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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.2 A composição dos recursos financeiros alocados pelo governo para a área de saúde no período de 2002 a

4.2.3 Análise por categoria econômica

A análise dos gastos por meio da classificação econômica permite verificar o objeto de gasto, como despesas com pessoal e investimentos, por exemplo. A Tabela 9, na sequência, mostra os dados da participação dos gastos em saúde por categoria econômica.

Tabela 9 - Participação dos gastos em saúde por Categoria Econômica nos municípios.

Ano

Participação das despesas de pessoal e encargos/ Despesa total em saúde

(%)

Participação de outras despesas correntes/ Despesa total em saúde

(%)

Participação de despesas de investimento/ Despesa total em saúde

(%) 2002 40,3 52,7 7.0 2003 41,6 53,6 4.8 2004 41,6 53,3 5.1 2005 42,3 53,2 4.5 2006 42,9 51,7 5.4 2007 44,7 50,7 4.6 2008 45,3 49,5 5.2 2009 46,3 50,2 3.5 2010 46,3 49,6 4.1 2011 45,5 50,4 4.1 2012 45,6 50,1 4.4 2013 46,1 50,4 3.4 2014 44,3 50,8 5.0 2015 45,3 51,1 3.6 2016 45,3 51,2 3.4 2017 45,5 52,1 2.4

Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados do SIOPS.

Por meio da Tabela 9, observa-se um decréscimo acentuado da participação dos investimentos, de 7%, em 2002, para 2,4%, em 2017, ao passo que houve um acréscimo nas despesas de pessoal, de 40,3%, em 2002, para 45,5%, em 2017. Os investimentos, como parte das despesas de capital, representam ampliação de infraestrutura, criação ou implantação de nova atividade, ou até mesmo a preservação da capacidade atual. A ausência ou diminuição dos investimentos em uma função ou subfunção pode até mesmo causar diminuição da capacidade atual.

A verificação dos gastos por meio de subfunção (AB) conjugada com categoria econômica é importante ao se buscar relação entre gastos com pessoal na AB. Starfield (2005) e Atun (2004) observaram que, além de sua relação com melhores resultados de saúde, a maior utilização de médicos de cuidados básicos foi associada com menores custos totais de serviços de saúde. Dessa forma, espera-se que maiores gastos com AB devem estar associados com maiores gastos com pessoal e menores gastos totais. Ao longo do tempo, seria esperado o crescimento das despesas com pessoal e a consequente diminuição dos custos totais. Verifica-

se que, de fato, ocorreu, em parte, o que se esperava, ou seja, houve aumento da participação da AB (embora pequena), juntamente com aumento das despesas de pessoal.

Por meio dos levantamentos, observa-se que, após a aprovação da EC n.º 29/2000, durante o período de 2002 a 2012, houve crescimento mais acentuado dos gastos em saúde, evidenciando que houve um esforço claro de aumentar a alocação de gastos em saúde, com reflexo na AB. No entanto, após 2012, período posterior à aprovação da LC n.º 141/2012, houve redução do crescimento das despesas em saúde, com reflexo também na AB, que chegou a apresentar pequena queda de participação.

A capacidade de arrecadação de impostos dos municípios brasileiros, no período de 2002 a 2007, ao relacionar as receitas de impostos com as receitas totais dos municípios, também demonstra o alto grau de dependência dos municípios em relação aos estados e à União. Ressalte-se que, em 86% dos 5.560 municípios, as receitas tributárias próprias não ultrapassam 10% das receitas totais, conforme estudo da OPAS e do MS (BRASIL, 2013c). A situação é mais crítica nas regiões Norte e Nordeste, onde a infraestrutura da AB é inferior e a desigualdade socioeconômica também é maior.

Os dados corroboram a constatação de que o financiamento do SUS teve uma considerável recuperação a partir da implementação da EC n.º 29/2000. A melhoria se deu, basicamente, em razão da maior participação das esferas subnacionais de governo, principalmente os municípios, que respondem por 26% dos recursos do SUS, e também mediante o resgate do protagonismo dos estados, que, em 2008, contribuíam com 23% do financiamento do SUS (UGÁ e PORTO, 2008; VIACAVA et al., 2012).

As evidências corroboram a constatação de Piola et al. (2016), ao afirmar que a aprovação da EC n.º 29/2000 trouxe maior volume de recursos para o SUS, mesmo que se possa discutir se os montantes gerados são suficientes, diante das demandas do sistema público. Observou-se, a partir do ano de 2000, incrementos nos aportes federais, ainda que proporcionalmente não tão elevados, levando-se em consideração as variações nos acréscimos dos demais entes federados. No entanto, é nítido um padrão de maior estabilidade no financiamento, uma vez que o volume de recursos cresce de forma contínua.

No entanto, de acordo com a OPAS (BRASIL, 2013c), o gasto público total, de apenas 3,6% do PIB, é insuficiente para o SUS nos padrões instituídos pela CF/88, tendo como princípios fundamentais a universalidade, a igualdade e a integralidade do atendimento à saúde. Na opinião de especialistas daquele órgão, deveria se gastar pelo menos 6% do PIB para equiparar-se a países com sistemas semelhantes (BRASIL, 2013c).

Estima-se que o total gasto com saúde, no Brasil, seja correspondente a aproximadamente 8% do PIB, a maior parte do setor privado. Nos países desenvolvidos, com universalidade no acesso à saúde, pelo menos 70% do financiamento vem do setor público. Na América Latina, porém, a participação do setor público cai a menos de 50%. A participação do Brasil está próxima ao percentual dos Estados Unidos da América, que, no entanto, seguem modelo diferente do brasileiro (BRASIL, 2013c).

Observe-se, contudo, que a principal questão para o Banco Mundial (WORLD BANK, 2003) não seria a falta de recursos, pois somente o aumento de gastos públicos não é suficiente. Para aquele órgão, é difícil encontrar relações consistentes entre aumento nos gastos e resultados que demonstrem a importância de se alocar mais recursos para indivíduos de baixa renda.

Autores como Maynard e Bloor (1998), Newdick (2005) e Ferraz e Vieira (2009) defendem que, mesmo que se planejem políticas públicas eficazes, corre-se o risco de sempre ter que se disponibilizar mais recursos, o que independe de se tratar de países economicamente desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Entretanto, estudos também demostram que a governança está diretamente ligada a benefícios obtidos nas políticas públicas, que, além de redução de custos, dizem respeito ao melhor aproveitamento desses e à satisfação pelos serviços obtidos (WORLD BANK, 2003; RAJKUMAR e SWAROOP, 2008; FILMER et al., 1997).

É nesse sentido que o papel da boa governança como elemento-chave para a eficácia do desenvolvimento tem sido enfatizado nos últimos anos. De acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2003), a alocação de recursos públicos para os bens e serviços adequados não leva a resultados desejáveis se as instituições orçamentárias, que envolvem formulação, execução e monitoramento dos recursos orçamentários, apresentam deficiência. A deficiência na gestão orçamentária vem sendo continuamente apontada como uma das principais razões pelas quais os governos dos países em desenvolvimento têm dificuldades em transformar gastos públicos em serviços efetivos.

O aspecto mais relevante é, portanto, onde e como os recursos são aplicados. Para isso, apresenta-se a média da alocação de recursos dos municípios por estado no território brasileiro. Verifica-se que há grande desigualdade na distribuição dos recursos entre as regiões Norte e Nordeste e as demais regiões. Evidencia-se que não se atende aos princípios preconizados pelo SUS e aos mandamentos constitucionais que determinam o combate às desigualdades regionais, como estabelece o princípio 2A (Congruência das regras orçamentárias com as condições locais/setoriais). De acordo com esse princípio, a realidade dos espaços, das estruturas e dos

agentes, em que os recursos orçamentários transformam-se em políticas públicas, costuma ser muito heterogênea. Em tais sistemas, é desejável que as regras pertinentes à provisão e à apropriação de recursos apresentem alguma congruência com a diversidade e com a dinâmica das condições (OSTROM, 1990; AGRAWAL, 2003; BARCELOS, 2012).

Os mapas das Figuras 3 a 6 mostram a média de alocação de recursos orçamentários por estado da Federação. Observe-se que a região Norte apresenta os piores índices socioeconômicos, com uma área geográfica maior e com uma população dispersa.

Figura 3 - Alocação de recursos na AB (ciclo 1)

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Nota: A escala da legenda corresponde à média de gastos em AB nos municípios por estado, em R$ (reais) per capita anual.

Figura 4 - Alocação de recursos federais na AB (ciclo 1)

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Nota: A escala da legenda corresponde à média de gastos federais na AB nos municípios por estado, em R$ (reais) per capita anual.

Figura 5 - Alocação de recursos na AB (ciclo 2)

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Nota: A escala da legenda corresponde à média de gastos em AB nos municípios por estado, em R$ (reais) per capita anual.

Figura 6 - Alocação de recursos federais na AB (ciclo 2)

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Nota: A escala da legenda corresponde à média de gastos federais na AB nos municípios por estado, em R$ (reais) per capita anual.

De acordo com as Figuras 3 e 5, observa-se que a região Norte é a que, em média, aloca a menor quantidade de recursos (menos de R$ 300,00 per capita ao ano), seguida pelo Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, esse com a melhor média de alocação (acima de R$ 500,00 per capita ao ano).

Contrastando os mapas das Figuras 3 e 5, nota-se que não houve alterações significativas na alocação de recursos entre os dois ciclos, porém os municípios dos estados de Mato Grosso e Amazonas ainda tiveram decréscimo na média de alocação de recursos na atenção básica. Com relação aos gastos federais na AB (Figuras 4 e 6), observa-se que não há uma forma de compensação da baixa arrecadação dos entes subnacionais, o que pode ser comprovado ao se analisar estados como Amazonas e Pará, por exemplo, que têm menores médias municipais na alocação de gastos totais per capita na atenção básica (Figuras 3 e 5) e que, também, possuem baixas médias municipais na alocação de gastos federais per capita na atenção básica (Figura 6).

Após a análise dos resultados referentes à alocação de gastos, serão apresentados, na próxima seção, a característica da infraestrutura e os reflexos do financiamento da saúde aos municípios.