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POLÍTICA EXTERNA DE LULA E DE AMORIM: CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO LOGÍSTICO

3. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

2.2 POLÍTICA EXTERNA DE LULA E DE AMORIM: CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO LOGÍSTICO

A partir de 2003 a política externa brasileira passa a advogar mutualidade nas relações internacionais. Configura-se, também, como cenário de conflito entre, nas palavras de Cervo (2012), supremacia do “velho capitalismo” e de sua logística global e nova força em construção das nações emergentes. Essas também se aproximam no intuito de inserir novo rumo à globalização.

Pode-se inferir, então, que o Eixo Sul-Sul tem buscado formar contrapoder na perspectiva de equilibrar a dinâmica político-econômica no cenário mundial, o que poderia desestabilizar a força das antigas potências que necessitam manter relações positivas com países em desenvolvimento os quais em sua maioria já foram suas colônias. Assim, esse contrapoder em processo de edificação pelo Sul global na perspectiva de Cervo (2012) possui nas entrelinhas pretensão de definir regras da ordem internacional com o objetivo de que todos os países possam ser beneficiados por meio da democratização da governança global. Essa ocorreria uma vez que a tomada de decisões nos investimentos, nos recebimentos de benefícios, dentre outras temáticas passasse a ser realizada por parte de contingente maior de atores internacionais. Ou seja, não apenas por meio de países ricos.

Na opinião de Shinguenoli Miyamoto (2009), o Brasil, na atual conjuntura internacional, possui lugar privilegiado o qual não se restringe somente à região da América do Sul, mas está relativo ao contexto global. Nota-se isso por contingente de demandas para ocupação mundial por parte do Brasil: de espaços geográficos, econômicos e estratégico- militares, principalmente. Isso ocorre porque historicamente, com raríssimas exceções, o País tem exercido função secundária nas relações internacionais. Entretanto, Miyamoto (2009) acredita que na contemporaneidade houve mudança no tocante a esse posicionamento subalterno brasileiro no cenário global.

Sales (2003) entende que essa mudança de postura e posicionamento da política externa brasileira é oriunda do aperfeiçoamento e ampliação do escopo de atuação no plano mundial atrelada à estabilidade econômica e política no contexto interno. Ou seja, houve “[...] diminuição evidente da vulnerabilidade externa, o que faz com que o País tenha muito mais credibilidade internacionalmente”. (SALES, 2003, p.10).

A proposta dos emergentes consiste na conquista da democratização das relações globais, e, por conseguinte, distribuição dos benefícios da ordem internacional vigente. Assim, por esse olhar, a política externa do Brasil definiu nova estratégia de atuação em consonância com interesses nacionais e com pretensões do Eixo Sul. Foi, então, inserida uma política que consistiu na modificação do papel do Estado que havia sido minimizado por parte dos governos de FHC, sobretudo, em seu primeiro mandato (1995-1998). Assim, o Estado precisaria tornar-se agente negociador e interlocutor do setor produtivo e empresarial no cenário internacional, via diplomacia profissional e presidencial (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2010). Desse modo, interesses nacionais e alianças com países emergentes puderam ser sustentados pelo Estado brasileiro de maneira logística.

Na perspectiva de Camila Maria Risso Sales,

[...] O Estado logístico estabelece a associação de duas esferas: o liberalismo na política externa e o desenvolvimento nacional. Esse paradigma recupera a autonomia decisória e diferentemente do desenvolvimentismo não entrega ao Estado e sim à sociedade a função de empresário. (SALES, 2003, p.10).

Cervo (2012) entende esse processo como introdução de “novo realismo diplomático” na política externa brasileira. Para o pesquisador, o paradigma de Estado logístico foi iniciado por FHC e solidificado por Lula. Assim, o projeto de inserção internacional do Brasil passou a consistir na busca por colocação sem constrangimentos diante do capitalismo. A diferença é que isso não seria feito de maneira subserviente como o foi em outrora. Uma exigência primordial seria condição imposta ao próprio sistema: redistribuição de poder nas relações internacionais.

O Palácio do Planalto e o Itamaraty apostaram nesta estratégia logística. Cervo (2012) compreende por logístico, o Estado que não assume por função a mera incumbência de prestar serviços como ocorria em outras formas de relações internacionais do Brasil, a exemplo do período denominado por “desenvolvimentismo” vigente no Brasil de 1930 a 1989. O Estado, por outro lado, não poderia ser um agente passivo à mercê das forças de mercado e do poder hegemônico como se portou em sua fase de cumprimento dos preceitos do Consenso de

Washington. Assim, a conjuntura doméstica demandava por parte do Brasil este modelo de Estado logístico.

Uma vez logístico, o Estado recuperaria o planejamento estratégico do desenvolvimento para, por conseguinte, intermediar e legitimar iniciativas oriundas por parte de outros agentes econômicos e sociais por meio da delegação de responsabilidades e de poder. O ponto central desta tipologia de Estado concerne, então, no fato de que os governos não permitiriam que pressões internacionais se constituíssem como entraves à atuação dos governos locais (CERVO; BUENO, 2012). Ou seja, o advento do paradigma logístico é estratégico à tentativa de solidificação de inserção soberana do Brasil no plano mundial.

A consolidação do Estado logístico realizado por Lula tornou-se possível por meio de fatores relacionados ao plano interno. Em primeiro lugar, o nível avançado de organização social brasileira - como, por exemplo, federações de industriais, de banqueiros e de operários - configuram-se como interesses setoriais os quais têm formado o conjunto de interesses nacionais. Isso inclusive tem facilitado o papel assumido pelo País - nesse contexto de adoção do paradigma de Estado logístico – no que diz respeito à coordenação de interesses nacionais por meio da elaboração de política externa estratégica. Em segundo lugar, a estabilidade política e econômica geraram possibilidades de associação entre a lógica da governabilidade interna e a lógica da governança global. E, por fim, a constatação de que há nível avançado dos agentes econômicos e sociais brasileiros no tocante à organização empresarial e à competitividade sistêmica (CERVO; BUENO, 2012).

Mas, qual foi mesmo o lugar que a cultura exerceu nessa nova política externa brasileira? Que papel foi atribuído à cultura nesse contexto? Houve diplomacia cultural consoante à proposta de política externa “altiva e ativa”?

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ara compreender a atuação do Estado brasileiro na diplomacia cultural entre 2003 e 2010, buscou-se construir indicadores que pudessem embasar a análise em questão. Assim, o estudo de documentos dos Ministérios selecionados por esta pesquisa acadêmica e da bibliografia pertinente ao assunto, permitiu compreender que dois elementos ajudariam nesta tarefa: espaços contemplados pela diplomacia cultural e áreas temáticas que estes agentes escolhidos desenvolveram no intervalo temporal referido.

Deste modo, o objetivo deste capítulo é apresentar e analisar a atuação dos três entes do Estado brasileiro incumbidos pela realização da diplomacia cultural brasileira - Itamaraty, Ministério da Cultura e Ministério da Educação - por meio do trabalho das unidades de cada agente citado. Há, no entanto, outros Ministérios que têm contribuído com a diplomacia cultural diretamente ou por meio de autarquias: Ministério de Ciência e Tecnologia por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq); o Ministério do Esporte; o Ministério do Turismo, principalmente pela Empresa Brasileira de Turismo (Embratur); o Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior, particularmente por meio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

Por conta da natureza desse trabalho acadêmico o qual demandou tempo curto para pesquisa e redação decidiu-se por contemplar apenas o MRE, o MINC e o MEC para entender parcialmente como a diplomacia cultural brasileira foi trabalhada de 2003 a 2010. Isso será feito por meio de breve descrição do espaço que esses agentes destinaram em suas organizações estruturais às atividades da diplomacia cultural brasileira no período de 2003 a 2010 como diagnóstico precedente ao entendimento da análise realizada nos capítulos seguintes. Além disso, utilizar-se á dados oriundos de um levantamento das ações culturais realizado para essa investigação.

Nessa diretriz, o mapeamento buscou compreender que áreas foram trabalhadas por esses entes nos espaços geográficos (continentes, países e cidades) observados. Isso foi feito por meio da identificação e quantificação de ações que cada unidade realizou ao longo do período estudado conforme informações obtidas nos sites das Embaixadas, dos Consulados, do Departamento Cultural do Itamaraty, além de: a) publicações desse Ministério, do

Ministério da Cultura e do Ministério da Educação, como, por exemplo, relatórios de avaliação de gestão e outros documentos; b) publicações de pesquisadores das áreas de políticas culturais do Brasil e política externa brasileira; c) entrevistas a diplomatas e demais agentes do Serviço Exterior Brasileiro, a exemplo de: Gustavo de Britto Freire Pacheco, da Embaixada do Brasil em Buenos Aires; Eva Magalhãoesová, da Embaixada do Brasil em Praga; Eduardo Cançado Oliveira, da Embaixada do Brasil em Bangkok; Míriam de Castro Rodrigues Leitão, da Embaixada do Brasil em Oslo; Aline de Souza, da Embaixada do Brasil em Ancara; Katia Pines, Embaixada do Brasil em Tel Aviv; Renato Prado Guimarães, do Centro Cultural do Brasil em Frankfurt; Michel Laham Neto, do Consulado-Geral do Brasil em Barcelona; Adela Tiscareño, do Consulado-Geral do Brasil em Miami; Mariana Moscardo, da Embaixada do Brasil em Paris.

3.1 ITAMARATY: DEPARTAMENTO CULTURAL E REPRESENTAÇÕES DO BRASIL