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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.2 Atenção básica à saúde

2.2.4 O funcionamento da atenção básica

A Conferência de Alma-Ata (OMS/UNICEF, 1978) definiu a atenção básica (AB), ou primária (APS), como cuidados essenciais e universalmente acessíveis, na comunidade, a indivíduos e a famílias, com um custo suportável para a população.

O CONASS (Brasil, 2015), com base em Unger e Killingsworth (1986), apresenta três interpretações para a APS. Na primeira, a interpretação como atenção primária seletiva entende a atenção básica como um programa específico destinado a populações e regiões pobres, a quem se oferece, exclusivamente, um conjunto de tecnologias simples e de baixo custo, providas por pessoal de baixa qualificação profissional e sem a possibilidade de referência a níveis de atenção de maior densidade tecnológica. Na segunda, a interpretação como nível primário do

sistema de saúde, conceitua a atenção básica como a porta de entrada do sistema, enfatizando a

função resolutiva desses serviços sobre os problemas mais frequentes de saúde. Aqui, a AB é vista como forma de se minimizar os custos econômicos da provisão da saúde e de se satisfazer as demandas da população referentes ao primeiro nível de atenção (BRASIL, 2015). Na terceira, a interpretação como estratégia de organização do sistema de atenção à saúde é compreendida como forma singular de apropriar, recombinar e reordenar todos os recursos do sistema para satisfazer as necessidades, demandas e representações da população, o que implica a articulação da AB como parte e coordenadora de uma rede de atenção à saúde (RAS) (BRASIL, 2015).

Em síntese, na primeira interpretação, a AB aparece como um programa focalizado em pessoas e em regiões pobres; na segunda, é possível reconhecê-la como o primeiro nível de atenção do sistema; na terceira, tem-se a AB como uma estratégia de organização de todo o sistema de atenção à saúde e como um direito humano fundamental (BRASIL, 2015).

Assim, de acordo com o CONASS, a AB como estratégia só existirá se ela cumprir seus três papéis essenciais: a resolutividade, a coordenação e a responsabilização. O papel da

resolutividade, inerente ao nível de cuidados básicos, significa que tais cuidados devem ser

resolutivos e capacitados, para atender a 90% da demanda da AB (BRASIL, 2015). Para Mendes (2002), o papel de coordenação expressa o exercício, pela AB, de centro de comunicação das RAS, significando a capacidade de ordenar os fluxos e os contrafluxos das pessoas, dos produtos e das informações entre os diferentes componentes das redes. Por fim, a função de responsabilização implica o conhecimento e o relacionamento íntimo, nos microterritórios sanitários, da população adscrita e do exercício da gestão de base populacional, tendo em vista a responsabilização econômica e sanitária atinente a essa população (BRASIL, 2015).

Além de sua relação com melhores resultados de saúde, a maior utilização de médicos de cuidados primários foi associada com menores custos totais de serviços de saúde. Observou- se que localidades com índices mais altos de médicos de AB apresentaram custos de cuidados médicos muito mais baixos do que outras localidades, o que possivelmente se deve, em parte, a melhores cuidados preventivos e menores taxas de hospitalização (STARFIELD, 2005). De maneira específica, poder-se-ia esperar maior ênfase na atenção primária no sentido de reduzir os custos de cuidados médicos, melhorar a saúde mediante o acesso a serviços mais adequados e minimizar as desigualdades na saúde da população.

Atun (2004), também, constatou que sistemas de saúde em países de baixa renda, com forte orientação para cuidados básicos, tendem a ser mais pró-pobres, equitativos e acessíveis. Conforme o autor, no nível operacional, a maioria dos estudos que comparam os serviços que podem ser prestados como de AB aos serviços especializados mostra que o uso de médicos de cuidados básicos reduz os custos e aumenta a satisfação do paciente, sem efeitos adversos na qualidade dos cuidados ou nos resultados do paciente.

Questão importante a ser observada em relação às políticas de saúde é a desigualdade e a pobreza, a exemplo da influência que a desigualdade provoca na probabilidade de uma criança morrer. De acordo com Ferraz e Vieira (2009), estudo realizado em 1996 constatou que uma criança de 5 anos de idade possuía 33 vezes maior chance de morrer a cada mil nascidos vivos no Brasil, ao se comparar o quintil de menor renda com o quintil de maior renda (OMS, 2007). Da mesma forma, outro estudo citado pelos autores evidenciou que a mortalidade por doenças cardiovasculares em adultos é mais frequente nas populações menos privilegiadas socioeconomicamente. De acordo com os autores, essa probabilidade poderia estar relacionada ao número de médicos e à taxa de pobreza.

Filmer et al. (1997) afirmam que, em sete de dez casos analisados, o quintil mais pobre beneficia-se, proporcionalmente, mais das instalações de nível inferior do que dos hospitais, ao passo que o quintil mais rico beneficia-se, proporcionalmente, mais dos gastos hospitalares. Assim, estudos recentes tendem a confirmar descobertas anteriores sobre o impacto distributivo de gastos de nível mais baixo versus cuidados hospitalares, não porque aqueles são sempre fortemente pró-pobres, mas porque os gastos hospitalares são quase sempre fortemente pró- ricos (FILMER, HAMMER e PRITCHET, 1997).

Uma preocupação relevante para aqueles que lutam contra a pobreza é garantir que os recursos cheguem a grupos pobres e marginais. De acordo com o UNICEF (1996), para que os governos garantam que os pobres recebam pelo menos uma parte equitativa dos benefícios dos serviços sociais, especialmente os de saúde, dois fatores são preponderantes: quando há

investimento em serviços básicos, como cuidados básicos de saúde e educação primária, o número de pobres beneficiados aumenta drasticamente; todavia, se o investimento é usado para fornecer níveis mais altos de serviço, como ensino superior e atenção à saúde de alta complexidade, cai o número de pobres que se beneficiam. Isso indica que a distribuição de recursos no nível primário é bem menos desigual.