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4 LIGA DAS NAÇÕES

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO

A Liga das Nações teve como cenário de seu surgimento o findar da Primeira Guerra Mundial. Como observa Marie-Claude Smouts (apud SILVA et al., 2012, p. 149), in verbis, “até a Primeira Guerra Mundial, o direito foi essencialmente um direito de coexistência”.

O trauma causado pela Primeira Guerra Mundial seja pelas cidades devastadas ou pela morte de milhares de civis, aliada as pressões exercidas pela opinião pública com medo de novas ações militares impulsionou os Estados a criarem novas Organizações Internacionais, “capazes de atuar no plano internacional com a finalidade de assegurar meios pacíficos de solução de controvérsias” (CRETELLA NETO, 2007, p. 27).

Em janeiro de 1918, o presidente norte-americano, Woodrow Wilson, fez seu famoso discurso ao Senado norte-americano, no qual propôs quatorze pontos para garantir a paz mundial, sendo o último deles uma referência à criação da Liga das Nações, “que garantiria a independência e integridade territorial de todos os Estados” (HERZ; HOFFMAN, 2004, p. 87).

O sentimento pacifista traduzido pelo presidente Wilson em seu discurso, incentivou a criação de comitês, tanto na Inglaterra como na França, com o propósito de elaboração de uma organização internacional que servisse como um mecanismo para auxiliar na solução de litígios. Os projetos apresentados pelos ingleses e franceses, entretanto,

continham profundas divergências. A proposta francesa defendia uma organização militarizada e imperativa, que servisse como instrumento de constrangimento em casos de eventuais agressões. Já a proposta britânica, apoiada pelos Estados Unidos, baseava-se no princípio da boa-fé e vontade dos Estados-Membros, descartando uma organização com capacidade militar supranacional e dotada de poder coercitivo (SEITENFUS, 2000).

Segundo Seitenfus (2000, p.90), “os dois projetos deixam transparecer visões contraditórias (...) a França pretendia fazer da Liga das Nações uma controladora da possível revanche de Berlim, enquanto a Inglaterra, separada do Continente, supunha estar protegida”.

Na Conferência de Paz de Versalles, em 1919, foi, então, ratificado o Tratado de Versalles, que encerrou definitivamente o conflito mundial, e em seu anexo adotou-se o Pacto da Liga das Nações (GARCIA, 2000). O projeto britânico, apoiado pelos Estados Unidos e America Latina, foi o aprovado (SEITENFUS, 2000) e sendo assim, foi fundada em 28 de junho de 1919, a Liga das Nações que adotou em seu Pacto o seguinte preâmbulo:

As altas partes contratantes,

considerando que, para o desenvolvimento da cooperação entre as nações e para a garantia da paz e da segurança internacionais,importa:

aceitar certas obrigações de não recorrer a guerra,

manter abertamente Relações Internacionais fundadas sobre a justiça e a honra, observar rigorosamente as prescrições do direito internacional, reconhecidas doravante como norma efetiva de procedimento dos governos,

fazer reinar a justiça e respeitar escrupulosamente todas as obrigações dos tratados nas relações mútuas dos povos organizados

adotam o presente Pacto, que institui a Liga das Nações. (GARCIA, 2000, p. 153)

Nesse primeiro momento de criação da Liga, alguns fatos foram marcantes e determinantes para a sua trajetória e fracasso com a eclosão da 2ª Guerra Mundial.

Seguindo a proposta inglesa, que se baseia no princípio da boa-fé, nota-se, que os Estados contratantes do Pacto da Liga das Nações limitaram-se a “aceitar certas obrigações de não recorrer a guerra” o que não instigue a utilização de métodos armados à solução de controvérsias (CRETELLA NETO, 2007).

É de extrema importância ressaltar, ainda que apesar da Liga ter sido confeccionada, em grande parte, pelos ideais propostos pelo presidente norte-americano, Woodrow Wilson, o Congresso deste país recusou-se a aderir a tal organização (MIYAMOTO; CARVALHO, 2003). Segundo Araújo (2002, p. 16), o Partido Republicano, opositor ao presidente Wilson, afirmando que a aprovação do Pacto implicaria na “revogação

da Doutrina Monroe7 e levaria, em consequência, os Estados Unidos a participarem de todos os conflitos estranhos ao continente americano”, foi vitorioso no Congresso, impossibilitando a aderência dos Estados Unidos ao Pacto da Liga.

Ainda, em relação à ausência dos Estados Unidos na Liga, segundo Herz e Hoffmann (2004, p. 96), a não participação deste Estado

impediu que o sistema adquirisse um caráter universal o que comprometeu a sua credibilidade e operacionalidade. No caso da imposição de sanções econômicas, em particular, a universalidade da coalização é fundamental, tanto na geração dos efeitos desejáveis, quanto para a socialização dos custos. (...) Assim o sistema não pode ser considerado universal.

Hobsbawn (1995, 42) ressalta, ainda, a exclusão de duas potências europeias, a URSS e a Alemanha, afirmando que “assim que uma ou as duas reentrasse em cena, um acordo de paz baseado apenas na Grã Bretanha e na França (...) não poderia durar”.

Com essas ressalvas, foi instaurada, assim, a primeira organização internacional de segunda geração (CRETELLA NETO, 2007), sendo esta, de acordo com Seitenfus (2000, p. 89), “uma organização intergovernamental, de caráter permanente, com vocação universal baseada nos princípios da segurança coletiva”.

Conforme Cretella Neto (2007, p.29),

do ponto de vista das Organizações Internacionais e das Relações Internacionais, reconhece-se que a criação da Liga das Nações representa, pela primeira vez, a superação dos estreitos limites de uma cooperação técnica, ficando patente a vontade política dos Estados fundadores de organizar a sociedade internacional, de forma prudente e reservada, é certo, mas manifestada com clareza.

A Liga das Nações surge, portanto, como um mecanismo de pacificação de esfera global. Os seus principais objetivos são apresentados na sequência.

4.2 OBJETIVOS

Segundo Baracuhy (2006), “a Liga das Nações foi, até o momento de sua criação, a mais elaborada tentativa de organizar racionalmente as Relações Internacionais a partir de uma instituição multilateral”.

7

Segundo Cretella Neto (2007, p. 27) a Doutrina Monroe foi proclamada em 21 de dezembro de 1823 e “dirigia-se a ingerência das potências européias nos negócios internos dos Estados latino-americanos que acabavam de se tornar independentes (...). Tem por fundamento o princípio da não-intervenção (...)”.

A Liga foi o “primeiro grande experimento visando aglutinar os povos do mundo para tentar resolver os problemas globais, ordenando o mundo em torno de princípios básicos de respeito mútuo” (MIYAMOTO; CARVALHO, 2003, p. 50)

Para Seitenfus (2000, p.89), com a criação da Liga das Nações “tem-se (...) uma verdadeira Organização Internacional com o objetivo específico de manter a paz através de mecanismos jurídicos (...)”. De acordo com o mesmo autor, a Liga das Nações baseava-se nos princípios da segurança coletiva e da igualdade entre os Estados soberanos, desta forma, surgiu com três funções essenciais: (1) ratificação do Tratado de Versalles, (2) a promoção da segurança; e (3) a cooperação econômica, social e humanitária.

De acordo com Araújo (2002, p. 17),

No preâmbulo da ata de sua constituição foram fixados os objetivos principais da Liga: garantir a paz e a segurança internacional; a cooperação entre as nações, a integridade territorial e a independência política de seus membros por meio de compromissos de jamais recorrerem à guerra.

Em seu seio, a proposta para a manutenção da paz mundial repousava sobre o princípio da segurança coletiva. A Liga “advogava que a segurança de um é a segurança de todos” (SEITENFUS, 2000, p. 94).

Herz e Hoffman (2004, p. 91) afirmam que “a proposta de criação de um sistema de segurança coletiva representava uma ruptura dramática com a lógica da balança de poder que havia regido as relações entre as potências europeias até então”. Ainda de acordo com as autoras, o projeto de segurança coletiva vai além do equilíbrio de poder, pois “a agressão era o objeto do sistema, e a paz era tomada como indivisível. Uma ameaça localizada deveria ser tratada como uma ameaça a paz mundial”

Como forma de controle, os redatores do Pacto propunham em seu texto que os Estados membros deveriam informar sobre o seu nível de força e armamento militares, navais e aéreos. Este controle, todavia, consistia numa simples recomendação. O mesmo acontecia com a solução pacífica de litígios, questão em que o Pacto invocava a arbitragem que fazia apenas recomendações para a solução das controvérsias (SEITENFUS, 2000).

Segundo Seitenfus (2000, p. 95),

Os mecanismos de manutenção da paz previstos pelo Pacto dependiam da existência de boa-fé dos Estados-Membros. O sucesso da atuação da Liga das Nações repousaria na existência de um nível de confiança recíproca e na atuação, como força de pressão, da opinião pública internacional. Nestas condições vê-se que a nova organização terá sucesso em questões menores, surgidas no entre-guerra, mas será

incapaz de opor-se à agressão das grandes potências, conduzindo o mundo a um novo conflito generalizado.

O plano recomendatório em que se situavam as decisões da Liga, portanto, não evitou o conjunto de conflitos e a corrida armamentista que precederam a Segunda Guerra Mundial, sendo o sistema de segurança coletiva foi considerado um fracasso (HERZ; HOFFMANN, 2004).

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