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3. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

1.2 O QUE É, ENTÃO, DIPLOMACIA CULTURAL?

1.2.1 Ampliação da temática cultural na diplomacia contemporânea

O Embaixador apresenta a tese de Marcel Merle para sustentar a ideia da “centralidade da cultura nas relações internacionais contemporâneas”. Na perspectiva deste, a temática cultural não pode na atualidade ser negligenciada - como outrora o foi. Ao contrário. A cultura tem potencial para ser objeto de constante diálogo com vistas à criação de “ecumenismo cultural” uma vez que por meio dessa estratégia, distintas culturas – do Ocidente e do Oriente – poderiam adentrar em um processo político de integração com base na cooperação cultural (RIBEIRO, 2011).

Essa ideia está em consonância com o posicionamento de F.S.C. Northrop sobre o assunto. Esse intelectual enfatiza em The Taming of the Nations (1952) a importância do fator cultural como elemento dinâmico das relações internacionais. Por ter sido escrito durante a Guerra Fria e sob o impacto da Guerra da Coreia, Ribeiro (2011) defende que a obra contesta o critério do “interesse nacional” como fundamentação exclusiva de política externa. Isso reforça, portanto, seu embasamento. O cerne da proposta de Northrop, na perspectiva de Ribeiro (2011), é a demanda por cooperação internacional sustentada no conhecimento mútuo.

[...] Na visão de Northrop, o reconhecimento dessa diversidade cultural teria por consequência um maior respeito pelas leis e pelos costumes de cada país, o que, por sua vez, asseguraria o pluralismo do direito internacional e fundamentaria a política externa dos Estados. (RIBEIRO, 2011, p. 58).

Entretanto, a cultura, nesta ótica, é vista como instrumento favorável à eficácia da política externa. Assim, o trabalho de investigação da cultura pode ser interpretado como momento relevante à construção de diagnóstico por parte dos Estados nacionais com vistas à formatação de uma política externa em consonância com os contextos de sua área de atuação, com vistas, sobretudo, à realização de seus interesses nacionais. Seria elemento assessório, nas palavras de Ribeiro, que buscaria penetrar politicamente e ideologicamente por meio de cooperação internacional.

Outra publicação sobre a temática, International Cultural Relations (1986), de J. M. Mitchell, na perspectiva de Ribeiro (2011), é relevante para a compreensão do campo da diplomacia cultural. Isso ocorre uma vez que o trabalho revela os contornos da cooperação cultural com base na experiência de países que de modo mais intenso tem trabalhado o

assunto, a exemplo da França e da Alemanha. Esse livro é inovador no sentido de que considera a particularidade dos mecanismos de difusão cultural.

Ademais, são mencionadas por parte do autor, ideias em torno dos seguintes aspectos:

[...] Interdependência das culturas, da mutualidade na cooperação cultural internacional, da autonomia do agente cultural (em confronto com as expectativas do Estado-Produtor), da distinção entre relações culturais e diplomacia cultural, das vinculações entre esses diversos temas e a política interna dos Estados. (RIBEIRO, 2011, p.59).

Em síntese, o diplomata compreende que os textos de Merle, Nortroph e Mitchell colaboram, portanto, com a possibilidade de entendimento de uma nova dimensão atribuída ao lócus da cultura nas relações internacionais: não só a difusão de produtos, bens ou manifestações de uma dada cultura ao cenário mundial, mas, sobretudo, os benefícios culturais alcançados por meio da cooperação e do intercâmbio culturais por parte de distintos países (RIBEIRO, 2011).

No tocante à diplomacia cultural, há, também, interpendência (RIBEIRO, 2011) entre Estado e subsídios culturais dos agentes internos. Isso resulta diretamente da emergência da vasta e complexa rede internacional de cooperação intelectual, caracterizada por meio de uma visão crescentemente interdisciplinar. Além disso, a diplomacia cultural pode projetar valores das culturas internas das nações. Nas palavras do Embaixador,

[...] Se a riqueza cultural de um país é o resultado de uma infinita quantidade de programas bem sucedidos, que permitem ao Estado consolidar aos poucos objetivos mais amplos de sua política cultural – democratização da cultura, desenvolvimento da comunicação, busca da identidade cultural, promoção dos valores culturais, defesa do patrimônio, ou estímulo às atividades culturais – os objetivos da política cultural externa, na visão dos autores até aqui mencionados, deveriam consistir na projeção internacional desses valores, com vistas não somente à consecução de seus objetivos nacionais, mas também ao aprimoramento das relações internacionais. (RIBEIRO, 2011, p.66).

Observa-se, por fim, que a noção de diplomacia cultural advogada por Ribeiro (2011) corresponde às relações entre Estados no tocante ao campo da cultura. Essas estão tangenciadas pela troca e projeções de valores culturais entre países. Desse modo, políticas culturais desenvolvidas pelo Estado, em seu âmbito interno, é base para a diplomacia cultural. Já na leitura de Kirsten Bound, Rachel Briggs, John Holden e Samuel Jones, particularmente no relatório intitulado por Cultural Diplomacy, publicado em 2007, a diplomacia cultural tem sido usada com instrumento por parte de líderes estatais com vistas à

divulgação de suas imagens pessoais e dos pontos positivos de suas nações. Além disso, busca-se fortalecer o poder de seus países no cenário internacional, bem como construir e/ou solidificar suas relações bilaterais e multilaterais. Os autores salientam, contudo, que em termos de política externa, particularmente no pensamento da Realpolitik, cultura e intercâmbios culturais são consideradas como desejáveis, embora não essenciais. Ou seja, a cultura tem sido utilizada como suporte à concretização de interesses econômicos, políticos e comerciais dos países no sistema internacional.

Bound e colaboradores (2007) afirmam, ainda, que é consensual entre muitos estadistas, a visão de que diplomacia cultural pode ser útil às relações entre países. Além disso, os autores comungam da mesma visão de Ribeiro (2011) no tocante ao argumento de que o campo da diplomacia cultural está por seu turno calcado num conjunto de valores pertinentes a cada Estado nacional. Nesse sentido,

[…] “Cultural Diplomacy” argues that today, more than ever before, culture has a vital role to play in international relations. This stems from the wider, connective and human values that culture has: culture is both the means by which we come to understand others, and an aspect of life with innate worth that we enjoy and seek out. Cultural exchange gives us the chance to appreciate points of commonality and, where there are differences, to understand the motivations and humanity that are differences, to understand the motivations and humanity that underlie them. As identity politics, these attributes make culture a critical forum for negotiation and a medium of exchange in finding shared solutions. Cultural contact provides a forum for unofficial political relationship-building: it keeps open negotiating channels with countries where political connections are in jeopardy, and helps to recalibrate relationships for changing times with emerging powers such as India and China. In the future, alliances are just as likely to be forged along lines of cultural understanding as they are on economic or geographic ones. (BOUND E COLABORADORES, 2007, p.13).

Ainda nesse livro, Bound e colaboradores (2007), abordam o caráter central da cultura nas relações internacionais. Afirmam que o conceito de diplomacia cultural é polissêmico, pois representa a complexidade das relações e valores culturais contemporâneos. Além disso, a cultura – e, por conseguinte, a diplomacia cultural – são temáticas transversais. Relacionam- se com: política, artes, gastronomia etc. Ademais, a comunicação é uma das áreas cuja diplomacia cultural e relações culturais internacionais em geral, podem se desenvolver com maior veemência particularmente no âmbito da Internet.

Entretanto, os autores argumentam que países em desenvolvimento ainda não entenderam o grau de importância que a diplomacia cultural pode oferecer para suas relações

exteriores, com exceção da Índia. Esse país, na visão de Bound e colaboradores (2007), percebeu que essa vertente diplomática pode fortalecer o seu projeto estratégico de ampliação de sua inserção internacional. Assim, o Conselho Indiano para Relações Culturais, com sede em Washington e em Paris, complementa a existência dos 18 escritórios que atuam em grandes cidades em diversas partes do mundo (BOUND E COLABORADORES, 2007).

A China também pretende recorrer à diplomacia cultural como meio relevante à reconfiguração de sua imagem. Isso será feito por meio do investimento do Estado nos Institutos Confúcio, os quais têm trabalhado: promoção da língua chinesa; formação de professores para lecionar o idioma; difusão internacional da cultura da China. Em relação a esses Institutos salienta-se que a primeira unidade foi criada em 2004 em Seul e foi expandida para diversos continentes. “[...] Em 2011, já contava com cerca de 350 unidades em 105 países ou regiões”. (MORAES, 2013). Além da manutenção desses centros culturais, a China, em 2008, foi anfitriã dos Jogos Olímpicos - evento cuja divulgação de imagem de país moderno pôde ser feita.

Os autores creem, por fim, que o uso dos mass media é modo novo de realizar diplomacia cultural na contemporaneidade por conta do espaço preponderante que as comunicações massivas alcançaram nas sociedades de distintas partes do mundo. Esse pensamento está em consonância com a forma não tradicional de realizar diplomacia cultural identificada por Harvey (1991), que consistia no uso de elementos da indústria cultural (literatura, rádio, cinema, televisão etc.) em evidência no momento da escrita de seu trabalho.

Nessa diretriz, Bound e colaboradores (2007) destacam que a Internet é um meio/ambiente de comunicação com valor potencial para a aproximação de pessoas de distintas culturas.

Another factor affecting mass cultural exchange and interaction is the step change that has occurred in the use of the Internet. The emergence of YouTube, where every day millions of people watch over 70 million videos and other social websites like Bebio and MySpace have generated a more participatory form of globalised culture. Social software has multiplied spaces for, and forms of cultural communication creating a multitude of points of connection that do not respect borders or conventional definitions of nations. (BOUND E COLABORADORES, 2007, p. 31).

Para que a Internet possa favorecer o intercâmbio e aproximação de culturas, é preciso conhecer idiomas ou ter acesso a traduções que são feitas em diversas línguas. Ademais, o aumento da circulação de turistas, estudantes e trabalhadores em distintas partes do mundo,

são outras formas pelas quais as relações culturais internacionais têm se beneficiado. Esses fatores, portanto, precisam ser considerados por parte dos formuladores de diplomacia cultural na contemporaneidade. Desse modo, surgem indagações consoantes às intenções, propostas e objetivos desse campo político-diplomático.