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5 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU)

5.4 A ESTRUTURA INSTITUCIONAL

5.5.2 Contextualização histórica

Como Herz e Hoffman (2004) afirmam, a participação do Conselho de Segurança em processos de resolução de conflitos faz parte das funções da ONU na administração da segurança mundial.

Não é demais recordar que a Liga das Nações, quando um de seus membros recorria à guerra, contrariando os compromissos assumidos, decretava ao Estado agressor as sanções estipuladas no artigo 16 do Pacto assinado em Versalhes, e que podem ser resumidas em rupturas de relações e na aplicação de atos coercitivos de natureza econômica e financeira, podendo ainda organizar uma força armada destinada a fazer o transgressor cumprir os compromissos desrespeitados. Na prática, essas disposições não funcionariam como era preciso (ARAÚJO, 2002, p. 50)

Ao final da Segunda Guerra Mundial, a decisão das grandes potências mundiais, de criar um instrumento de segurança coletiva para o sistema internacional, foi crucial para a criação das Nações Unidas. Todavia, tal mecanismo não se mostrou totalmente funcional e isso revelou uma importante característica dessa nova organização: a capacidade de adaptação (UZIEL, 2010).

A eminente Guerra Fria, que dividiu as duas grandes potências da época, repercutiu logo no início das operações da Organização das Nações Unidas. Segundo Uziel (2010), poucos dias após a abertura dos trabalhos, sobreveio o primeiro veto soviético – no Conselho de Segurança – sobre a Questão Sírio-Libanesa, que pouco interesse direto despertava na URSS, porém, naquele momento, deu aos soviéticos alguma tranquilidade. Tal atitude, entretanto, concedeu aos Estados Unidos e a seus aliados uma importante arma de propaganda, situação que criou uma cultura de desconfiança e frustração na nova Organização.

Segundo Herz e Hoffmann (2004), com o início das tensões entre as duas superpotências (Estados Unidos e URSS), o mecanismo do sistema de segurança coletiva, previsto no artigo 43º da Cara da ONU, acabou por não ser implementado. Tal artigo dizia, em seu inciso 1º, que:

todos os membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários a manutenção da paz e da segurança internacionais (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945, p. 27).

Como as negociações para a conclusão dos ‘acordos especiais’ foram interrompidas pelo início da Guerra Fria as operações militares da ONU tiveram que se adaptar (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 107). Com a perda do seu poder de influência, a ONU passou a desenvolver características que seriam maximizadas nos anos seguintes (UZIEL, 2010).

Nesse contexto, a Resolução 377, conhecida como Uniting for Peace, de 1950, foi um marco na história da ONU. Essa resolução, diante dos impasses no Conselho de Segurança – devido às divergências entre Estados Unidos e URSS –, baseado no artigo 24º da Carta – que atribui ao Conselho uma responsabilidade principal, e não exclusiva, a manutenção da paz e segurança mundial – permitiu a Assembleia Geral da mesma Organização a intervir em caso de inoperância do Conselho (TRINDADE, 2003).

Conforme Uziel (2010), inúmeras foram às indagações sobre a legitimidade de tal medida, todavia, foi em razão dessa que em 1956, com a Crise de Suez, deu-se origem ao instrumento de manutenção da paz mais efetivo da ONU. Ainda de acordo com o autor, a crise em questão teve início com a nacionalização do Canal de Suez pelo governo de Nasser, as propostas para a solução do litígio apresentados pelos Estados Unidos e URSS ao Conselho de Segurança foram vetadas pela França e Reino Unido (que tinham interesse direto no canal) e assim aplicou-se a medida Uniting for Peace transferindo a consideração do tema para a Assembleia Geral.

Sob o olhar a Assembleia Geral e com a sugestão canadense, de criar “uma ‘força internacional de emergência’ que seria estruturada a partir de sugestões e esclarecimentos contidos em sucessivos relatórios da Assembleia” (UZIEL, 2010, p.48), foi criada a primeira missão de manutenção da paz, a UNEF (Força de Emergência das Nações Unidas) (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Na década de 60, contudo, esse novo modo de atuação da ONU foi posto à prova com a Crise do Congo. Baseada no êxito e experiência da UNEF foi criada a ONUC (Operação das Nações Unidas no Congo), que tinha como objetivo auxiliar na retirada das tropas belgas que se encontravam no Congo. Nesse momento, entretanto, iniciou-se uma discussão sobre até que ponto deveria ocorrer à atuação da ONU naquele país, uma vez que a ONEC foi acusada de interferir em assuntos internos congoleses (UZIEL, 2010).

Segundo Rodrigues (2000, apud BIZAWU, 2008, p. 56),

(...) a operação iniciada no Congo ilustra os limites da nova medida militar. A criação da ONUC quase levou a ONU à falência e ocasionou a morte do Secretário- Geral – Dag Hammmskjöld. Ao longo da crise, o país ficou sem autoridade central

clara, fazendo com que a ONU criasse um governo com o apoio do ocidente. As forças armadas da ONU tornaram-se um exército armado a serviço do governo, perdendo a cooperação das partes em luta e de muitos países que davam suporte à operação.

A ONUC, segundo Herz e Hoffmann (2004), foi considerada o “Vietnã da ONU” e afastou, por muito tempo, a possibilidade de ações coercitivas pela organização. Ainda conforme as autoras, tal fato evolveu a ONU num conflito intra-estadual de grandes proporções.

Entre 1964 e 1965, uma crise financeira ameaçou a existência da organização. “A URSS e França alegaram que a UNEF e a ONUC haviam sido constituída de modo ilegal porque somente o Conselho de Segurança poderia autorizar essas missões” (UZIEL, 2010, p. 52) e não a Assembleia Geral, conforme havia ocorrido graças à resolução Uniting for Peace. Assim, tais Estados, recusaram-se a pagar suas contribuições àquelas missões. A crise financeira, portanto, demonstrou que não seria mais possível usa a Assembleia como forma de contornar o veto no Conselho de Segurança (UZIEL, 2010).

Em 1967, o relatório preliminar para a criação de uma nova ação militar, a UNDOF (Força de desengajamento das Nações Unidas), criaria a doutrina que prevalece até hoje sobre as missões de manutenção da paz: “a autoridade operacional é investida no Secretário-Geral das Nações Unidas pelo Conselho de Segurança, que mantêm a autoridade político-estratégica” (UZIEL, 2010, p. 51-52).

Impossibilitada de usar a resolução Uniting for Peace, a ONU, de acordo com Herz e Hoffmann (2004), durante a Guerra Fria, teve o Conselho de Segurança bombardeado por um sequência de vetos protagonizados por Estados Unidos e URSS (depois Rússia). Com o fim dessa guerra, no entanto, o número de operações de paz aumentou exponencialmente, “assim como o escopo de suas atividades e a quantidade de civis e militares envolvidos” (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 111-112).

Segundo Uziel (2010, p. 55), três fatores parecem ter sido decisivos para o aumento no surgimento das missões de paz:

1) o desbloqueio do processo decisório e a fragilização de um dos polos da Guerra Fria levaram ao aumento do número doe conflitos com os quais o Conselho de Segurança deveria lidar; 2) as operações de manutenção da paz tinham se mostrado (...) um ambiente seguro e legítimo para cooperação (...); 3) em momento instável de reestruturação, as missões cumpriam a função de permitir a retirada honrosa de conflitos (...)

Conforme Mathias (2009), o novo cenário que se formava no ambiente internacional, pós-Guerra Fria, era caracterizado pela redução de tensões entre Estados e o aumento nos conflitos civis e étnicos. Assim

ao reafirmar o seu compromisso constitucional de ‘salvar as futuras gerações do flagelo da guerra’, as Nações Unidas vislumbraram, nesse sentido, a necessidade de aparatos renovados que tornassem efetivos seus esforços de manutenção e a construção da paz no planeta (...) (MATHIAS, 2009, 193).

Para tanto, ainda de acordo com Mathias (2009, p. 193), as missões de da paz além da manutenção da paz passaram a ser responsável pela sua construção. Dessa forma as missões passaram a participar: na inclusão de “integrantes civis para auxiliar na negociação de acordos de paz, na reconstrução civil, nos processos eleitorais, entre outras atividades voltadas à reconstrução das instituições necessárias para a conformação do Estado após o encerramento do conflito”.

A Guerra do Golfo, que se passou em 1990 e 1991, segundo Herz e Hoffmann (2004), viria alterar novamente o contexto político internacional e a introduzir elementos inovadores nas missões de paz das Nações Unidas. Publicada em 1992, pelo então Secretário- Geral Boutros Boutros-Ghali, a An Agenda for Peace (Uma agenda para a Paz)

propunha para as Nações Unidas a função de impor uma vontade internacional para pôr fim a conflitos e, se necessário, desconsiderar o consentimento das partes e manejar forças de ataque postas a seu dispor (UZIEL, 2010, p. 57).

A Guerra do Golfo foi um marco na história das Nações Unidas, segundo Herz e Hoffmann (2004), pois o Conselho de Segurança autorizou medidas coercitivas militares.

Apesar do entusiasmo inicial, com o sucesso da intervenção da ONU na Guerra do Golfo, em 1991 (HERZ e HOFFMANN, 2004) a implantação das missões de paz UNOSOM (na Somália) UNAMIR (em Ruanda) e a UNPROFOR (na ex-Iuguslávia) se mostraram um fracasso devido a incapacidade das Nações Unidas em gerir o uso da força por conta de barganhas políticas, da participação de atores diretamente interessados no litígio e da pouca qualificação das tropas, que eram proveniente de países em desenvolvimento (UZIEL, 2010).

Nesse cenário outra publicação viria em 1995, a Supplement to an Agenda for Peace (Uma Agenda para o Desenvolvimento), também proposta por Boutros-Ghali. Essa reconhecia que “o cenário de atuação das missões e as tarefas a elas atribuídas tinham se tornado muito mais complexos (...) – e – reafirmava inteiramente os princípios tradicionalistas

das operações de manutenção da paz e abstinha-se de propostas polêmicas” (UZIEL, 2010, p. 60).

Vale ressaltar nesse momento que como Herz e Hoffmann (2004) afirmam as propostas surgidas em 1994 e 1995 (An Agenda for Peace e a Supplement to an Agenda for Peace) abriram espaço para a discussão não só do papel das missões de paz mas, também, um debate sobre uma possível reforma na Organização.

Ainda conforme as autoras, as propostas de reforma caracterizam-se pela multiplicidade de questões abordadas, dentre as quais se destaca (1) a preocupação com a democratização da ONU, na qual se sobre saem duas questões: o processo decisório dentro da organização e a representação de atores não estatais; (2) e outros temas como: os problemas operacionais da organização (financiamentos e cooperação), as possibilidade de cooperações entre ONU e organizações regionais, o papel das Nações Unidas do desenvolvimento, o uso de sanções e os recursos às ações militares (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Em 2000, foi publicado o relatório do Painel das Nações Unidas, conhecido como o Relatório Brahimi, “que se propunha a avaliar a experiência das missões de paz e propor soluções para superar as ingentes dificuldades enfrentadas na década de 90” (UZIEL, 2010, p. 64). Tal relatório foi recebido com otimismo cauteloso, apresentou cinco recomendações do ponto de vista político: (1) os mandatos devem ser críveis, claros e executáveis; (2) necessidade de estabelecer critérios mínimos para que uma “paz”seja sustentável e permita estabelecer uma missão; (3) contar com contribuintes de tropas antes de autorizar missões; (4) os meios disponíveis devem ser adequados para as tarefas determinadas; e (5) necessidade de informar o Conselho de Segurança com dados objetivos e não com conveniência política (UZIEL, 2010).

Segundo Uziel (2010), é importante destacar, ainda, outras duas contribuições do Relatório Brahimi: (1) serviu como base para um novo entendimento das operações de manutenção da paz, reafirmou que as Nações Unidas não fazem guerra e que essa ação seria eventual; e (2) legitimou a ideia de uma nova geração de missões, que ainda respeitava os princípios tradicionais (imparcialidade, consentimento e legítima defesa), mas que permitia interpretações menos restritivas. Assim, desde então houve um novo surto de missões de paz na organização.

Segundo o Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas (DPKO) (2005 apud SEITENFUS, 2012):

107 Estados participavam como contribuintes, no final de 2005, nas operações de paz das Nações Unidas. Mais de 70 mil homens em missão estavam envolvidos nestas operações. A grande maioria (94%) do pessoal civil, militar e policial é oriunda dos países em desenvolvimento.

Até 2008, a ONU contava com 20 missões em curso, como pode ser observado no Quadro abaixo:

QUADRO 1 - Missões de Operação da Paz da ONU em curso

ANO LOCAL

1948 Médio Oriente UNTSO Organização da ONU encarregada de Vigiar as Tréguas

1949 Índia/Paquistão UNMOGIP Grupo de Observadores Militares das Nações Unidas na Índia e Paquistào 1964 Chipre UNFICYP Força de Manutenção da Paz das Nações Unidas no Chipre

1974 Síria UNDOF Força das Nações Unidas Encarregada de Observar a Separação 1978 Líbano UNIFIL Força Interina das Nações Unidas no Líbano

1991 Sara Ocidental MINURSO Missão das Nações Unidas para a Organização de um Referendo no Sara Ociedental 1993 Geórgia UNOMIG Missão de Observação das Nações Unidas na Geórgia

1999 Kosovo UNMIK Administração Interina das Nações Unidas no Kosovo

1999 Rep. Democrática do Congo MONUC Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo 2000 Etiópia/Eritreia UNMEE Missão das Nações Unidas na Etiópia e na Eritéria

2002 Afeganistão UNAMA Missão de Assistência das Nacções Unidas no Afeganistão 2003 Libéria UNMIL Missão das Nações Unidas na Libéria

2004 Costa do Marfim UNOCI Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim 2004 Haiti MINUSTAH Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti

2005 Sudão UMMIS Missão das Nações Unidas no Sudão

2006 Serra Leoa UNIOSIL Gabinete Integrado das Nações Unidas na Serra Leoa 2006 Timor Leste UNMIT Missão Integrada das Nações Unidas em Timor Leste 2007 Burundi BINUB Gabinete Integrado das Nações Unidas no Buruni 2007 Darfur (Sudão) UNAMID Operação Híbrida UA/ONU no Darfur

2007 Rep. Centro-Africana/Chade MINURCAT Missão das Nações Unidas na República Centro-Africana e no Chade

MISSÃO

FONTE: adaptado de DPKO (2008)

O sistema de segurança coletiva projetado para a Organização das Nações Unidas, ao final da Segunda Guerra Mundial, nunca chegou a ser de fato implementado devido a bipolarização do mundo e da própria organização com a Guerra Fria, entretanto revelou uma importante característica da mesma: a capacidade de adaptação (UZIEL, 2010).

Segundo Herz e Hoffmann (2004), esse sistema continuará a apresentar contradições inerentes das relações entre os Estados soberanos e da hierarquia de poder, contudo tal sistema vem se fortalecendo com a incorporação das mudanças mencionadas anteriormente. As operações de manutenção da paz são reflexos inerentes dessa capacidade de adaptação, pois surgiram como resposta a ineficácia do sistema previsto na Carta (UZIEL, 2010).

As missões de paz das Nações Unidas continuam a evoluir, tanto conceitualmente como operacionalmente, para responder a novos desafios e realidades políticas. Frente à crescente demanda por missões cada vez mais complexas, a ONU, nos últimos anos, tem sido cobrada e desafiada como nunca. A Organização tem

trabalhado vigorosamente para fortalecer sua capacidade de administrar e sustentar as operações e, deste modo, contribuir para sua mais importante função: manter a segurança internacional e a paz mundial (ONU BRASIL, 2012).

Nesse contexto, hoje, fazem parte das Nações Unidas 193 Estados membros (ONU BRASIL, 2012), o que comprova a sua universalidade e indispensabilidade, uma vez que nunca algum Estado deixou a organização (SEITENFUS, 2000). Diferentemente do que se passou na Liga das Nações.

A seguir será realizado um comparativo sobre a atuação das Nações Unidas e da Liga na manutenção da paz mundial.

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