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Conforme Saitenfus (2000, p. 114), “tal como ocorrera com o Pacto da Liga das Nações, a Carta da ONU, surge pela iniciativa de um bloco de países coligados circunstancialmente numa aliança militar”. Essas Organizações Internacionais, entretanto, ao longo de suas histórias, cursaram os seus próprios caminhos, uma de forma pioneira e outra baseada nas experiências de sua antecessora e na sua própria “vivência”.

A Liga das Nações, como foi abordada no Capítulo 4, representa, “pela primeira vez, a superação dos estreitos limites de uma cooperação técnica” (CRETELLA NETO, 2007, p. 29) visando conciliar diferentes povos numa tentativa de solucionar questões globais, ordenando o mundo com base em princípios de respeito mútuo (MIYAMOTO; CARVALHO, 2003, p. 50).

Em decorrência de diversos infortúnios ao longo de sua história, todavia, tal Organização encerrou suas atividades em 1947 e deu espaço para a criação de uma nova instituição, a ONU, que em seu processo constitutivo contou com as experiências prévias da Liga das Nações para a criação de uma organização mais bem preparada para lidar com as disparidades do contexto internacional.

É importante notar que, apesar de ambas as Organizações Internacionais prezarem pela paz mundial, diferenças significativas fizeram com que uma fracassasse e a outra vingasse no cenário internacional.

No processo constitutivo da Liga das Nações, os debates entre franceses, que defendiam uma organização militarizada e imperativa, e ingleses, que baseavam-se no princípio da boa-fé e da vontade dos Estados membros, resultou, com o apoio dos Estados Unidos, na criação de uma Liga desmilitarizada, situação que impossibilitou a Liga das Nações de impor-se frente aos Estados (SEITENFUS, 2000). Conforme Araújo (2002, p. 50),

Não é demais recordar que na Liga das Nações, quando um de seus membros recorria à guerra, contrariando os compromissos assumidos, decretava ao Estado agressor as sanções estipuladas no artigo 16 do pacto assinado em Versalhes, e que podem ser resumidas em rupturas de relações e na aplicação de atos coercitivos de natureza econômica e financeira, podendo ainda organizar uma força armada destinada a fazer o transgressor cumprir os compromissos firmados. Na prática, essas disposições não funcionaram como era preciso (...).

Com a adoção do projeto britânico tem-se, portanto, uma organização enfraquecida “pela sua estrutura incapaz de impor uma decisão coletiva” (SEITENFUS, 2000,

p. 91). Segundo Herz e Hoffmann (2004), o Conselho da Liga tinha autonomia para recomendar as partes contratantes que contribuíssem com forças terrestres, navais e aéreas, em casos de agressões, todavia tal colaboração era facultativa a cada Estado.

De acordo com Araújo (2002), no caso da Organização das Nações Unidas, a sua Carta constitutiva prevê medidas mais energéticas frente às questões de violação a seus princípios, além das sanções não militares a Carta propõe sansões militares, diferentemente do que ocorria na Liga das Nações. O artigo 41 invoca para as ações não militares, contra o Estado agressor, “a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas” (ARAÚJO, 2002, p. 51). Já as ações militares ocorrem se as medidas do artigo 41 não se mostrarem eficazes. Assim sendo, o artigo 42 afim de “manter ou reestabelecer a paz e a segurança internacionais (...) – faz uso de – demonstrações, bloqueios, e outras operações por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas” (ARAÚJO, 2002, p. 51).

A Organização das Nações Unidas em seu preâmbulo, segundo Seitenfus (2000, p. 115), “(...) torna ilegal a utilização unilateral da força, mas prevê que ela venha a ser empregada individual ou coletivamente, para defender um denominado interesse comum, que deve ser logicamente, o das Nações Unidas”. É facultado, assim, à ONU, “a possibilidade de impor a paz” (SEITENFUS, 2000, p. 116).

Entretanto, com o início das tensões entre Estados Unido e URSS, o dispositivo elaborado pela Carta, no artigo 43º, acabou não sendo implementado (HERZ; HOFFMANN, 2004). Esse momento, porém, suscitou uma característica fundamental para a sobrevivência da nova organização: a capacidade de adaptar-se (UZIEL, 2010).

A Liga tinha em seu seio o veto como condição fundamental para o funcionamento do seu Conselho, o que acabou por estagnar as possibilidades de atuação da Organização. Já a ONU, quando teve suas ações limitadas frente à Guerra Fria, desenvolveu a capacidade de adaptar-se, o que culminou na elaboração da resolução Uniting for Peace, segundo a qual a Assembléa Geral poderia intervir em assuntos antes tratados exclusivamente pelo Conselho (UZIEL, 2010). Tal atributo, desenvolvido pela ONU, contribuiu para a criação do instrumento que seria até os dias atuais o principal mecanismo de pacificação da Organização: as operações de manutenção da paz (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Aquém da questão do grau de militarização dessas organizações, é importante destacar a ausência da participação dos Estados Unidos na Liga das Nações que, logo após a constituição da Liga, foi impedido pelo Congresso Nacional norte-americano de integrá-la

(ARAÚJO, 2002). Segundo Hobsbwan (1995, p. 42), “a recusa dos EUA a juntar-se à Liga das Nações privou-a de qualquer sentido real – pois – nenhum acordo não endossado pelo o que era agora a grande potência mundial podia se sustentar”.

As exclusões da URSS e Alemanha, no primeiro momento de elaboração e criação da Liga das Nações, também são apontadas como uma das razões para o seu fracasso (CRETELLA NETO, 2007). De acordo com Hobsbwan (1995, p. 42), as

duas grandes potências europeias, e na verdade mundiais, estavam temporariamente não apenas eliminadas do jogo, mas tidas como não existindo como jogadores independentes (...). Assim que uma ou as duas reentrassem em cena, um acordo de paz baseado apenas na Grã Bretanha e na França – pois a Itália continuava insatisfeita – não poderia durar. E, mais cedo ou mais tarde, a Alemanha ou a URSS, ou as duas, reapareceriam inevitavelmente como grandes jogadores.

Já no caso da ONU, de acordo com Araújo (2002), a sua Carta constitutiva prevê a sua aplicação não apenas aos Estados membros, ou seja, aqueles Estados que não estão vinculados a ONU também têm direitos e deveres previstos e podem apresentar ao exame da Assembleia Geral qualquer questão referente à manutenção da Paz e segurança internacional. Os Estados não signatários podem, ainda, ser convidados a participar, sem direito de voto, do Conselho de Segurança quando for parte interessada em algum debate, desde que aceite ao final as obrigações de solução pacífica estabelecida pela Carta.

No que tange ao Conselho da Liga e ao Conselho de Segurança da ONU é possível observar algumas mudanças de uma organização para outra. Segundo Seitenfus (2000), a crise que se estendeu no Conselho da Liga, em 1920 e teve seu ápice em 1926, serviu como referência para a criação das regras no Conselho de Segurança da ONU. Ainda conforme o autor,

O Pacto da Liga ao adotar a regra da unanimidade para as decisões, ofereceu, ao mesmo tempo o poder de veto aos membros do Conselho. Portanto qualquer país que o integrasse, de forma transitória ou permanente, possuía condições objetivas de bloquear o sistema. A crise de 1926 inspirou os redatores da Carta de São Francisco (...), pois o direito de veto não seria generalizado e comporia unicamente o poder dos membros permanentes do Conselho de Segurança (SEITENFUS, 2000, p. 109).

O campo de atuação da Liga das Nações e da ONU também diverge em alguns pontos. Enquanto a ideia central da Liga para o mecanismo de manutenção da paz repousava sobre o sistema de segurança coletiva (SEITENFUS, 2000), o sistema ONU além do seu foco

principal na segurança mundial, também exerce funções sociais e econômicas (HERZ; HOFFMAN, 2004).

Outra diferença fundamental, apontada por Seitenfus (2000), separa as experiências da Liga das Nações e da ONU: enquanto a primeira exibia um escasso universalismo, a segunda, beneficiada pelo processo de descolonização, consegue, atualmente, abarcar quase duas centenas de Estados membros. Nesse sentido, a curva de adesão às Nações Unidas é ascendente, e as deserções são raríssimas, diferentemente do que se passou na Liga das Nações, que acabou sendo abandonada por parte de seus membros, sendo o Brasil o primeiro deles em 1926.

Os quadros a seguir tem como objetivo sintetizar as comparações apresentadas até aqui, vide a baixo:

QUADRO 2 - Quadro-resumo da análise comparativa

Critério Liga das Nações ONU

Surgimento Ambas surgem como resposta às atrocidades ocasionadas pelas Guerras Mundiais

Objetivo Primordial

A criação de um Sistema de Segurança Coletiva que promovesse a paz mundial é a essência das duas instituições

Militarização Era baseada nos princípios da boa fé e vontade dos Estados. Suas medidas coercitivas fundavam-se na boa vontade dos Estados membros em praticarem sanções aos Estados descumpridores do Pacto.

Com base nas experiências de sua antecessora foi criada para ser mais imperativa. Possui poderio militar próprio e de caráter supranacional.

Processo Decisório

O poder de veto era direito de todos os membros do Conselho. Independente de ser permanente ou não.

Apenas os membros permanentes são dotados de poder de veto em questões de fundamento. Existe uma maior rotatividade dos membros não permanentes.

QUADRO 3 - Quadro-resumo da análise comparativa (continuação)

Critério Liga das Nações ONU

Universalidade A não participação dos EUA

e a exclusão da Alemanha e da URSS limitou o poder de ação da Liga, que contou em seu auge com 60 Estados membros. A Liga sofreu, também, com deserções ao longo de sua história.

Conta com a presença de 193 países, sendo as deserções raríssimas. Entre seus Estados membros encontram- se os EUA e outras grandes potências do cenário atual. Foi favorecida pelo processo de descolonização

Adaptação A Liga, sem a presença dos

EUA e outras potências da época, além do pouco interesse dos seus Estados membros influentes de tratarem de questões de

segurança que os

envolvessem limitou a sua ação, impedindo-a de cumprir com seu objetivo principal: manter a paz mundial.

Já a ONU quando teve seu sistema de segurança coletiva inoperante pela Guerra Fria desenvolveu o mecanismos que seria, até hoje, a sua principal marca: as operações de manutenção da paz. A resolução Uniting for Peace foi o primeiro passo para essa transformação no modo da ONU ligar com a questão da paz internacional.

Aplicabilidade Suas medidas aplicavam-se

apenas aos seus Estados membros.

No caso da ONU os Estados que não estão vinculados à mesma, também tem seus direitos e deveres previstos pela Carta.

Atuação Foco basicamente exclusivo

na Segurança Coletiva.

Apesar de prezar pela paz como seu objetivo primordial também exerce funções em outras áreas como a social e a econômica.

Percebe-se, conforme o Quadro 2, o Quadro 3 e o que foi até aqui explanado, que no que tange a manutenção da paz, apesar de origem similares, essas duas Organizações traçaram caminhos próprios desenvolvendo características únicas, em questões de militarização, universalidade, processo decisório, capacidade de adaptação, aplicação e áreas de atuação, a fim de promover a paz no mundo.

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