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Análise da escala a partir dos perfis de desempenho

Nas diversas revisões das Escalas de Inteligência de Wechsler observa-se a preocupação com a análise dos resultados a partir do agrupamento dos di- ferentes subtestes em unidades com maior significado clínico e utilidade diag- nóstica. Rapaport (1945/1976) foi um dos primeiros pesquisadores que, tra- balhando com a Escala Wechsler-Bellevue, mostrou como alguns subtestes poderiam ser agrupados, fornecendo informações complementares sobre o funcionamento intelectual, além de confirmar a eficácia do instrumento em po- pulações clínicas.

Também Mayman, Schafer e Rapaport (1951/1967) analisaram as fun- ções mentais específicas que fundamentavam a realização de cada subteste da Escala Bellevue. Este trabalho mostrou a riqueza e a qualidade deste teste no diagnóstico da inteligência, em contrapartida a uma utilização com base somente na quantificação ou resultados finais atingidos. Nesta mesma linha de pesquisa, em 1972, Glasser e Zimmerman propuseram uma interpretação clínica da WISC, na qual descreveram o funcionamento cognitivo envolvido em cada subteste associado a outros elementos da personalidade, tais como a iniciativa, curiosidade, ansiedade, angústia, impulsividade, maturidade social, oposicionismo, passividade, autonomia e auto-imagem. A interação entre es- tes elementos poderia facilitar ou dificultar um comportamento inteligente.

As escalas de inteligência wechsler para crianças (WISC) e as dificuldades de aprendizagem: Revisão dos estudos

Alguns estudos são clássicos por abordarem a importância da análise dos subtestes da WISC. Entre eles, pode-se mencionar os trabalhos de Bannatyne (1968) propondo o agrupamento dos subtestes do WISC em três categorias: (i) Habilidade de Conceituação Verbal: Compreensão, Semelhanças e Voca- bulário; (ii) Habilidade Espacial: Completar Figuras, Cubos e Armar Objetos; e (iii) Habilidade Sequencial: Digitos, Arranjo de Figuras e Código. Em 1974, o autor alterou a sua categorização anterior, pois verificou que alguns autores sugeriram a substituição do subteste Arranjo de Figuras por Aritmética, dado que este avaliava a memória auditiva sequencial (Sousa, 2001). A nova cate- gorização manteve iguais a Habilidade Espacial e a Habilidade de Conceitua- ção Verbal, modificando a Habilidade Sequencial (Aritmética, Dígitos e Códi- go) e criando um novo Índice de Conhecimento Adquirido (Informação, Aritmética e Vocabulário).

As categorias de Bannatyne (1974) foram construídas para o diagnóstico de dislexia e usadas depois na identificação de problemas de aprendizagem em geral. Nas crianças com dificuldades de aprendizagem, as Habilidades Espaciais foram superiores à Conceitualização Verbal, e estas superiores às Habilidades Sequenciais que, por sua vez, foram mais elevadas que às liga- das ao Conhecimento Adquirido. Já Kaufman (1975) realizou a análise fato- rial dos resultados da amostra de padronização do WISC-R e obteve três fato- res: (i) Compreensão Verbal (CV): Informação, Compreensão, Semelhanças e Vocabulário; (ii) Organização Perceptual (OP): Completar Figuras, Arranjo de Figuras, Cubos, Armar Objetos e Labirinto; (iii) Resistência à Distração (RD): Aritmética, Dígitos e Código. Também este autor, em 1976, descreveu as dis- crepâncias entre o QI Verbal (QIV) e o QI de Execução (QIE), na amostra de padronização da WISC-R. Concluiu que a diferença média entre os dois QIs foi 9,7 pontos (DP=7,6), sendo mais frequente o QIV maior que o QIE. A mé- dia das discrepâncias não variou com a idade, o sexo ou a raça. Contudo foi encontrada uma média de 10,7 de discrepância a favor do QIV, consideran- do a ocupação profissional dos pais. Os filhos de profissionais técnicos obtive- ram melhores resultados na parte verbal do teste do que os filhos de operários sem qualificação.

Usando a WISC-R, Dean (1978) comparou 60 crianças com dificuldade de aprendizagem (DA) e 60 com distúrbio emocional, com idades variando de 6;4 a 13;6 anos. Verificou que as crianças com DA obtiveram menor pon- tuação em Completar Figuras, Cubos e Armar Objetos e maior pontuação no Vocabulário, em comparação ao outro grupo. Estes dados sugerem que as crianças com DA teriam mais dificuldade na Organização Perceptual de acor- do com os critérios de Kaufman (1975). A diferença entre o QIV e o QIE, a

Santuza Fernandes Silveira Cavalini, Irai Cristina Boccato Alves

favor deste último, foi significativa apenas no grupo com distúrbio emocional. Também não houve diferenças segundo o género das crianças entre os dois grupos. No entanto, Sattler (1980) reavaliou os resultados de Dean (1978) e verificou que as crianças com DA apresentavam resultados mais baixos nos subtestes Informação, Aritmética e Vocabulário, ou seja, na área verbal e não na perceptual, como afirmava Dean. Em sua opinião Dean comparou grupos demasiado heterogêneos, ressaltando que a análise deveria ter sido feita in- tragrupos e não intergrupos.

A investigação na área nem sempre é consensual. Por exemplo, Bloom e Raskin (1980) compararam a diferença entre o QIV e o QIE na WISC-R em 100 crianças com DA (83 meninos e 17 meninas), com idades entre 6;4 e 16;1 anos e não constataram diferença significativa em relação ao grupo de padronização da WISC-R. Verificaram que a discrepância entre o QIV e o QIE não identificava a criança com dificuldade de aprendizagem. Em uma re- visão de 21 artigos com a utilização do WISC-R, Kaufman (1981) constatou que a categorização de Bannatyne (1974) não permitia o diagnóstico diferen- cial das crianças com dificuldade de aprendizagem, porém fornecia uma es- trutura para o entendimento das qualidades e deficiências dessas crianças. Ressaltou que, na área das DA, o mais importante é procurar o significado teórico e clínico dos pontos fortes e fracos exibidos pelas crianças nas catego- rias de Bannatyne. A discrepância média entre os QIs Verbal e de Execução não diferiu significativamente das obtidas pelas crianças normais. Porém mos- trou que as forças ou fraquezas encontradas no perfil da WISC-R eram impor- tantes, mesmo quando a dispersão geral está dentro dos limites normais, pois estas informações podem auxiliar o planejamento de intervenções educacio- nais.

Garcia, Morenza, Galán e Torres (1987) pesquisaram a WISC-R, traduzi- da e adaptada para o espanhol, em 95 crianças entre 6 e 7 anos, sem indica- ção de problemas emocionais, das quais 64 com DA. Observaram que o QI Total não constituía um índice de diagnóstico eficaz na identificação destas crianças. Apesar de obterem pontuações menores nos subtestes Informação, Aritmética e Dígitos, o QI Total não diferiu significativamente entre os grupos. Concluíram que as crianças com DA não mostravam comprometimento inte- lectual geral, mas dificuldades específicas, destacando-se entre elas o distúr- bio de atenção. Neste sentido, com uma amostra de 980 crianças de ambos os sexos com DA, com idades entre 9 e 14 anos, Fischer e Dean (1987) inves- tigaram os índices fatoriais da WISC-R (CV, OP e RD). Segundo estes autores, os índices CV e OP não se afastavam dos obtidos na população normal, mas diferiam no índice RD. Nas suas conclusões referem que os três fatores, identi-

As escalas de inteligência wechsler para crianças (WISC) e as dificuldades de aprendizagem: Revisão dos estudos

ficados por Kaufman (1975) em uma população normal, também apareceram nas crianças com DA, sendo o fator CV o mais relevante, seguido por OP e RD; que os três fatores ocorreram de forma idêntica nos meninos e nas meni- nas com dificuldades e que a idade não afetou a estrutura fatorial da WISC-R. D’Angiulli e Siegel (2003) utilizaram a WISC-R em 121 crianças com de- sempenho escolar normal, 143 com déficit de leitura e 100 com déficit em aritmética, de ambos os sexos, com idades entre 7 e 16 anos. Os resultados indicaram que o grupo com dificuldade de leitura obteve pontuação menor nos três QIs do que o com dificuldade em aritmética e, neste grupo, os três QIs foram mais baixos do que os obtidos pelas crianças normais. Nos grupos com dificuldade em leitura e em aritmética foram encontradas diferenças entre o QIV e QIE, a favor deste último, em relação ao grupo normal. Porém este da- do não pode ser usado como índice diagnóstico, pois apenas 35% das crian- ças com DA (leitura e aritmética) tiveram uma pontuação significativamente maior no QIE do que no QIV. Os autores concluíram que as crianças com DA formaram um grupo heterogêneo, podendo apresentar disfunções e dificulda- des específicas não avaliadas pela WISC-R.

A heterogeneidade do grupo de crianças com dificuldades escolares é um aspecto salientado por diversas pesquisas na área. Por exemplo, Arenal e Conde-Guzón (2009) estudaram 82 crianças (idade média de 9,5 anos) com DA e sem alterações neurológicas, com o objetivo de diferenciar subgrupos. Os autores utilizaram a WISC-R, a Bateria Luria – DNI e as Escalas de Com- portamento Infantil (ECI), tendo identificado quatro subgrupos: i) transtorno disléxico, ii) déficit generalizado, iii) déficit de atenção, e iv) déficit mínimo. Na WISC-R, os resultados dos três primeiros grupos foram coincidentes em re- lação à QIV<QIE; o perfil ACID foi identificado no grupo com déficit generali- zado e o perfil “Aritmética, Dígitos e Código” foi encontrado no grupo com déficit de atenção. Tais informações associadas aos resultados dos outros ins- trumentos permitiriam, segundo os autores, avançar em intervenções pedagó- gicas e clínicas diferenciadas de acordo com as necessidades das crianças em cada grupo. Nesta altura, estas escalas de inteligência podem assegurar infor- mação mais específica ou complementar aos valores globais de QI. Ilustrando, a partir desta perspectiva, Oliveira (2010) procurou avaliar os processos cog- nitivos básicos implicados nas dificuldades de aprendizagem específicas to- mando o subteste de Dígitos da WISC-III, Teste de Atenção – D2 e Figura Complexa de Rey em 60 crianças, com e sem dificuldades de aprendizagem. Os resultados indicaram diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos além de associação positiva entre algumas variáveis da atenção (audi- tiva e visual) e os resultados de algumas disciplinas, entre a percepção e os

Santuza Fernandes Silveira Cavalini, Irai Cristina Boccato Alves

resultados acadêmicos e entre algumas variáveis da memória e os resultados de algumas disciplinas.

Desempenho típico de crianças com dificuldades de