• Nenhum resultado encontrado

Outra estratégia que está presente no corpus, juntamente com os componentes científicos, é a ciência como fornecedora do contexto de criação ou certificação do produto, o que denominamos aqui de ambientes científicos. Diferente dos componentes que constituem os produtos, outra possibilidade de relacioná-los à ciência é se deslocar para a noção mais explícita de que eles foram criados e/ou certificados cientificamente. Os ambientes científicos são os locais ou contextos nos quais a narrativa é construída, de forma a relacionar o produto, marca ou serviço anunciado com uma ambiência ligada ao conhecimento científico. Tais ambientes podem ser cenários como laboratórios, consultórios ou escritórios. Também consideramos como ambientes científicos quando a narrativa publicitária desenvolve um contexto em que a ciência é evidenciada, mesmo que seja em casa ou cenários de programas televisivos, entre outras possibilidades. Nesses casos, a narrativa constrói um ambiente em que seus elementos narrativos são associados a processos de pesquisa, experimentação, tratamentos, dentre outras possibilidades.

Essa associação se apresenta quando há o uso de componentes científicos, como já apresentamos, porém, aqui entendemos que a ciência se torna o ambiente, um cenário no qual a narrativa sobre o produto é desenvolvida. A ciência como um contexto ou certificação da narrativa está presente nas categorias de alimentos, combustíveis e

derivados, higiene doméstica, medicamentos, serviços e veículos e acessórios (Figura 5).

Figura 5 – Anúncios que utilizam a ciência como ambiente

Essas categorias, geralmente, apresentam o ambiente científico como um laboratório com a presença de cientistas ou especialistas, caracteristicamente trajando jalecos brancos, com exceção do anúncio da Friboi, em que a nutricionista está em uma cozinha.

A estratégia é utilizada, por exemplo, no anúncio do Chevrolet Ônix, ambientado em um grande laboratório, envolvendo engenheiros e um desafio. Mostrar testes, procedimento intrínseco ao campo científico, também é uma estratégia da Ford nos dois anúncios que analisamos da marca, para divulgar os modelos Eco Sport e Focus (Figura 6). A diferença está, principalmente, no fato de que a Ford desenvolve a narrativa revelando somente ao final que se trata de um teste, mudando completamente o cenário para um laboratório, como se estivesse terminando uma simulação, mas, em síntese, apesar da maior carga de humor, o argumento principal é o processo de validação da tecnologia.

Figura 6 – Anúncios de automóveis que utilizam a ciência como ambiente

Fonte: Acervo da pesquisa.

Podemos entender um pouco mais essa estratégia a partir do anúncio do automóvel modelo S10, fabricado pela Chevrolet (Quadro 7).

Quadro 7 – Ambiente científico em Chevrolet – S10 (30”) Onde o ambiente científico

se destaca no anúncio?

No roteiro publicitário: apresentação; argumentação.

Na estrutura básica da narrativa: situação inicial; perturbação; transformação; resolução.

Qual trecho específico da sinopse-resumo apresenta o ambiente científico?

O anúncio inicia com a visão aérea de uma grande pista branca. Alguém liga o som do carro e depois são mostrados um homem de jaleco branco próximo ao carro e outro homem e uma mulher, também de jaleco, observando a sala de uma cabine. Essas pessoas que observam estão próximas a um painel com botões. As imagens mostram que o produto precisa sair do ponto A. A mulher que observa aperta um dos botões do painel que tem um ícone de madeira. O carro começa a se mover e passa por toras de madeira. Depois a mulher aperta no botão do painel que tem o ícone de corredeiras. Então abre-se um buraco na pista e o automóvel atravessa uma corredeira. Um novo botão é acionado, agora com o ícone de montanhas. Então diante do carro surge

uma grande rampa e as pessoas de jaleco viram o rosto para observar. Agora a rampa inteira é mostrada e o carro continua subindo. O carro chega ao topo, no ponto B, concluindo seu trajeto de teste. Agora as pessoas que observavam são mostradas novamente e demonstram estar impressionadas com o desempenho do produto. A pista é novamente mostrada, mas agora completamente destruída [...].

Observações sobre o trecho destacado

A narrativa é construída de modo que os seus elementos sejam revelados aos poucos, gerando suspense a cada novo momento. No início vemos o espaço, mas não conseguimos identificá-lo. E aos poucos aparecem outros elementos, personagens e o cenário científico vai criando sentido, podendo ser reconhecido. O desafio também se apresenta aos poucos, não se tem ideia de qual será o próximo obstáculo. Todo esse clima de suspense pode ser visto como uma forma de manter a narrativa aquecida. Para isso, são usados como recursos o silêncio e o som ambiente , no começo do anúncio, seguidos pela trilha de aventura, que reforça o suspense e aumenta a expectativa. Os enquadramentos também seguem essa lógica, com detalhes do produto anunciado, das personagens, dos objetos presentes no ambiente científico, dos obstáculos. Então eles partem do plano detalhe para o plano geral, sempre acrescentando um tom de revelação, de descoberta. Fato que se relaciona com a ciência e com a proposta da marca de encontrar o novo. A cada obstáculo os elementos textuais e a locução acrescentam características ao produto que permitem que ele supere as dificuldades impostas, marcando o diferencial inovador da anunciante. Assim, o carro é publicizado com uma robustez dada pela ciência, própria para um perfil de consumidor aventureiro, do campo, etc. No momento final do teste, o anúncio faz uma última revelação, com um tom de piada: até mesmo quem cria se impressiona com o desempenho do automóvel.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Esse exemplo de anúncio mostra que a questão do ambiente científico perpassa os diferentes momentos do roteiro publicitário e da estrutura básica da narrativa, até mesmo por conta da sua natureza de ambientação (Figura 7). Essa ocorrência em diferentes etapas do anúncio é uma característica que foi percebida nas peças que utilizam os ambientes científicos como recurso narrativo.

Figura 7 – Chevrolet – S10 (30”)

Fonte: Acervo da pesquisa.

A partir da narrativa construída para divulgar um modelo de automóvel para consumidores que prezam ou precisam de carros resistentes, podemos perceber que mesmo que não haja um componente científico, a ciência está explicitamente presente no contexto de criação e de validação do produto. Diferente da presença dos componentes, que por si só nos permitem interpretar que foram desenvolvidos em processos que envolvem especialistas e validações, os anúncios que prezam pelo contexto científico explicitam esse processo. No caso da Chevrolet, a estratégia possui dupla possibilidade, tanto de certificar que o produto é capaz, quanto de atribuir o próprio processo de experimentação como qualidade da marca. Ao explicitar os processos científicos e tecnológicos que envolvem seus produtos, a ciência se torna uma certificação.

Ao trazer o teste em diferentes elementos de sua narrativa, além de tentar representar o desempenho real do produto, o anúncio reforça que a marca investe no desenvolvimento tecnológico e na validação dos seus produtos por meio de testes rigorosos e com acompanhamento de especialistas. A cumplicidade, no caso desse anúncio, dá o desfecho nos convidando a buscar pelo novo, para que descubramos junto com a anunciante quais são os caminhos que podemos percorrer. Depois de tudo isso, o argumento de que o produto é desenvolvido a partir do conhecimento científico e tecnológico recebe seu toque final, apontando a engenhosidade da Chevrolet como uma

“sacada”39

que mistura a capacidade de criação da marca a partir de seus engenheiros. Assim, podemos entender que a ciência como ambiente está relacionada à demonstração dos processos de desenvolvimento como forma de divulgação dos produtos com qualidade garantida.

Apesar de ser recorrente o uso do ambiente científico como forma de certificação, há uma peça no corpus analisado que podemos destacar como diferenciada: o anúncio do Prêmio Jovem Cientista, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nesse caso, o contexto científico, mesmo em laboratório e com estudantes de jaleco branco, tem como foco principal caracterizar a cena como um momento de aprendizado e pesquisa, buscando que outros estudantes e pesquisadores se identifiquem com a situação (Figura 8).

Figura 8 – Prêmio Jovem Cientista (30”)

Fonte: Acervo da pesquisa.

O objetivo do anúncio é divulgar a existência do prêmio, seu tema e nos convidar a participar com as nossas ideias. Logo, o contexto não é construído como uma forma de certificação, mas como uma das maneiras de buscar o reconhecimento do público ao qual o prêmio anunciado se destina.

Mesmo que a ciência também seja uma estratégia para a construção do argumento, no anúncio do Prêmio Jovem Cientista, é possível pensar no contexto como uma forma de divulgação da própria ciência. Sobre o prêmio, por ser uma campanha de utilidade pública, sua leitura como incentivo à pesquisa é clara. Esse ponto é destacado pela ênfase na gramática publicitária como possível potencializadora das formas de divulgação da ciência. Tanto os componentes, quanto os contextos, ambos científicos, fazem a narrativa

39 Consideramos como “sacada” a perspicácia de construir e/ou perceber a revelação de uma ideia, que pode

ser a moral de uma história, uma piada ou mesmo a função de determinado elemento dentro do que está sendo narrado. Dessa forma, é possível entender como o anúncio utiliza um trocadilho, por exemplo. Assim, entendemos não só o que o elemento quer dizer, mas qual é a função do duplo sentido dentro da narrativa.

publicitária apresentar uma aura de novidade, de desenvolvimento, de exclusividade. A ciência é convocada como fundamental na busca pelo resultado que desejamos, seja ele o automóvel mais potente ou uma premiação para jovens cientistas.