentados e retomados em função do desenvolvimento das idéias de Freud. O objetivo era duplo. Em primeiro lugar, apresentar a consolidação da teoria das pulsões e da representação na primeira síntese metapsicológica, mostrando suas derivações para uma teoria da angústia e sua ancoragem no modelo das defesas neuróticas por meio do recalque. Em segundo lugar, mostrar como o movimento de síntese engendrado por Freud depende de um enfoque sobre o aparelho psíquico já constituído, ou seja, passa por um desvio na elucidação das origens desse mesmo aparelho por meio de um conjunto de identificações.

Assim, pudemos ver, em um primeiro momento, a constituição da teoria das pulsões e sua articulação em um primeiro dualismo opondo pulsões de auto- conservação e pulsões sexuais. A esse primeiro período de conceituação das pulsões (1905-1911), segue-se um aprofundamento sobre as origens do aparelho psíquico e as primeiras rupturas significativas com a própria teoria pulsional por meio da

introdução do narcisismo (1911-1915). O narcisismo não só põe em xeque o

dualismo pulsional como, também, traz a questão da gênese do ego para o primeiro plano da teoria psicanalítica. Embora traga avanços consistentes, essas aberturas se conciliam muito pouco com as sínteses que Freud pode engendrar no período da

emergência da metapsicologia (1915-1920).

Desse percurso decorre minha observação sobre os textos fundamentais do último período, em que os artigos sobre as pulsões, recalque e inconsciente constituem a apresentação mais consistente da teoria freudiana até então, mas estão limitados por um texto anterior, de introdução ao narcisismo, e um posterior, de definição da identificação melancólica, em que a problemática da gênese do ego por identificação aparece como contraponto e exigência teórica. Mais do que uma oposição externa, pude mostrar também que essa dinâmica de exigências está presente no interior dos próprios textos, como pudemos ver tão claramente a respeito dos destinos pré-genitais das pulsões e da dificuldade de construção de uma teoria do recalcamento primário. Assim, simultaneamente aos movimentos de síntese, encontramos movimentos de abertura significativos que serão pontos de ancoragem imprescindíveis para as construções futuras.

Este capítulo, portanto, procura evidenciar o movimento próprio de construção do pensamento freudiano, que como pudemos notar, é marcado por reviravoltas e ambigüidades. Vamos deixar para o final, depois de mais três ensaios sobre esse movimento, uma afirmação mais categórica sobre esse pensamento. Por enquanto, gostaria apenas de ressaltar que, do ponto de vista do pensamento freudiano, a síntese metapsicológica ocorre a expensas de uma suspensão da problemática da gênese do aparelho psíquico por identificações e que caberá ao movimento do pensamento freudiano tentar desenvolver essa nova teoria para uma perspectiva temporal mais consistente de constituição da subjetividade.

Nesse ponto cabe retomar as conclusões de Mezan sobre esse período do pensamento de Freud, que apontam justamente para as exigências que estou defendendo:

A não ser os dois elementos que segundo nossa interpretação ainda não se encaixam no conjunto – a questão da identificação e a localização precisa do Complexo de Édipo (...), nada faria um leitor desprevenido esperar, a partir de 1920, uma reforma tão extensa do edifício laboriosamente construído nas três décadas precedentes (...). Iniciado sem alarde em

Além do Princípio do Prazer, o experimento iria modificar de alto a baixo o aspecto da

psicanálise, acarretando transformações profundas nos seus elementos essenciais. (MEZAN, 2001, p. 250)

Eu apenas acrescentaria que a questão da identificação é uma exigência que aparece mais claramente nesse período de síntese metapsicológica, enquanto a proposição do segundo dualismo pulsional depende de uma retomada de exigências precedentes que, inclusive, ficaram, naquele momento, deslocadas para um segundo plano.

No que diz respeito à teoria representacional na metapsicologia, que é o que nos interessa particularmente, posso concluir que nesse período de síntese metapsicológica se observam claramente dois movimentos.

O primeiro movimento decorre da própria complexificação da teoria representacional e sua articulação com a teoria das pulsões. Há limites internos a essa teoria que Freud termina de montar nos artigos de metapsicologia. Fora as questões sobre a articulação somatopsíquica e a compreensão constitutiva desses registros representacionais na tópica, a própria hipótese representacional é marcada por uma ambigüidade constitutiva: a separação entre afeto e representação ideativa. Esse limite é fundamental na teoria da representação freudiana: a dinâmica psíquica é

marcada sempre por um resto ou um resíduo da operação de significação, os afetos, cuja expressão mais característica é a angústia.

O segundo movimento diz respeito aos limites externos à teoria da representação, que se referem, nesse período, ao papel das representações na constituição do próprio aparelho psíquico, ou seja, por meio de que mecanismos as representações conseguem instaurar sistemas com leis próprias que passaram a determinar o próprio regime dinâmico das representações. A teoria do recalque primário mostra justamente o âmago dessa questão, mas o período traz uma série de hipóteses interessantes da constituição do aparelho por meio de identificações, quer seja da ordem de um narcisismo mais originário do ego, quer seja de mecanismos identificatórios de cunho mais secundário, como no caso da melancolia.

De qualquer forma, em geral a problemática do período aponta para uma ampliação dos limites representacionais em direção a uma teoria das identificações. Chamo isso do movimento do além da representação, que é marcada ainda por certo paradigma positivo na metapsicologia, no sentido da suposição de um ideal representacional controlando a lógica do sistema. Embora o conceito de pulsão, já em sua origem, aponte para certa transgressão desse ideal, o fato é que, até então ele se acomoda relativamente bem nesses limites, exceção feita ao problema do afeto, que, por isso mesmo, representa um verdadeiro calcanhar de Aquiles na metapsicologia freudiana. Fora isso, somente a afirmação completamente isolada de uma prioridade da alucinação negativa do objeto na constituição do psiquismo, parece apontar alguma abertura para um referencial de negatividade na metapsicologia.

Será preciso aguardar o retorno de uma outra problemática para avançar na integração dessas aberturas: as considerações sobre o além do princípio do prazer, que implicarão a chamada ―virada dos anos vinte‖.

4 A VIRADA E A SEGUNDA TEORIA PULSIONAL